Notti magiche
Inseguendo un goal
Sotto il cielo
Di un'estate italiana
Junho de 1990, não há quem não se encante com a voz rouca de Gianna Nannini e com os golos, muitos golos, de Salvatore Schillaci.
O olhar inflamado de Totò é a marca de água do Itália-90. As finalizações selvagens, os festejos endiabrados, a figura-revelação do torneio, surpresa-mor do selecionador Azeglio Vicini.
Tudo muda num par de semanas. Do quase anonimato ao estrelato, do esquecimento no banco ao caminho dos golos. Um, dois, seis, até a Squadra Azzurra cair nas meias-finais.
Salvatore, o siciliano, resolve logo a abrir o jogo contra a Áustria, no Olímpico de Roma. Carnevale sai lesionado, Vicini lança a velocidade de Schillaci e um golo aos 78 minutos chega para a primeira notte magica.
A titularidade espera pelo terceiro duelo. Vialli vive um momento infértil e Totò Schillaci anda na lua, por culpa do nascimento do primeiro filho, Mattia, dias antes.
Entusiasmo máximo, golos à Checoslováquia, ao Uruguai, à Rep. Irlanda, à Argentina e a Inglaterra.
33 anos depois, todos os astros se alinham e o zerozero abre a porta para receber Schillaci. Mattia Schillaci, o bebé nascido entre o primeiro e o segundo jogos do Mundial das Noites Mágicas do pai.
Coincidências da vida.
Herança, ADN, Porto, Medicina Dentária e futebol, claro.
Um encontro mágico.
Mattia Schillaci, 33 anos, apaixonado por futebol, cidadão portuense. Como? Porquê?
A conversa nos estúdios do zerozero cruza-se com uma moldura do pai, Totò, e acaba a dar as respostas a estas questões. Encaixe cósmico.
«Em 2018, vim estudar Medicina Dentária na Universidade Fernando Pessoa. Sou muito feliz no Porto, é uma cidade espetacular. Iniciei este percurso há cinco anos e já me sinto em casa», explica Mattia, os mesmos olhos vivos do pai, o mesmo sorriso ininterrupto.
À Medicina Dentária, Mattia junta mais dois prazeres na Invicta: a pesca, «em Espinho e em Leça», e o futebol no popular Santa Catarina FC, clube fundado numa papelaria na rua mais turística e comercial da cidade do Porto, sala de visitas no centro.
Sérgio Oliveira, dirigente do clube que compete no campeonato do INATEL, acompanha Mattia Schillaci e recorda o dia em que se conheceram.
«Estávamos a treinar num campo no centro do Porto e ao lado, num campo de futebol de cinco, estava um grupo de italianos. Pediram para jogar connosco, perguntaram as condições e aí surgiram os dois manos Schillaci», recorda, entre sorrisos.
Dois Schillaci? É verdade, além de Mattia, também Alberto veste a dala altura o preto e branco listado do Santa Catarina. «Era bom jogador, mas agora dedica-se ao fitness», complementa.
«O Mattia é aguerrido, trata bem a bola para este nível, nota-se que tem escola.»
A ideia de Sérgio Oliveira coincide com o auto-retrato de Schillaci júnior.
«Comecei a jogar no centro desportivo da minha família em Palermo. Temos vários escalões, dos mais pequenos aos maiores. Depois tive uma experiência na Eccellenza [5º escalão], com o Atletico Luceoli Cantiano, uma equipa siciliana, e mais tarde joguei em pequenos clubes da ilha e em dois no norte de Itália.»Em 2015, Mattia ainda apanha o avião para jogar seis meses em Malta, no San Gwann, do segundo escalão. «Tive um percurso pouco importante no futebol, também porque na infância tive alguns problemas de crescimento e musculares.»
Nada que incomode o mundo do Santa Catarina. Nos sintéticos nortenhos, de sábado a sábado, a missão é simples: diversão máxima, vitórias e a terceira parte à mesa com os camaradas de causa.
«Há compromisso, há paixão, a atmosfera é espetacular. Jogamos, jantamos a seguir, até jogamos padel e outros desportos juntos. É um prazer», continua Mattia, antes de se tentar comparar ao pai Totò, um avançado irrepetível na Squadra Azzurra.
«No passado, eu era lateral, de características ofensivas. Nos últimos anos passei a jogar mais no centro, a defesa central ou médio. Jogo onde o mister do Santa Catarina pretender.»
Efeito boomerang, a conversa é atirada para as coisas do Porto e volta sempre a Itália, ano de 1990. Teimosa. Mattia Schillaci fala orgulhoso do pai, peito cheio, o apelido a saltar de confidência em confidência.
«Nasci em 1990, em junho. O meu pai estava a fazer o segundo jogo de Itália no Mundial e eu estava a nascer no hospital», prossegue o filho mais velho de Totò.
Tiffoso da Juventus e do Palermo, Mattia Schillaci surge na base de dados do zerozero através da alcunha, Spillo. A tradução à letra leva-nos a «alfinete», palavra outrora aplicada a outro goleador, Alessandro Altobelli.
«Em Itália, Spillo significa ‘homem baixo’», brinca, envolvido por um cenário de futebol, o enquadramento onde mais à vontade se sente.
Pergunta obrigatória: como é que os colegas ficaram a saber que Spillo é Schillaci, filho do eterno Totò?
«Com as redes sociais é difícil haver privacidade», ri-se Mattia. «O Sérgio [Oliveira] foi dos primeiros a saber. Eu não gosto de dizer quem sou, prefiro que a notícia se espalhe naturalmente.»
Futebol, indústria mecânica, medicina dentária. O percurso de Mattia Schillaci é raro, mas determinado. Em junho de 2024, passará a ser o dr. Schillaci, outra influência familiar.
«Temos uma clínica de medicina dentária em Palermo. A minha namorada também trabalha na área. Eu trabalhava antes na indústria mecânica e foi um desafio grande trocar de vida», assume Mattia, no tradicional gesticular dos italianos.
No futuro, Mattia tem «muitas opções» e tanto pode voltar a Palermo, como mudar-se para Milão ou continuar no Porto. Por agora, quer aproveitar o curso, o futebol no santa Catarina e as visitas dos familiares mais próximos.
«A minha mãe já cá veio visitar-me e agora tenho a minha avó de 85 anos comigo. Vai ficar até ao Natal, é uma cozinheira maravilhosa. Estou a fazer um trabalho com ela na clínica», confidencia ao zerozero, antes de se despedir.
E o pai, Salvatore, quando estará no Porto para abraçar o filho e, talvez, Rui Barros, antigo companheiro de equipa na Juventus?
«Ele estará cá no final do ano, tem de vir visitar-nos. Sei que gosta muito de Portugal. No meu segundo ano ele tinha viagem marcada, mas a covid interrompeu tudo. Depois teve alguns problemas de saúde e a viagem tem sido adiada. Falei com o Rui por mensagem e temos de marcar encontro para conhecer-nos. Quando o meu pai estiver cá, de certeza que vamos jantar fora.»
O conto dos Schillaci, do Itália-90 à cidade do Porto, 33 anos depois. Improvável e belo.