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País cada vez mais escolhido pelos treinadores

O sonho da profissionalização além-fronteiras: o relato de três treinadoras na Finlândia

2024/01/26 16:01
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São centenas os treinadores portugueses espalhados um pouco por todo o mundo, mas na Europa há um mercado que tem recebido, nos últimos anos, vários treinadores lusos: a Finlândia

O Estado social, a qualidade de vida e, obviamente, a faixa salarial são alguns dos aspetos que fazem deste país um destino cada vez mais comum para os treinadores [só no zerozero, estão registados mais de uma dezena]. Ainda assim, a iniciativa finlandesa de abrir as portas para adquirir conhecimento e melhorar o seu contexto interno no que ao futebol diz respeito é, talvez, o maior motivo para a comunidade lusa ser cada vez maior neste país nórdico. 

Em particular, há um aspeto que se destaca da restante emigração de treinadores, espalhada por todo o mundo. É que, na Finlândia, são, pelo menos, três as treinadoras que também decidiram tentar a sua sorte fora de portas e o zerozero esteve à conversa com cada uma delas. 

Catarina Lopes, Milene Ramos e Joana Martins são as três treinadoras que, nos últimos anos, deixaram Portugal para tentarem fazer aquilo que mais queriam: trabalhar no futebol a tempo inteiro. A Finlândia deu-lhes essa oportunidade. 

Todas foram jogadoras de Liga BPI, todas têm formação académica na área desportiva e todas se viram confrontadas com uma oportunidade de fazerem aquilo que mais gostam a tempo inteiro, sem que fosse necessário conciliar com o Plano B que os estudos superiores lhes atribuíram...

Se o futebol já estava presente na vida de todas, a verdade é que cada uma tem, obviamente, um contexto diferente que a fez sair de portas. 

«Trabalhava das 7h às 23h todos os dias»

Catarina Lopes, por exemplo, deixou Portugal em janeiro de 2023. A antiga jogadora do Sporting, que também foi internacional jovem, abdicou da sua outra ocupação - Professora de Educação Física - para poder fazer aquilo que mais gosta: treinar e jogar futebol. Atualmente, está vinculada ao Ekenas IF

Catarina Lopes @Arquivo Pessoal
«Não foi fácil obviamente, porque me levou a deixar tudo, a abdicar de uma vida estável e a embarcar nesta aventura.  Mas a estabilidade não nos permite superar, nem nos leva ao desenvolvimento...

O meu sonho sempre foi ser profissional no futebol, e isso acabou por facilitar a escolha. Além disso, a Finlândia foi o único país que me abriu essa porta, não a poderia fechar. E se olharmos atentamente para os prós e contras, são muitos mais os pontos a favor da minha vinda... Trabalhava das 7h00 às 23h00 todos os dias. Não era propriamente a vida com a qual sonhamos.»

Depois do Canadá, a Finlândia

Milene Ramos conheceu a Finlândia, depois de já se ter aventurado pelo Canadá. Emigrante desde 2018, foi em 2020 - ainda durante a pandemia - que surgiu a oportunidade de trabalhar na Finlândia.  A antiga jogadora do A-dos-Francos, que somou ainda várias participações na Liga BPI, soube da oportunidade, tentou a sua sorte e já vai em quatro anos em terras finlandesas. 

Milene Ramos @Arquivo Pessoal
«Sou treinadora há 12 anos e sempre tive a ambição de treinar no estrangeiro. Em 2018 surgiu a oportunidade de treinar no Canadá e não pensei duas vezes. Estive lá duas épocas, adorei, mas acabei por regressar por causa da pandemia (2020). Posteriormente, soube através de um treinador português [Tiago Santos], que era coordenador num clube na Finlândia, que estavam à procura de treinadores e enviei o meu CV. É a minha quarta época aqui e, neste momento, estou no Espoon Palloseura. Não faço planos a longo prazo, mas até ao momento tem sido uma jornada desafiante.»

Oportunidade irrecusável

Joana Martins mudou-se para a Finlândia em 2022. A antiga jogadora do Atlético CP, que até aí conciliava os estudos na Faculdade de Motricidade Humana com a carreira de jogadora e de treinadora, soube de uma vaga no AC Oulu, emblema que a nível masculino milita no principal escalão do futebol finlandês. Atualmente, está vinculada ao NJS

Joana Martins @Arquivo Pessoal
«Estava no último ano do meu mestrado em Ensino da Educação Física nos Ensinos Básico e Secundário (FMH), a jogar no Atlético CP e a treinar na Academia de Futebol Feminino de Oeiras quando surgiu a oportunidade de vir para a Finlândia trabalhar. Foi o professor Ricardo Duarte, que na altura era o treinador principal da equipa principal masculina do AC Oulu, que me informou que havia uma vaga no clube e que me colocou em contacto com os responsáveis dos clubes (AC Oulu e OLS).»

