Nome habitual no tradicional cardápio de equipas de Primeira, o Vitória Futebol Clube parece destoar das lides da Liga 3, onde competiu nas últimas duas temporadas. Contudo, a recente queda confirmada ao Campeonato de Portugal, coloca o histórico emblema sadino num patamar impensável para a sua dimensão, até mesmo para o mais trágico dos adeptos.
Trágico foi também o desfecho da equipa orientada por Luís Loureiro na Liga 3. Com a manutenção garantida com a dupla vantagem sobre o Oliveira do Hospital, a redução imposta por André Salvador, a um minuto dos 90, ditou uma sentença sentida na pele por mais de 13 mil adeptos sadinos presentes no Estádio do Bonfim, direção e jogadores. Os que ainda defendem o escudo vitoriano e os que por lá deixaram marca.
Nessa perspetiva, o zerozero foi ao encontro de duas figuras carismáticas do Vitória de Setúbal: Cláudio Pitbull, referência do passado recente e Zequinha, capitão e atual símbolo do clube.
Começando com o depoimento do avançado que ajudou a colocar uma Taça da Liga nas vitrines do Bonfim, Pitbull admitiu a ressaca de tamanha hecatombe desportiva: «Ainda não digeri a descida ao campeonato de Portugal», começou por contar.
«Há um mês, estava no jogo do Vitória FC contra o Sporting, em casa (1-1). Não começou bem a fase de manutenção ali, mas depois conseguiram reagir com aquela vitória, diante do Real Massamá. Com um jogador a menos conseguiram virar», enquadrou Pitbull, antes de abordar o complicado momento da última jornada.
«Estava a ver o jogo aqui no Brasil com o meu pai, a minha mãe e o meu irmão. Se não me engano estavam 13 mil [adeptos] no Bonfim... Juro: a sensação foi a de me terem enfiado uma faca no peito. Os adeptos, as pessoas de Setúbal não mereciam isto», vaticinou.
«Porque é que ninguém parou o jogo? Porque é que ninguém caiu ao chão? Sofrer golo aos 89 é um crime, é uma coisa que dói muito... Até parti um copo que estava à minha frente. A minha mãe estava a chorar, já que ela viveu comigo as coisas boas que eu passei aí [no Vitória FC]», relatou Pitbull: «Falei com o Zequinha, ele é um vitoriano e tem uma linda história em Setúbal. Estava muito triste, falei com o roupeiro... Estavam todos muito tristes.»
Para o futuro próximo do emblema setubalense, Pitbull falou numa reformulação irreversível: «Se não tiver pessoas capacitadas para poder fazer o trabalho, não adianta. Na terceira divisão, se não tiver organização, se não tiver um planeamento... Há muitos jogadores na Liga 3 com condições para jogar na Primeira Liga. O clube vai ter de se reformular para poder dar a volta. Se quiser regressar à Primeira Liga, ao seu lugar, vai demorar, pois é um caminho longo», sugeriu ainda.
«O essencial é pegar em todos os cacos, ver o que ficou e o que pode ser feito para começar as mudanças. Recebi milhares de mensagem por e-mail, Instagram, Facebook, a pedir para voltar a jogar. As pessoas pediram, mas eu disse que não. Agora estou gordinho [risos]», revelou, em jeito de conclusão.
Um momento de agonia partilhado também por Zequinha. O capitão dos vitorianos acompanhou o clube de coração da Primeira Liga ao terceiro escalão, terminando a presente época como melhor marcador da Serie B, estatuto que viria a revelar-se insuficiente para as pretensões sadinas.
«Setúbal está silencioso. Não parece a mesma cidade... Foi o dia mas mais triste da minha carreira», relatou Zequinha, visivelmente abalado com o momento: «Da direção, não estive com mais ninguém. O meu contrato também acabou. Não sei qual vai ser o meu futuro ou o futuro do Vitória. Ainda estou a ponderar o que vou fazer, porque foi um foi uma dor muito grande.»
Apesar do momento indiscutivelmente delicado, o capitão sadino não esquece quem o ajudou a segurar o leme, aquando da descida dos campeonatos profissionais: «Conseguimos dar a volta por cima com todas as dificuldades. Sem direção, eu, o Semedo, o Nuno Pinto e o Mano conseguimos formar a equipa e agora, quando ela estava sólida, entrou esta direção para bem do Vitória.»
«O Hugo [Pinto, gestor da SAD] tem sido uma pessoa incansável no sistema de querer elevar o clube e descer novamente é bastante frustrante, ainda mais por um golo aos 90 minutos», constatou.
Sem definir um cenário perfeito para a reconfiguração vitoriana, Zequinha foi questionado se a tradicional formação do clube seria uma das soluções a manter no futuro. Um caminho que o jogador defende, embora reconheça que a crescente aposta nos jovens da cantera se deva, em grande parte, ao atual contexto.
«Quando estava na Primeira Liga, o Vitória deixou de investir um bocadinho na formação. Em condições de infraestruturas, derivado a todos os problemas que o clube teve. Antes do Hugo entrar, muitos destes jovens que agora se estão a revelar, surgiram pelo que aconteceu ao clube», explicou. «Setúbal é uma cidade com jogadores de muita qualidade em que se pode trabalhar e investir.»
«Sou apologista de apostar na formação, mas não pode ser 12 ou 14 jogadores [de uma vez], porque ainda estão um pouco tensos. Não sei se me faço entender... Em processo de maturação. É preciso experiência e este ano faltou-nos um pouco disso logo de início», avaliou, o experiente capitão sadino.
A rematar a conversa com o zerozero, Zequinha avaliou a política desportiva abraçada, assim como a diferença de representar um clube desta dimensão.
«O Vitória foi dos clubes que investiu mais. Foi buscar muitos jogadores à Segunda Liga e, com todo o respeito, é diferente jogar num clube da Segunda Liga com menor dimensão do que estar no Vitória, na Liga 3. A camisola, às vezes, pesa um pouco. Fizeram o melhor que sabiam. Era um grupo bastante bom. Adorei trabalhar com todos, mas não conseguimos.»