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    Prater: tanta história num calcanhar

    Texto por João Pedro Silveira
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    Assistiu a seis finais de competições europeias, uma final de um Campeonato da Europa, foi prisão de judeus na II Guerra mundial, nasceu num dos mais famosos parques da Europa e foi palco de provas de atletismo, futebol americano e até natação. É conhecido pela sua beleza e é um dos míticos palcos do futebol europeu. Na Áustria e no resto do mundo, é sinónimo de cultura, tradição e elegância. Em Portugal, Prater é sinónimo de calcanhar...

    De coutada real a palco da valsa

    Corria o dia 7 de abril de 1766, quando o imperador José II declarou o Prater uma zona livre para entretenimento público, através de um decreto que permitia o estabelecimento de cafés e locais de recreação, que estariam na génese do Wirstelprater, o parque de atrações que ainda hoje se encontra no afamado parque vienense. Este decreto punha fim a uma longa interdição, que transformara em tempos os bosques a norte nas margens do Danúbio, junto à Donauinsel - a Ilha do Danúbio - numa coutada da família real. 

    Na Viena oitocentista o Prater tornou-se o palco predilecto dos passeios da nobreza e das boas famílias da capital.
     
    Na segunda metade do século XVIII, enquanto Viena se encantava com era dourada dos seus compositores, quando Mozart, Haydn e mais tarde Beethoven, enchiam as salas de concerto da cidade, a urbe espraiava-se para as margens do rio, e as nobres famílias da cidade descobriam o gosto pela natureza, e pelos passeios no Prater.
     
    Durante o século XIX, ao hábito do passeio pelo parque, juntaram-se os concertos habituais e a explosão da valsa como paixão nacional. Eram os tempos do «Danúbio Azul» e dos Strauss pai e filho. A alta sociedade vienense acorria em massa aos Chás-dançantes, concertos nos cafés do parque, surgiam os rudimentos do parque de divisões, o Prater tornava-se o coração da cidade, e mais se tornou, depois de ser o centro da Exposição Universal de Viena (1873). 
     
    Um passeio pelo Prater não fica completo sem uma passagem pelo Wirstelprater, o famoso parque de diversões, de onde se destaca a Riesenrad, a roda gigante, um simbolo vienense por excelência.
     
    O palco do Wunderteam
     
    Nascia então a Rotunde, desaparecida na sequência de um incêndio nos anos 30 do século passado, surgia também a célebre roda, a Riesenrad (1897), e já no século XX, em 1927, era aceite o projeto de construção do Praterstadion, da autoria de Otto Ernst Schweizer, com vista a realização das Olímpiadas dos trabalhadores, que se realizavam em Viena em 1931. A primeira pedra seria colocada em novembro de 1928, e a abertura do majestoso anfiteatro de 60 mil lugares, teria lugar a 11 de julho de 1931.
     
    Ernst-Happel (à esquerda na imagem, num jogo com a Inglaterra), o jogador e mais tarde treinador, que por homenagem póstuma, dá nome ao velho Estádio do Prater.
     
    Apesar de ser construído para receber provas de atletismo, a verdade, é que o futebol rapidamente roubaria a primazia ao Atletismo no Prater. O «Desporto Rei» ganhara uma nova dimensão durante os anos vinte, o grandioso estádio ajudaria a consolidar o despertar de uma nova geração, o Wunderteam, o projeto de Hugo Meisl, a era gloriosa do «pontapé na bola» austríaco. 
     
    O Prater seria palco de algumas das grandes exibições de Sindelar e companhia, da famosa goleada sobre a Escócia, da vitória sobre os ingleses. No seu impecável relvado a Áustria ascendeu ao papel de potência número um do futebol europeu, enquanto no futebol interno, Rapid e Austria digladiavam-se em dérbis que atraíam multidões.
     
    1938 foi o ano do Anschluss, ano em que a Alemanha nazi anexava a Áustria e a pequena república alpina se reduzia à mera condição de província alemã. Para comemorar a anexação, os alemães organizaram um jogo no Prater, entre alemães e austríacos: o Anschlussspiel. Os austríacos venceriam por 2x0, com Matthias Sindelar a provocar abertamente as autoridades nazis que se encontravam no estádio, festejando com desdém a superioridade austríaca.
     
    A anexação da Áustria pelo III Reich, a II Guerra Mundial, trariam ao Prater o seu lado mais sombrio, com as suas instalações a serem usadas como local de detenção de judeus, que mais tarde seriam enviados para campos de concentração. Contudo o futebol nunca parou, e os clubes de Viena, que agora disputavam o Campeonato da Alemanha, continuaram a usar regularmente o Prater. Em 1944, o estádio ficaria seriamente afetado durante um bombardeamento, e só seria recuperado depois do fim da guerra. 
     
    Um palco europeu
     
    Com o fim do conflito, a independência e a consequente neutralidade austríaca, Viena voltou abrir-se ao mundo, recebendo eventos e competições desportivas. O Prater, que fora reconstruído ainda no fim da década de quarenta, recebeu melhoramentos em 1956, num projeto de Theodor Schull, que resultou no aumento da lotação para 92,708 espetadores. 
     