Condições apetecíveis num clima diferente

Questionadas sobre os pontos positivos e negativos, dentro e fora de campo, há várias coisas que são comuns a estas treinadoras. O clima é desafiante, mas todas concordam que não é, de todo, um motivo para fazer as malas e regressar a casa, onde também é unânime que a gastronomia está noutro patamar. 

Joana, por exemplo, chegou no pico do inverno, mas a forma como foi recebida e o estilo de vida que encontrou, facilitou a sua integração.

«A Finlândia é um país com um povo muito educado e calmo, com um estilo de vida muito mais leve, em que há tempo para tudo, completamente diferente do que encontramos em Portugal», começou por dizer, explicando quais são as condições profissionais que também melhoraram a sua experiência. 

qA nível futebolístico, é um país que oferece aos treinadores e aos jogadores condições que, por exemplo, em Portugal é difícil de encontrar. Permite-nos trabalhar a full-time a receber o salário médio
Joana Martins

«A nível futebolístico, é um país que oferece aos treinadores e aos jogadores condições que, por exemplo, em Portugal é difícil de encontrar. Permite-nos trabalhar a full-time a receber o salário médio, sendo treinador (principal ou adjunto) em equipas de formação ou principais. Os treinos começam por volta das 16h00, sendo que os pais, como saem cedo dos seus empregos, podem levar as crianças ao desporto que praticam. Para além disso, os clubes têm ótimas instalações, materiais em boas condições e equipamentos tecnológicos ao nosso dispor.»

Catarina Lopes @Arquivo Pessoal

 

Neste sentido, também Catarina destaca, desde logo, a forma de estar no povo finlandês: «O trabalho, o futebol, os compromissos, não ficam nunca acima da sua satisfação e vida pessoal. Para eles, o mais importante é estarem felizes e terem tempo para fazer o que querem e quando querem.»

qO trabalho, o futebol, os compromissos, não ficam nunca acima da sua satisfação e vida pessoal
Catarina Lopes

No entanto, esta forma de encarar a vida, em que o futebol nunca é prioridade, pode também ser apresentada como origem de um aspeto menos positivo na experiência de Catarina Lopes. 

«O futebol nunca é prioridade e, na eventualidade de existirem jogos de hóquei no gelo, festas de família ou viagens, o futebol fica para último plano, uma vez que para a maioria deles é só um hobby», explicou. 

Ainda assim, não é por aí que, quando se apresentam nos treinos, os atletas deixam de ter empenho e compromisso: «São totalmente focados, aplicados e sérios. Quando vão ao treino, vão para treinar, para evoluir e para aprender», destacou a jovem técnica de 28 anos. 

Milene Ramos reconhece que, em termos futebolísticos, tem sido desafiante adaptar-se a este novo contexto e a novos métodos de trabalho. 

«Tem sido desafiante, mas enquanto treinadora é isso também que procuro e em que acredito, sair da minha zona de conforto. Aqui, os clubes são adeptos das metodologias de treino utilizadas pelos grandes europeus, mas muitas vezes tentam conciliá-las com o ponto forte que têm, que é o aspeto físico, também muito vincado devido ao trabalho de ginásio que é realizado. Existem várias metodologias de treino e cada um é livre de seguir a metodologia que entende. O que penso é que as metodologias para o futebol têm de assentar no futebol e não na tentativa de procurar aspetos em outras modalidades... Quando se opta por um tipo de metodologia, há que ter coerência. Tudo o que é preciso está no jogo.»

Ainda assim, na opinião de Milene, há um aspeto crucial que influência o panorama geral do futebol finlandês e não é o conhecimento tático. 

Milene Ramos @Arquivo Pessoal
«Do ponto de vista táctico as pessoas podem pensar que o jogo na Finlândia está mais atrás em relação a outros países da Europa, mas isso não é verdade. Faltam é jogadores com maior capacidade técnica, e por isso, tambem eu evoluí nesse ponto. Basicamente, o mais importante é ser-se fiel às ideias, forma de ver o jogo e procurar melhorar a ideia de jogo. Perder ou ganhar depende de vários factores.»

