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Aquele passe de letra
Bruno Pinto

Um título chamado Rúben Amorim

2021/05/13
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"Aquele passe de letra" é uma coluna de opinião do autor da página "Espaço Futebol", um apaixonado por Futebol, que acredita que o jogo, como dizia Johan Cruyff, se joga com a cabeça e que os pés estão lá apenas para ajudar... Podem seguir o "Espaço Futebol", aqui: https://www.facebook.com/espaco.futebol.espaco.futebol/
O Sporting é campeão nacional. Dezanove temporadas depois, o clube de Alvalade volta a festejar o título nacional, depois de em 2002, sob o comando de Laszlo Boloni e com um plantel de luxo (Jardel, João Vieira Pinto, Sá Pinto, Pedro Barbosa, Quaresma, Hugo Viana, Paulo Bento, Rui Bento, Tello, André Cruz, Phil Babb, Beto, Dimas, Rui Jorge, etc...), o ter conseguido pela última vez. De então para cá, foi uma longa travessia no deserto, vendo FC Porto e Benfica repartirem entre si as conquistas do máximo troféu e raramente se conseguindo assumir como efectivo candidato ao título. As duas vezes em que esteve mais próximo desse objectivo foram em 2006-07 (um ponto para o campeão FC Porto, com Paulo Bento) e mais recentemente em 2015-16 (dois pontos para o campeão Benfica, com Jorge Jesus), mas faltou sempre qualquer coisa.
 
Será um título inteiramente merecido. O Sporting tem sido a equipa mais regular do campeonato. Nas 32 jornadas já disputadas, ainda não conheceu o sabor da derrota: são 25 vitórias e 7 empates! São números tão extraordinários quanto inesperados. Ninguém esperava uma temporada deste calibre, nem mesmo os adeptos sportinguistas, até pela diferença de recursos para os rivais. Sim, o Sporting tem um plantel bem mais fraco que FC Porto e Benfica. Daí que a sua principal força motriz venha sendo a competência colectiva, que só é assegurada com um bom treinador.
 
O título 2020-21 terá um nome gravado acima de todos os outros: Rúben Amorim. O técnico leonino tem desenvolvido um trabalho sensacional ao longo da época. Ainda com uma curta carreira, mas cuja competência é bem evidente, Rúben Amorim adoptou sempre uma postura discreta, um discurso sereno, como que a querer passar entre os pingos da chuva. Beneficiando também da liderança ponderada de Frederico Varandas, longe do descontrolo emocional e dos desvios de personalidade de Bruno de Carvalho, Amorim pôde direccionar o seu foco para o trabalho de campo e para o que podia controlar. O resultado foi um colectivo forte, muito organizado, com comportamentos bem mecanizados, com um futebol simples, que nunca deslumbrou, mas que se revelou muito difícil de contrariar. O facto de os 'leões' terem sido eliminados bem cedo das competições europeias, bem como da Taça de Portugal, ajudou também a concentrar todos os esforços no campeonato (a excepção foi a Taça da Liga, ganha ao Sp.Braga).
 
Tacticamente, Rúben Amorim manteve-se fiel ao mesmo sistema táctico desde o início da temporada: um 3-4-2-1 em momento ofensivo, que passa a 5-4-1 ou 5-3-2 em momento defensivo, que é um desenho táctico que cada vez mais treinadores começam a usar (é assim que joga o Chelsea de Tuchel, por exemplo). Nos jogadores utilizados, também nunca variou por aí além. E se analisarmos ao pormenor, as substituições também obedeceram a um padrão consoante as necessidades da equipa fossem arriscar ou contrair. Amorim nunca inovou demasiado, antes conferiu posicionamentos, comportamentos e dinâmicas bem enraízadas, trabalhadas e aperfeiçoadas por processo de repetição.
 
Na baliza, a experiência e sobriedade de Adan foi um ponto muito forte desta equipa. O guarda-redes espanhol foi um verdadeiro achado e contribuiu decisavamente para a solidez defensiva verde e branca (melhor defesa da liga com apenas 15 golos sofridos até agora).
 
A linha de três centrais atrás teve em Coates o seu grande líder. O central uruguaio vem realizando uma época soberba, com um óptimo desempenho defensivo, além de alguns golos providenciais. É o líder não só do sector defensivo como de toda a equipa. Ao seu lado, Feddal e Luís Neto foram os colegas habituais, sendo que Gonçalo Inácio também teve uma utilização interessante.
 
As laterais foram das melhores revelações e uma das principais forças da equipa ao longo de toda a temporada. Os jovens Pedro Porro (21 anos), à direita, e Nuno Mendes (18 anos), à esquerda, foram simplesmente fantásticos, funcionando como grandes municiadores do ataque pelos corredores laterais, fosse em cruzamentos ou em investidas mais associativas, normalmente com os médios ofensivos interiores. Sem descurar o aspecto defensivo, é na hora de atacar que mais fazem sobressair a sua qualidade. Essa qualidade tem sido de tal forma evidente, que ambos já se estrearam pelas respectivas selecções A. Os já mais experientes João Pereira e Antunes não tiveram grandes chances de discutir o lugar, actuando apenas em situações esporádicas.
 
