Alemanha 1974

Alemanha 1974

Texto por Filipe Ferreira
l0
E0

Em 1974 as dezasseis melhores selecções do mundo reuniam-se no país que então se denominava de República Federal Alemã para disputar a décima edição do Campeonato Mundial de Futebol, mas, em boa verdade se diga, os olhos do mundo nesse ano de 1974 estavam postos não na Alemanha, mas sim em Portugal, e não por razões futebolísticas, mas muito por culpa da “Revolução dos cravos” que no dia 25 de Abril tinha posto término a mais velha ditadura da Europa.

Em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso) os olhos dos portugueses não se desviaram para o solo germânico como em edições anteriores do certame, apesar do acompanhamento habitual dos jornais “Record” e “A Bola” com os seus enviados especiais.

Eram tempos de mudança no mundo. Enquanto na Europa acabavam as ditaduras portuguesa e grega (a Espanha teria a sua sorte no ano seguinte); no Chile vivia-se o rescaldo do golpe de estado de direita, chefiado pelo General Pinochet que tinha derrubado o governo de Salvador Allende democraticamente eleito em Setembro de 1973; nesse mesmo ano, mas no mês de Março, os últimos soldados americanos tinham saído do Vietname ajudando a desanuviar a tensão política  nos EUA. Mas os tempos eram difíceis para a administração da Casa Branca pois agravava-se a situação com o desenvolvimento do caso Watergate, que levaria a resignação do Presidente Richard Nixon a 9 de Agosto desse mesmo ano.

Indiferente a este estado de coisas,  a Alemanha preparava-se para organizar o seu primeiro mundial, que tinha uma versão melhorada da Bola (Telstar II) que a Adidas tinha introduzido no Mundial do México, e onde pela primeira vez todos os jogos tiveram direito a transmissão a cores, mas onde curiosamente foi uma equipa que equipava “a preto e branco” que viria a ganhar.

Uma dúvida assaltava os fãs do deporto rei: quem iria a suceder a Pelé no trono do Futebol Mundial?

Dois jogadores bem distintos que desempenhavam papéis diferenciados e que viriam a ficar na galeria dos imortais do futebol candidatavam-se: Johan Cruyff, então jogador do Barcelona, mas que tinha encantado o mundo ao ser a estrela maior do Ajax - Tricampeão Europeu de Clubes 1971/72/73; e Franz Beckenbauer, o Kaiser, capitão da Mannschaft e do Bayern de Munique com quem tinha vencido a Taça dos Campeões Europeus de 1974, que foi a primeira do tricampeonato europeu de clubes que o Bayern conquistou entre 194 e 76.

A bola começou a rolar no dia 13 de Junho em Frankfurt, quando o Brasil começou a defender o ceptro contra a sempre perigosa Jugoslávia. O resultado foi um decepcionante 0-0 que deixou os adeptos brasileiros a questionarem a real capacidade da sua selecção para chegar ao tetra - mal sabiam eles, o tempo que teriam de esperar…

O grupo 2 continuou com a vitória da Escócia - que regressava ao mundial após a única presença em 1958 - sobre o Zaire (2-0).

O Zaire que era o primeiro representante da África Sub-Saariana num mundial, sofreu uma humilhante derrota por 9-0 no segundo jogo contra a Jugoslávia, levando muitos comentadores a questionarem a capacidade do futebol africano para estar presente nos grandes palcos.

No outro jogo da 2ª Jornada do grupo o Brasil empatou novamente a zero com a Escócia.

Só na última jornada do grupo o Brasil garantiu a passagem a 2ª Fase, ao vencer o Zaire por 3-0 e graças ao empate a 1-1 entre escoceses e jugoslavos.

O Grupo 1, da equipa da casa tinha duas curiosidades: a estreia de duas selecções (Austrália e RDA) e o facto de as duas “alemanhas” se defrontarem num mundial.

Ambas começaram a sua missão com vitórias. Enquanto os de Leste venciam a Austrália por 2-0, a equipa da casa vencia o Chile por 1-0.

Na 2ª Jornada a RFA venceu os australianos por 3-0 enquanto a RDA empatava a 1-1 com os chilenos, ficando tudo em aberto para o jogo decisivo.

No dia 22 de Junho em Hamburgo, mais do que duas equipas de futebol, defrontavam-se duas concepções de sociedade para uma mesma nação, que naqueles tempos encontrava-se dividida por um muro.

A vitória dos azuis de Leste foi a maior vitória da RDA na sua história. Aquele único golo Juergen Sparwasser, valeu a vitória sobre os irmãos ocidentais, e foi a coroa de glória de Erich Honecker, líder político da RDA.

