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    A preto e branco
    Luís Cirilo Carvalho
    2018/10/14
    E4
    "A Preto e Branco” é uma coluna de opinião que procurará reflectir sobre o futebol português em todas as suas vertentes, de uma forma frontal e sem tibiezas nem equívocos, traduzindo o pensamento em liberdade do seu autor sobre todas as questões que se proponha abordar.

    Não há no futebol português nenhuma prova que tenha a amplitude geográfica e afectiva, porque nela participam equipas de todo o país, da Taça de Portugal.

    De Norte a Sul, de Este a Oeste, nos dezoito distritos do continente e nas regiões autónomas há equipas a participarem na prova, a sentirem o seu sortilégio, a sonharem com a presença na final do Jamor para inscreverem o seu nome na História do nosso futebol.

    É certo que só duas lá chegam, e algumas por repetidas vezes, mas enquanto há vida há esperança e, por isso, até os clubes mais modestos, quando iniciam a sua participação na Taça, fazem-no com a expectativa de conseguirem chegar ao jogo derradeiro, ou, então, o que é apesar de tudo menos improvável, conseguirem encontrar-se pelo caminho com uma equipa da primeira liga e se possível uma daquelas que, como Benfica, Porto, Sporting ou Vitória Sport Clube, garantem receita de boa dimensão.

    Já por diversas vezes ao longo dos anos, e algumas aqui no zerozero, tenho manifestado a minha frontal discordância com o facto de a final se disputar no Jamor, que considero um estádio sem condições para um jogo dessa envergadura, por mais que o folclore dos piqueniques na mata, o ar helénico das bancadas e a tradição sirvam para a defesa desse palco para esse jogo.

    Quem tiver assistido lá à final de 2017 entre Vitória e Benfica perceberá bem o que estou a dizer.

    Mas o tema que hoje quero abordar não se prende com o estádio em que se joga a final, mas sim com os vários jogos em que se deviam disputar jogos da taça e não se disputam face à realidade mentirosa do nosso futebol.

    Um dos sortilégios que sempre contribuiu para a popularidade da Taça de Portugal foi o facto de ela proporcionar a visita ao interior do país, normalmente arredado da primeira liga, das equipas que as populações dessas zonas normalmente só veem através da televisão e que apenas na Taça tem a possibilidade de ver ao vivo.

    O que, somado à possibilidade de o clube mais fraco, a jogar em casa, num recinto a que já está habituado e com apoio do seu público, se tornar num “tomba gigantes” acresce uma substancial dose de mística à prova.

    Mas estamos em Portugal.

    E por isso, ao contrário do futebol verdadeiro, o que se disputa em países como Inglaterra, Espanha, Alemanha, Itália ,etc, onde essas manobras seriam impossíveis, no Portugal actual (dantes não era assim) mal algumas equipas sabem o seu destino, ou seja a casa do “pequeno” a que se deslocam, começam logo a arranjar pretextos para levarem o jogo para outro campo que lhes seja mais propício.

    Ou é o relvado que não serve, ou os balneários que não têm condições, ou as bancadas possuem pouca lotação, ou não há condições para a transmissão televisiva, ou qualquer outro pretexto que lhes permita transformar um jogo com algum grau de dificuldade num passeio agradável e pouco cansativo.

    Normalmente os intérpretes destas manobras são Benfica, Porto e Sporting.

    Que, com essas manobras, em que às vezes se insere a oferta ao anfitrião da totalidade da receita, conseguem deturpar por completo a verdade desportiva da competição, transformando-a numa prova em que há filhos e há enteados.

    Como em todas as outras, aliás.

    Veja-se a titulo de uma das centenas de exemplos possíveis ao longo dos últimos trinta anos o que se vai passar no próximo fim de semana.

    Enquanto o Vitória vai ao campo do Valenciano, o Braga ao do Felgueiras, o Nacional ao do Lusitano de Vildemoinhos, o Moreirense ao do S. Martinho, o Chaves ao do Pedras Salgadas, o Vitória FC ao do Armacenenses, o Marítimo ao do Moura, o Feirense ao do Mirandela e até o Porto ao do Vila Real (este ano não terão conseguido deslocar o jogo para outro lado), entre outros exemplos possíveis, o que acontece com Benfica e Sporting?

    O Benfica, em vez de ir à Sertã, como aconteceu por exemplo com o Porto em duas ocasiões, conseguiu desviar o jogo para o estádio Cidade de Coimbra com o pretexto de que o relvado do Sertanense não estava em condições e tem um jogo europeu na semana seguinte.

    O Sporting, em vez de ir a Loures, jogará em Alverca, em que as dificuldades serão presumivelmente menores, com o argumento da lotação e da iluminação serem insuficientes.

    Claro que os dirigentes dos visitados são seduzidos por receitas muito maiores (e com a tal nuance de às vezes até poderem ficar com a totalidade) e anuem à pretensão dos visitantes, fazendo tábua rasa do interesse dos seus adeptos, que, apoiando as suas equipas ao longo de todo o ano, bem gostariam de ter esses jogos nos palcos habituais.

    Há que dizer que isto não é sério, não respeita a verdade desportiva, não defende os interesses do futebol.

    E é pena que ninguém queira tomar medidas para acabar de uma vez por todas com esta autêntica pouca vergonha que transforma uma prova fantástica como a Taça de Portugal num arranjinho para favorecer alguns no percurso para o Jamor.

    Mas estamos em Portugal.

    E o futebol português é isto!



    Comentários

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    motivo:
    PI
    jfs79
    2018-10-16 22h12m por Pinho352
    Só para relembrar, o jogo da época passada entre Lusitano de Évora e FC Porto foi disputado há precisamente um ano, no Estádio do Restelo! A mais de 120 km de Évora, ou seja, com pouco público local.
    Esta questão é muito bem colocada neste artigo e é transversal aos 3 grandes, todos eles numa ou noutra partida da Taça tentam contornar e jogar em campo neutro.
    Assim é uma competição desvirtuada, caso não pretendam jogar à noite, joguem de dia como nos anos 90, não há nenhum problema.
    Sr. Luis
    2018-10-16 13h47m por jfs79
    Nota-se o seu ódio de estimação pelo FCP, lembre-me por favor o último jogo que o FCP deslocou para outro estádio? Ao contrário de outras equipas em que isso se passa todos os anos, inclusive na 1a liga!
    AM
    A Taça
    2018-10-15 21h04m por amq55
    Para mim, o mais ridículo é mesmo a desculpa da falta de iluminação. É assim tão difícil jogar de dia?

    Um exemplo muito concreto foi quando o Vizela jogou contra o Sporting (no célebre jogo que despediu Marco Silva) que foi jogado no estádio do Moreirense por "falta de iluminação". Mas, uns anos antes, o Porto jogou contra o Santa Eulália onde? Em Vizela, pois claro, à luz do sol.

    Compreendo quando é por razões de segurança (o campo do Loures certamente ter...ler comentário completo »
    LU
    Clubes nacionais e outros
    2018-10-15 15h17m por luiserra
    Não deixando de concordar com o ponto de vista do Luis Cirilo Carvalho, que os jogos deviam ser efectivamente na casa do adversário e não numa casa “emprestada” quase à escolha de outros clubes. Mas por outro lado não me aprece bom e agradável para os adeptos de futebol verem um futebol num campo sem condições mínimas, e infelizmente mesmo clubes da primeira liga se vê que não tem condições, nomeadamente revalida em mau estado.
    Algo que me faz confusão, como é que em Inglaterra por ...ler comentário completo »

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