«Aqui reconhecem competência ao treinador português»

Voltando ao ponto de partida, em que a Finlândia é, para já, um caso raro no que diz respeito a treinadoras portuguesas a trabalhar fora do país, mas já bastante comum no paranorama masculino, todas definem a sua experiência com base em dois fatores: reconhecimento de competência e igualdade de oportunidades para homens e mulheres. 

Na experiência de Milene, a questão do género não se coloca, é mesmo a competência do treinador português que faz a diferença. 

«Quando me mudei em 2020, era a única treinadora portuguesa na Finlândia, mas sempre trabalhei aqui com treinadores portugueses, e todos têm sido um grande apoio nesta jornada. Este país oferece algo que, infelizmente, ainda não encontramos muito em Portugal, a oportunidade de trabalhar a full-time como treinadora. Aqui reconhecem competência ao treinador português. Somos mais valorizados.»

Joana Martins @Arquivo Pessoal

No mesmo sentido, Joana reconhece que esse aspeto é só um número, e que a quantidade de treinadores portugueses no país são a prova de que o treinador português é bem visto, independetemente do género. 

«A Finlândia é um país que está a evoluir no futebol e que quer e gosta de aprender. São um povo muito humilde que vê o estrangeiro como uma oportunidade de aprender coisas novas. O sucesso dos últimos anos da seleção nacional portuguesa permite-nos ser bem vistos no estrangeiro, e acho que é por causa disso que temos tido mais treinadores portugueses na Finlândia. O treinador português é diferenciado pela boa formação académica e pela cultura desportiva que tem. Sinceramente, acho que não há preferência no género, acho que é uma questão de oportunidade e competência.»

Para Catarina, o facto de haver três treinadoras é apenas uma coincidência e prova de que a mentalidade finlandesa acredita em competência e não em género. 

«Tenho-me apercebido que os dirigentes aqui na Finlândia querem dar oportunidades aos treinadores (homens e mulheres) que queiram abraçar os projetos e fazê-los evoluir. Gostam de partir do que têm, para aquilo que lhes é menos favorável ou conhecido para poderem crescer. E estão abertos e disponíveis para aprender, aperfeiçoar ou evoluir. E, nesse sentido, têm visto nos treinadores portugueses essa valência. Além disso, é um país que acredita, defende e promove a competência, independentemente do género.»

«Não me vejo a regressar a Portugal num futuro próximo»

Por fim, relativamente à possibilidade de regressar a Portugal em breve, a resposta também é similar: as condições de trabalho que têm na Finlândia, aliadas à vida pessoal, são muito difíceis de encontrar no contexto português. 

Para Joana, esse cenário não está nos próximos planos: «Não me vejo a regressar a Portugal num futuro próximo, porque os meus objetivos não passam por lá e porque não consigo ter a vida pessoal e profissional que tenho aqui, mas nunca sabemos o dia de amanhã. O mundo do futebol é muito instável e imprevisível», concluiu. 

Milene, é mais assertiva: mais do que a qualidade de vida, o nível salarial e a estabilidade que tem na Finlândia, é a realidade portuguesa que não a atrai a voltar a casa. 

q«Em Portugal, a saturação do mercado é tão grande... Há casos de treinadores que quase “pagam” para trabalhar no futebol profissional...
Milene Ramos

«Para ser honesta, já tive mais certezas sobre o meu regresso a Portugal. Prever o futuro, no futebol, é muito difícil. Um dia vou voltar, mas não consigo fazer projeções. Adoro o meu país, mas, neste momento, sinto-me bem na Finlândia. O nível salarial em Portugal está mais baixo do que antes e a tendência não será para melhorar. 

Em Portugal, a saturação do mercado é tão grande. Sei de casos de treinadores que quase “pagam” para trabalhar no futebol profissional... Falo de adjuntos, analistas, etc, que aceitam ser mal pagos para terem uma oportunidade de estar no meio, e quem sabe, algo acontecer... Já chegámos a este ponto, que em nada valoriza a nossa profissão e a formação que muitos fizeram durantes anos.»

Portugal
Joana Martins
NomeJoana Cardoso Martins
Nascimento/Idade1999-07-04(24 anos)
Nacionalidade
Portugal
Portugal
FunçãoTreinador

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