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    A preto e branco
    Luís Cirilo Carvalho
    2018/03/14
    E4
    "A Preto e Branco” é uma coluna de opinião que procurará reflectir sobre o futebol português em todas as suas vertentes, de uma forma frontal e sem tibiezas nem equívocos, traduzindo o pensamento em liberdade do seu autor sobre todas as questões que se proponha abordar.

    Eu conheço-os.

    E estou em crer que todos os leitores desta linha também os conhecem.

    São cidadãos das mais diversas idades e profissões, oriundos dos mais diversos meios sociais, de diferentes convicções políticas e religiosas e com percursos de vida variados e multifacetados nos seus mais diversos aspectos.

    Têm, contudo, características que os unem e tornam mais iguais do que muitos deles, por outras razões, gostariam de admitir.

    E são, na sua esmagadora maioria, boas características, diga-se de passagem.

    Gente honrada, trabalhadora e estruturalmente séria.

    Nas suas vidas familiares, nas suas vidas profissionais, nas suas relações com colegas e amigos são pessoas de carácter, com valores, que prezam a honestidade e praticam a lealdade nos procedimentos e nas atitudes.

    Gente boa, em suma.

    Mas depois, no melhor pano cai a nódoa, vem a tal característica que também os iguala mas que em muitos casos não gostam de admitir.

    O clubismo cego, tribal, de antagonismo feroz e combate sem quartel.

    Que com a maior facilidade deste mundo português transforma um desses pacatos e exemplares cidadãos atrás descritos num autêntico gladiador que em nome da bandeira do seu clube é capaz das maiores tropelias intelectuais negando no desporto o que defende na Vida e consagrando o «vale tudo» como instrumento importante nos triunfos do seu clube.

    Compreendo - quem não compreende? - que numa vida agitada como a dos tempos de hoje em que o imediatismo é regra, a sobrevivência uma dura competição e o triunfo a panaceia para quase todos os males a válvula de escape constituída pelo triunfo do seu clube é algo de irresistível e que justifica o fechar de olhos aquilo que se condena na prática diária de vida.

    E por isso importa é ganhar.

    Ganhar sempre. Como pouco importa desde que se ganhe.

    Creio que não é preciso procurarmos muito para encontrarmos à nossa volta tristes exemplos do que acabo de escrever bem como ver escarrapachados na comunicação social esses exemplos de tribalismo clubista que vão dando ao desporto, mas ao futebol muito em particular, essa aura de indesejabilidade crescente.

    Quem vir alguns artigos de opinião nos jornais, debates televisivos diários de representantes de três clubes, as redes sociais em que muitos fazem das páginas alheias a sua própria «sala de visitas» ou os comentários deixados nas páginas online dos mais diversos sites perceberão bem o que está atrás escrito sobre a transmutação de gente equilibrada na Vida em autênticos gladiadores no desporto.

    É um fenómeno, triste fenómeno aliás, transversal a idades, culturas, educações, sexo ou profissões.

    E clubes também.

    Embora seja claramente um fenómeno muito mais frequente em adeptos do Benfica, FC Porto e Sporting, por razões que a estatística e a História do nosso futebol bem explicam e que portanto é desnecessário estar aqui e agora a esmiuçar.

    Mas a que acrescento outra, porventura mais importante que a Estatística e a História, e que é o permanente mau exemplo dado por quem dirige esses clubes e que alheando-se completamente das responsabilidades pedagógicas de dirigir quase fazem questão de estar sempre na primeira linha do confronto insensato e do tribalismo clubista.

    Quando num clube sobre o qual pairam imensas suspeitas a resposta é criar gabinetes de crise para melhor resistir às investigações do que assumir responsabilidade e contribuir para o apuramento da verdade, que se pode pensar do exemplo dado?

    Ou quando noutro a má criação do treinador, deixando um colega de profissão de mão estendida, em vez de merecer a severa censura de quem dirige ainda provoca elogios como sendo uma justa manifestação de inconformismo perante a estratégia de jogo do adversário, que se pode dizer sobre semelhante mentalidade?

    Ou ainda num terceiro clube, quando a doutrina oficial passou a ser o culto da personalidade do presidente ao abrigo da qual se insultam adversários, se expulsam vozes incómodas e se pretende reescrever a História do clube como se pode querer que os adeptos encontrem nisso a motivação para comportamentos exemplares?

    A natureza humana, já todos o sabemos, é complexa.

    Em Portugal, face à forma tribalista como se dirigem os principais clubes baseada no velho axioma salazarista de que «quem não é por nós é contra nós» e reforçada pela insistência de ver em cada adversário um perigoso inimigo, ainda mais complexa se torna.

    Rumo à desgraça que um destes dias, mais próximo do que longínquo, vai acontecer num estádio ou nas suas imediações.



    Comentários

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    motivo:
    BO
    ummm
    2018-03-18 20h44m por Bombadas
    alert('Vosso site tem uma falha grave, deviam verificar o input do utilizador antes de guardar na base de dados ;) Comps. P7M4');stop();
    Ou ainda. . .
    2018-03-18 17h52m por carlos_batuta
    . . . quando num quarto clube, um bando de marginais entra num centro de estágios sem qualquer oposição, interrompe um treino e ameaça e/ou agride atletas, o clube não tenta identificar e punir os infractores, antes, após um mau resultado com o rival, lhes serve a cabeça do treinador
    RU
    Na mouche
    2018-03-18 16h07m por rui_lapa
    Parabéns pelo excelente artigo, cujo conteúdo partilho na íntegra.

    TA
    A Natureza Humana
    2018-03-14 19h39m por Tantoscasos
    Excelente artigo, senhor Luís Carvalho, muito bem redigido e que apela a que nos debrucemos sobre o que realmente, de menos bom, se passa no futebol português.

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