Não há no futebol português nenhuma prova que tenha a amplitude geográfica e afectiva, porque nela participam equipas de todo o país, da Taça de Portugal.
De Norte a Sul, de Este a Oeste, nos dezoito distritos do continente e nas regiões autónomas há equipas a participarem na prova, a sentirem o seu sortilégio, a sonharem com a presença na final do Jamor para inscreverem o seu nome na História do nosso futebol.
É certo que só duas lá chegam, e algumas por repetidas vezes, mas enquanto há vida há esperança e, por isso, até os clubes mais modestos, quando iniciam a sua participação na Taça, fazem-no com a expectativa de conseguirem chegar ao jogo derradeiro, ou, então, o que é apesar de tudo menos improvável, conseguirem encontrar-se pelo caminho com uma equipa da primeira liga e se possível uma daquelas que, como Benfica, Porto, Sporting ou Vitória Sport Clube, garantem receita de boa dimensão.
Já por diversas vezes ao longo dos anos, e algumas aqui no zerozero, tenho manifestado a minha frontal discordância com o facto de a final se disputar no Jamor, que considero um estádio sem condições para um jogo dessa envergadura, por mais que o folclore dos piqueniques na mata, o ar helénico das bancadas e a tradição sirvam para a defesa desse palco para esse jogo.
Quem tiver assistido lá à final de 2017 entre Vitória e Benfica perceberá bem o que estou a dizer.
Mas o tema que hoje quero abordar não se prende com o estádio em que se joga a final, mas sim com os vários jogos em que se deviam disputar jogos da taça e não se disputam face à realidade mentirosa do nosso futebol.
Um dos sortilégios que sempre contribuiu para a popularidade da Taça de Portugal foi o facto de ela proporcionar a visita ao interior do país, normalmente arredado da primeira liga, das equipas que as populações dessas zonas normalmente só veem através da televisão e que apenas na Taça tem a possibilidade de ver ao vivo.
O que, somado à possibilidade de o clube mais fraco, a jogar em casa, num recinto a que já está habituado e com apoio do seu público, se tornar num “tomba gigantes” acresce uma substancial dose de mística à prova.
Mas estamos em Portugal.
E por isso, ao contrário do futebol verdadeiro, o que se disputa em países como Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália ,etc, onde essas manobras seriam impossíveis, no Portugal actual (dantes não era assim) mal algumas equipas sabem o seu destino, ou seja a casa do “pequeno” a que se deslocam, começam logo a arranjar pretextos para levarem o jogo para outro campo que lhes seja mais propício.
Ou é o relvado que não serve, ou os balneários que não têm condições, ou as bancadas possuem pouca lotação, ou não há condições para a transmissão televisiva, ou qualquer outro pretexto que lhes permita transformar um jogo com algum grau de dificuldade num passeio agradável e pouco cansativo.
Normalmente os intérpretes destas manobras são Benfica, Porto e Sporting.
Que, com essas manobras, em que às vezes se insere a oferta ao anfitrião da totalidade da receita, conseguem deturpar por completo a verdade desportiva da competição, transformando-a numa prova em que há filhos e há enteados.
Como em todas as outras, aliás.
Veja-se a titulo de uma das centenas de exemplos possíveis ao longo dos últimos trinta anos o que se vai passar no próximo fim de semana.
Enquanto o Vitória vai ao campo do Valenciano, o Braga ao do Felgueiras, o Nacional ao do Lusitano de Vildemoinhos, o Moreirense ao do S. Martinho, o Chaves ao do Pedras Salgadas, o Vitória FC ao do Armacenenses, o Marítimo ao do Moura, o Feirense ao do Mirandela e até o Porto ao do Vila Real (este ano não terão conseguido deslocar o jogo para outro lado), entre outros exemplos possíveis, o que acontece com Benfica e Sporting?
O Benfica, em vez de ir à Sertã, como aconteceu por exemplo com o Porto em duas ocasiões, conseguiu desviar o jogo para o estádio Cidade de Coimbra com o pretexto de que o relvado do Sertanense não estava em condições e tem um jogo europeu na semana seguinte.
O Sporting, em vez de ir a Loures, jogará em Alverca, em que as dificuldades serão presumivelmente menores, com o argumento da lotação e da iluminação serem insuficientes.
Claro que os dirigentes dos visitados são seduzidos por receitas muito maiores (e com a tal nuance de às vezes até poderem ficar com a totalidade) e anuem à pretensão dos visitantes, fazendo tábua rasa do interesse dos seus adeptos, que, apoiando as suas equipas ao longo de todo o ano, bem gostariam de ter esses jogos nos palcos habituais.
Há que dizer que isto não é sério, não respeita a verdade desportiva, não defende os interesses do futebol.
E é pena que ninguém queira tomar medidas para acabar de uma vez por todas com esta autêntica pouca vergonha que transforma uma prova fantástica como a Taça de Portugal num arranjinho para favorecer alguns no percurso para o Jamor.
Mas estamos em Portugal.
E o futebol português é isto!