No centro do terreno, o Sporting actuou invariavelmente com dois elementos na mesma linha, que foram na grande maioria das vezes Palhinha, mais posicional e com um sentido táctico irrepreensível, e João Mário, mais talentoso, mais técnico, e com maior liberdade para subir no terreno até às zonas de criação. Esta dupla foi fundamental na manobra colectiva da equipa. Daniel Bragança e Matheus Nunes foram também importantes em variadíssimos jogos, sobretudo o primeiro com a sua capacidade de dar maior qualidade à contrução apoiada e maior fluídez à circulação de bola em jogos com menos espaço.
 
Os médios ofensivos interiores (a largura é conferida maioritariamente pelos laterais) têm sido obviamente fundamentais nesta caminhada triunfal. Pedro Gonçalves tem sido o melhor jogador e melhor goleador da equipa, com impressionantes 18 golos apontados até este momento, o que é uma cifra excelente para um médio. Criativo, inteligente, goleador, assim se pode definir Pote, que é um jogador de toque curto, de último passe, de remate fácil, que guarda bem a bola e confere aquela pausa no jogo, por vezes, tão necessária quanto a aceleração. O outro médio/extremo mais utilizado foi Nuno Santos, mais vertical, mais irrequieto, menos criativo, mas igualmente evoluído tecnicamente. Sem ser tão decisivo quanto Pote, o seu pé esquerdo foi igualmente capaz de algumas maravilhas durante o campeonato, sendo uma unidade de grande preponderância. Jovane Cabral e Tabata foram também dando o seu contributo, especialmente Jovane, naquele seu estilo atabalhoado e voluntarioso, muitas vezes sem muito discernimento, mas com muita determinação e inúmeras acções decisivas.
 
Na frente de ataque, Tiago Tomás (18 anos) foi a principal referência atacante da equipa na primeira metade da época, com uma utilização regular e muita influência no processo colectivo, fruto sobretudo da sua disponibilidade e de uma atitude mental muito forte, além de bons atributos técnicos e imensa velocidade. Sporar nunca conseguiu tirar o lugar ao miúdo, situação que mudou de figura quando chegou à equipa Paulinho, vindo do Sp.Braga, um jogador já de outro nível. Ainda não se integrou a 100% no colectivo leonino, mas a sua indiscutível qualidade individual, bem conhecida de Rúben Amorim, garantiram-lhe lugar imediato na posição 9. É uma questão de tempo até começar a render o que dele se espera.
 
O modelo de jogo deste Sporting não é um manancial de complexidade ou criatividade. A equipa, sólida, raramente se parte e gosta de actuar de forma controlada (não se sente confortável em jogos mais caóticos, mais descontrolados), subindo e descendo no campo de forma conjunta e harmoniosa. Privilegia uma construção apoiada, através dos três centrais bem abertos, mas recorre amiúde também a passes verticais, buscando desde cedo os médios mais adiantados ou o avançado, em apoio ou na profundidade. Os laterais são os "carriladores" de jogo pelas faixas laterais, oferecendo linhas de passe exteriores e "mostrando-se" constantemente aos colegas, que chegados ao último terço do campo, normalmente recebem o apoio dos interiores e do avançado, para se associarem em passes e tabelas que reduzam oposição. O cruzamento é um recurso, mas não usado até à exaustão. João Mário é quem assume mais vezes a segunda fase de construção e a ligação com a criação, já que Palhinha não é forte nesse aspecto. Pote e João Mário são os elementos que conferem soluções mais imprevisíveis, no meio de um modelo relativamente previsível. Bolas paradas são um factor muito importante, com Coates, Feddal e Palhinha em destaque. No plano defensivo, destaque para um pressing alto, intenso e em bloco a tentar condicionar a saída adversária e ganhar a bola cedo para explorar desde logo um possível desequilíbrio. Por outro lado, é perceptível uma concentração de elementos leoninos na mesma zona do campo quando o adversário procura desenvolver o seu jogo, tentando abafá-lo. A equipa "afunila" de forma muito vincada os seus posicionamentos, ficando muito compacta na zona onde o adversário tenta jogar. É a tal coesão de que falei atrás, embora isto também abra alguns espaços noutras zonas do campo. Quando o adversário se consegue impor no jogo e exercer maior domínio, este Sporting sente-se também confortável em baixar o bloco, actuar com uma linha de cinco atrás, com 4+1 ou 3+2 mais adiantados, procurando com uma boa rede de coberturas defensivas, "tapar" o maior espaço possível ao opositor e estando sempre à espreita de ataques rápidos no momento da recuperação da bola.
Está de parabéns Rúben Amorim pela empreitada que conseguiu erguer em pouco tempo e sem os mesmos recursos, em qualidade e também em quantidade, dos seus rivais directos. Com uma equipa sem grandes estrelas individuais, repleta de jovens jogadores, alguns abaixo dos 20 anos, conseguiu não apenas competir como superiorizar-se por completo a FC Porto e Benfica, que têm plantéis mais caros e com muito mais soluções. Se vai ficar na história pelo futebol maravilhoso que praticou? Não vai. Nem o Sporting nem nenhuma outra equipa, na minha opinião. Infelizmente, temos um campeonato bastante fraco hoje em dia, onde o nível médio de jogo é muito reduzido. Se na próxima época, um Sporting parecido chega para ser campeão? Acho que não. Mas que o Sporting foi a melhor equipa deste campeonato, não há dúvida nenhuma. E que Rúben Amorim, entra na história do clube como alguém que conseguiu um dos seus feitos mais notáveis, também não.


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