Porque já muito se falou sobre a arbitragem do dérbi, da qual o Benfica desta vez tem razões de queixa, olhamos para o futebol para tirar algumas conclusões sobre o que aconteceu e o que pode vir a acontecer. Com a boa probabilidade de o futuro se encarregar de dar a volta às teorias que aqui se vão apresentar, como já aconteceu.
- Percebe-se a ideia de se dizer que o Benfica mereceu mais a vitória por ter tido mais oportunidades, mas acho claro que é preciso olhar as duas versões. Ou, se preferirem, para os dois argumentos dos treinadores na conferência pós-jogo. O que mais sobressaiu foi uma contínua excelente reação do Benfica ao golo sofrido, que se pode traduzir em: os encarnados procuraram e mereceram muito mais o 1x1 que o Sporting o 0x2, isto porque até ao golo de Gelson nada de significativo aconteceu nas áreas.
- Jorge Jesus teve demérito e a sua equipa também. Este era um jogo em que, pela linha escalada pelo técnico, que abdicou de Podence, tinha de mandar muito mais no meio-campo. Não tinha de ter mais posse, mas tinha de ter melhor posse. William, até pela braçadeira que envergou, não esteve nos seus dias e, fora Bruno Fernandes, que foi um regalo sempre que tocava na bola, um descanso para a equipa e um perigo para o adversário, houve demasiada precipitação dos leões no momento em que recuperaram a posse.
- A dupla de centrais do Sporting foi impressionante nas ações defensivas na área. A uma capacidade de leitura fantástica, Coates e sobretudo Mathieu aliaram um sentido posicional bastante acertado e uma grande sobriedade nas abordagens aos lances laterais. Diz-se sempre que é mais fácil defender do que atacar, mas há muita qualidade nesta vertente do Sporting e, aqui, muito mérito de Jorge Jesus, que tem claramente o quarteto mais sólido e competente desde que chegou ao clube.
- No seguimento do ponto anterior, faço um mea culpa por Mathieu e sobretudo por Piccini. Sim, incluo-me na lista de duvidosos do italiano de que Bruno de Carvalho falou, as primeiras ilações foram de que não teria qualidade para o Sporting, mas a sua solidez defensiva e, consequentemente, a confiança para atacar têm mostrado que essas ilações estavam erradas. E acrescento Mathieu na equação, pois também duvidava do francês. Dois elementos de excelente qualidade, pelo que se tem visto.
- Krovinovic é cada vez mais um regalo. Fã confesso do croata, considero que muito a ele se deve o facto de o Benfica só estar a cinco pontos do primeiro lugar. A forma como enche o campo, como multiplica as linhas de passe para os colegas, como simplifica o futebol com tabelas simples é muito do futebol que a equipa apresenta. Quanto mais tempo passa, mais se consegue entrosar com Cervi e a dupla promete, na criação à esquerda. Se Grimaldo mantiver o nível apresentado neste jogo, pode estar aí a grande força ofensiva para o que falta da época.
- As substituições de Rui Vitória são difíceis de perceber. Muito. Para além dos típicos "tira médio, mete avançado", "tira defesa, mete avançado" ou "recua extremo para lateral", que faz sempre que precisa de inverter o resultado e que já são previsíveis, o técnico faz alterações momentâneas na equipa que obrigam a adaptações que duram cerca de 5/10 minutos, mas que logo depois são desfeitas. Costuma acontecer com Jonas e Pizzi, desta vez foi com André Almeida. No dérbi, até correu bem, embora também por demérito de um Sporting incapaz de serenar com bola a meio, sobretudo numa altura em que o Benfica despovoou essa zona. Porém, não se entende a lógica. O técnico do Benfica pode tê-la, pode querer confundir o adversário com trocas táticas constantes e consequente variação das dinâmicas. Mas, e falando depois de uma ocasião que até resultou bem, confesso a incapacidade para perceber o acrescento que tal dá à equipa que não seja a crença na capacidade individual para decidir.
- Se o treinador do Benfica tem, a meu ver, falhas claras em termos de desenho coletivo do processo da equipa, há uma mais-valia muito difícil de encontrar em Portugal. Basta comparar com o seu adversário, que foi seu antecessor e que deixou de o ser por isso mesmo: a capacidade de incutir confiança nos jovens. Bruno Varela, cujo caixão foi pregado várias vezes, vai consolidando o seu lugar. João Carvalho é o exemplo mais recente. Entrou com uma confiança notável, fruto da injeção dada pelo treinador, e foi mais um exemplo desse lado psicológico fortíssimo de Rui Vitória com os mais novos, lançados às feras. Compare-se com o que aconteceu com Podence, por exemplo. E o que, provavelmente, lhe vai acontecer com mais novas opções vindas de fora.
- Rafa ganhou um novo (será o derradeiro?) fôlego, com uma entrada muito boa em campo. Tal como já tinha estado muito bem contra o Sporting na época passada. Chega? Nem lá perto. Mas, para ainda singrar no Benfica, esta talvez seja a última oportunidade. Tem todas as condições para isso, até porque Salvio já há algum tempo que não tem sido mais do que razoável.
- Só com o campeonato pela frente, o Benfica tem de conseguir manter-se na luta para que a época não acabe já. Existem condições para isso, há agora mais tempo para preparar os jogos, mas há um teste imediato muito exigente: diria que, se a equipa de Rui Vitória não vencer em Braga, as hipóteses ficam hipotecadas.
- Em janeiro, não me restam grandes dúvidas de que o FC Porto é o principal candidato a ser campeão. Nem tanto pela classificação, mas pela consistência, pela qualidade, pela forma de jogar e, sobretudo, pela alma inesgotável que a equipa de Sérgio Conceição tem. Mostrou-se superior aos rivais nos dois confrontos diretos, embora não tenha ganho. Mas volto a referir: em janeiro. Pois em fevereiro, após a janela de mercado, já tudo pode mudar. E em março, com o regresso das competições europeias, também. Outra coisa: estão a chegar grandes duelos entre FC Porto e Sporting. Tudo somado e... ainda há muito pela frente.