Mas enquanto a Alemanha sofria um forte revés, a sua vizinha Holanda iniciava o mundial a todo o vapor com vitórias sobre o Uruguai e a Bulgária, e empate com a Suécia; já o Uruguai desiludiu ao perder com suecos e holandeses, conseguindo apenas um ponto, resultado do empate a uma bola com a Bulgária.

No grupo 3 a Laranja Mecânica e a Suécia carimbavam o passaporte para os Quartos de Final que seriam disputados em duas poules, enquanto os sul-americanos e búlgaros regressavam a casa.

Para finalizar a 1ª fase, o grupo 4 que contava com os vice campeões mundiais (Itália) e a Argentina – regressada, após a ausência em 1970 - como favoritos. À Polónia com uma fantástica geração de onde se destacavam Lato (melhor marcador da competição com 7 golos), Zmuda, Gadocha e Deyna, coube o papel de surpresa maior do grupo. Os polacos venceram os três jogos: Argentina (3-2), Haiti (7-0) e Itália (2-1).

O Haiti, outro estreante, sofreu 14 golos em 3 jogos, sofreu outras tantas derrotas mas como coroa de glória não saiu da Alemanha sem ter marcado tanto um golo à Argentina como um outro à Itália.

Como argentinos e italianos tinham perdido pela mesma diferença de golos com a Polónia e tinham empatado entre elas, resolveram o apuramento através do número de golos marcados ao Haiti. Ganharam os alvi-celestes que bateram os caribenhos por mais um golo (4-1) que os transalpinos (3-1).

A 2ª fase trouxe a inovação das duas poules. No grupo A a Holanda passeou a sua classe e esmagou a Argentina no primeiro jogo (4-0). O Brasil sofreu, mas venceu a RDA por 1-0.

Na segunda jornada, no eterno derby sul-americano, o Brasil venceu a Argentina por 2-1, enquanto na outra partida a Holanda afastava os alemães de Leste do mundial com uma vitória por 2-0.

No encontro decisivo a Holanda venceu e convenceu por 2-0, com um golo acrobático do camisola 14, que pôs fim ao sonho brasileiro do tetra.

No Grupo B os polacos abriram o caminho vencendo suecos e jugoslavos, enquanto a RFA repetiu a dose mas em ordem inversa. No jogo decisivo a RFA venceu e foi para a sua 3ª final, enquanto a Polónia caía de pé, fazendo um mundial, um pouco a imagem de Portugal em 66.

A carreira polaca que encantou os analistas, conduziu-os ao 3º lugar, após mais uma vitória, desta feita sobre o Brasil que numa pobre prestação, acabou por nem a medalha de bronze conseguir conquistar.

Na final realizada em Munique estavam frente a frente os dois favoritos. As duas melhores equipas e os dois melhores jogadores.

De um lado a jogar em casa, com a segurança de Sepp Maier na baliza, com jogadores como Beckenbauer, Vogts, Breitner, Hoeness e Muller, a Alemanha, confiante, segura e poderosa. Do outro lado com as camisolas laranjas que encantaram a Europa e o mundo, a Laranja Mecânica de Rinus Michels, assente nas grandiosas equipas do Feyenoord e Ajax que tinham conquistado a Europa, com jogadores como Rep, Resenbrink, Neeskeens e o maravilhoso Cruyff.

E se havia dúvidas da genialidade de Cruyff elas ficaram de lado no 1º minuto, após uma brilhante jogada individual em que finta uma meia dúzia de alemães e é derrubado dentro da grande área. Grande Penalidade! Neeskens bate a bola e Golo! Apenas com dois minutos de jogo decorrido e já a equipa que consensualmente jogava o melhor futebol do mundial estava na frente.

Mas a Alemanha, nunca se dá por vencida e tal como em 1954 quando deram a volta então contra a mágica Hungria, os alemães pegaram no jogo e com Breitner (25’) também através de uma grande penalidade e com Muller (43’) viraram o jogo ainda antes do intervalo chegar.

Na segunda parte,os holandeses não tiveram forças anímicas para contrariar o jogo alemão e a Alemanha ganhava o seu 2º Mundial.

Aos holandeses restou a consolação de na sua 2ª presença na fase final de um mundial (40 anos depois) atingirem a final, terem apresentado o melhor futebol do torneio, e, verem Cruyff ser coroado como rei do mundial.

Comentários

Gostaria de comentar? Basta registar-se!
motivo:
EAinda não foram registados comentários...