João Costa 4 títulos oficiais |
A despedida em lágrimas do Estádio do Dragão, o 'renascimento' no clube da sua cidade natal, que terminou de forma trágica devido à descida de divisão, e a importância da referência Iker Casillas também estiveram em foco durante a conversa.
Campeão em todos os escalões de formação pelo FC Porto e ainda com um título da Segunda Liga no currículo, João Costa falou sobre o presente e passado sem filtros.
zerozero (ZZ): Estás feliz no Cartagena, mas passaste por um momento delicado antes da mudança para Espanha. Vamos falar sobre isso?
João Costa (JC): Passei um mau bocado. Estive seis meses para recuperar de uma lesão grave e depois mais seis meses sem jogar… Acabei depois por ir para o Gil Vicente e, apesar de fazer jogos a um bom nível, descemos de divisão. É sempre triste, não é a mesma coisa que tinha vivido antes no FC Porto. Estava habituado a ganhar sempre e sair da equipa A do Porto para o Gil Vicente e descer de divisão é um bocado… Custou-me… Ainda por cima no clube da minha cidade. Mas foi uma experiência diferente e que me fez crescer como jogador e pessoa.
ZZ: Foram 380 dias sem competir. Como lidaste com esse processo?
JC: Psicologicamente temos de ser muito fortes. Com 21 anos e um ano sem jogar, estava morto… era isto. Se não fosse forte psicologicamente para dar a volta por cima não tinha a mínima chance… Era mais um jovem com qualidade a ir por água a baixo, porque um ano sem jogar, sair da equipa A do FC Porto para o Gil e descer de divisão… Num ano e meio era terceiro guarda-redes do FC Porto e de repente foi tudo à vida. Sem ter culpa nenhuma. Sem fazer nada de errado. Tive uma lesão e depois fiquei seis meses sem jogar…
ZZ: Muito complicado…
JC: Não dependia de mim… Eu fiz tudo que estava ao meu alcance, percebes? Tive de ser muito forte psicologicamente. Tenho a certeza que a maior parte dos jovens deixavam-se ir abaixo naquele momento. Cresci muito como pessoa e como jogador e foi isso que me deu coragem para abraçar outros desafios.
ZZ: Além da força mental, em que medida é que a família foi importante?
JC: Muito, muito importante! A minha namorada, principalmente, que estava comigo o tempo todo e a minha família. Eles são a base e depois os meus companheiros e treinadores no FC Porto também me ajudaram bastante. Todos. Todos os dias me deram um grande apoio e bons conselhos. Sozinho acredito que teria sido mais difícil.
ZZ: Acabas então por ir para o Gil Vicente. É o renascimento num clube especial?
JC: Sim. Ainda não tinha tido nenhuma ligação ao Gil Vicente, mas é o clube da minha cidade e qualquer jogador gosta de jogar no clube da sua cidade. Posso dizer que já cumpri dois sonhos: jogar no clube do meu coração e no clube da minha cidade. Ir para o Gil foi uma escolha muito ponderada. Podia ter ido para outros clubes, mas escolhi aquele. Para me sentir mesmo em casa e ter de novo a confiança para jogar passado um ano.
ZZ: Passaste 13 anos no FC Porto. Foste campeão em todos os escalões. Como avalias agora à distância este percurso no clube do teu coração?
JC: Só posso olhar com orgulho. Ganhei tudo o que tinha a ganhar. Faltou uma coisa, mas espero voltar um dia para a conquistar, que é a primeira divisão. Infelizmente tive de optar por outro caminho. Olhei para a minha carreira e não olhei para o percurso porque se olhasse para o percurso tinha ficado lá mais seis meses e era campeão, certamente. Mas olho com orgulho. Mais não posso dizer. Orgulho e sentimento de dever cumprido. Melhor formação era impossível. Devo muito ao FC Porto, pois foram eles que fizeram o que sou hoje.
ZZ: E foi difícil deixar o FC Porto…
JC: Claro que custou… Custou mesmo muito. Lembro-me que no último dia no FC Porto saí do Estádio do Dragão a chorar… [pausa] Juro que é verdade. Saí a olhar para o estádio a chorar… São 13 anos, estava arrepiado... Tirei uma fotografia à entrada para o relvado e a dizer 'até já'... Não me sentia preparado para deixar o FC Porto, sabes? Foram muitos anos. Foi um choque para mim…
ZZ: A tua vida foi praticamente vivida toda lá…
JC: Foi… Mas eu sabia que tinha de sair. Se ficasse ia prejudicar a minha carreira. Tive de olhar mais para mim e não tanto para o clube. Mas até lá não tinha sido assim. Se calhar se tivesse pensado de maneira diferente antes, a minha carreira poderia ter levado outro rumo… Mas pronto, foi um orgulho e espero um dia voltar. É o clube do meu coração e o que toda a gente ambiciona é voltar ao clube do coração.
ZZ: É inevitável falarmos do Iker Casillas. Uma referência que passou a ser teu companheiro de equipa. Como foi?
JC: Sem dúvida. O meu ídolo era o Vítor Baía. Ele acaba a carreira quando começo a ter mais noção das coisas e então passei a ter outras duas referências. O guarda-redes do meu clube e o melhor guarda-redes do mundo na altura: Helton e Casillas. Posso dizer que tive o prazer e o orgulho de poder trabalhar com os dois e posso também dizer que são as duas melhores pessoas com quem trabalhei no futebol e que me ensinaram muitas coisas.
ZZ: O Iker foi também muito importante na fase mais complicado, não foi?
JC: Ele e os outros colegas. O [José] Sá e o Vaná. Acompanharam-me e deram-me muita força. Já tiveram a minha idade e sabiam da importância de continuar o crescimento e deram-me um apoio brutal. Agradeço-lhes muito. Acho que se não fossem umas grandes pessoas não teria sido tao fácil.
ZZ: E depois há a questão da zona de conforto. Era difícil sair dela depois desse momento?
JC: Pois… És portista, estás a cumprir um sonho, mas havia dias em que eram apenas isso: dias… É muito difícil. Um ano sem jogar. Estava a passar um mau bocado e estava no limite. Sem eles tinha sido ainda mais difícil… E um conselho do Iker é o melhor que podemos ouvir.
ZZ: E em relação a sonhos. A Seleção A faz parte dessa lista?
JC: Sem dúvida. Felizmente já cumpri esse sonho de jogar por Portugal nas camadas jovens e tenho um sonho de jogar na seleção A.
Parte I - João Costa encantado em Cartagena: «Sinto-me em casa e as pessoas adoram-me»