    1931: dias antes da inauguração para as Olímpiadas dos Trabalhadores.
     
    Após o nascimento da Taça dos Campeões Europeus, foi palco de algumas noites mágicas do Rapid, com vitórias gloriosas sobre o Real de Madrid (3x1) e AC Milan (5x2). Em ambas eliminatórias, seria afastado no jogo de desempate. Em 1964 foi palco de uma final da Taça dos Campeões pela primeira vez, com a vitória do Inter sobre o Real de Madrid (3x1). Seis anos depois, foi a vez do Manchester City conquistar a Taça das Taças, batendo os polacos do Górnik Zabrze. 
     
    Em 1992, após a morte de Erns Happel, o grande treinador austríaco, o estádio mudou de nome, passando a ser oficialmente denominado por Ernst-Happel Stadion, nunca deixando de ser o velhinho Prater, para os amantes do futebol.
     
    Palco dos jogos da Das Team, do Rapid e do Austria, o Ernst-Happel também seria a casa emprestada do Casino Salzburgo, na final da Taça UEFA em 1994, um ano antes de receber a final da Liga dos Campeões em que o Ajax de van Gaal se coorou Rei da Europa.
     
    As glórias (e algumas tristezas) portuguesas
     
    Mas o Ernst-Happel, aliás o Prater, há-de sempre ser lembrado em Portugal, como o Estádio onde Madjer apontou o calcanhar que ajudou o FC Porto a subir ao topo da Europa, nessa noite mágica de 27 de maio de 1987. Era a grande valsa azul-e-branca, a noite mágica de Futre, Madjer, Juary, o Danúbio nunca fora tão azul...

    Mas não só de azul-e-branco se pintou o verde do Prater. A vermelho vivo, foi também pintado o palco vienense, a 4 de maio de 1961, noite em que o Benfica se qualificou para a sua primeira final da Taça dos Campeões, num empate que deu mosquitos por corda, pancadaria e uma evacuação da comitiva benfiquista, guardada por polícias e forças do exército. Era o lado mais negro do Prater...

    Rahbat Madjer marca o mais famoso golo da história do FC Porto e por certo o mais lembrado golo português no Prater.


    Anos mais tarde, a 23 de maio de 1991, o anfiteatro vienense não foi sinónimo de sucesso, quando o Benfica perdeu a final da Taça dos Campeões, por culpa do golo solitário de Frank Rijkaard.

    Era a maldição de Guttmann que continuava, mesmo depois de Eusébio ter visitado o cemitério judeu, rezando na campa do treinador húngaro, pedindo aos deuses para chegar o fim da maldição. Alguns anos mais tarde, seria a vez do Sporting sair vergado a um pesado 4x0, após prolongamento, numa eliminatória da já extinta Taça dos Vencedores das Taças.

    Doze anos passados, o Benfica voltaria ao Ernst-Happel para empatar com o Austria Viena. O resultado não faria história, mas Nuno Gomes fez questão de ficar recordado,imitando Madjer, marcando um golo de calcanhar na mesma baliza, fazendo reviver por momentos a magia portuguesa, dezanove anos depois, no mais celebrado dos palcos vienenses, com a devida permissão da Wiener Staatsoper, a Ópera Vienense, a «catedral» da música erudita, meca de outros «campeonatos».

    Mais Portugal

    Muitos anos antes, ainda a Áustria recuperava dos horrores da II Guerra, e a seleção nacional portuguesa visitava o Prater pela primeira vez. Era o dia 27 de setembro de 1953, data que marca com letras negras, um dos mais afamados desastres da história do futebol nacional. Em jogo de qualificação para o mundial da Suíça (1954), a Áustria humilhou Portugal com um surreal 9x1.

    A vingança lusitana demorou e só chegaria em 1978, Portugal surpreendeu a Europa, vencendo no Prater por 1x2, num dos mais históricos resultados da seleção de todos nós de todos os tempos, batendo uma Áustria que contava com Prohaska e Krankl. 

    A 11 de outubro de 1995, a última visita da seleção, num empate a uma bola, com um golo de classe do portista Paulinho , num jogo que ficaria mais famoso pelas polémicas palavras de António Oliveira, captadas durante o jogo, em que o treinador qualificava os austríacos como nazis. Polémicas à parte, o empate seria um passo decisivo na qualificação dos lusos para a fase final do Euro 96, com a Áustria a ficar pelo caminho, atrás de portugueses e irlandeses.

    Euro 2008

    Curiosamente, a Áustria só se qualificaria para uma fase final do europeu, quando juntamente com a Suíça, organizou a fase final do certame. O estatuto de anfitriã não lhe garantiu grande sucesso, e depois da derrota com a Croácia no jogo de estreia, acabou por empatar com a Polónia, adiando tudo para o último encontro, onde uma derrota com a vizinha Alemanha, ditou o afastamento prematuro da prova. 

    «Österreich! Österreich!» Tal como em 1938, durante o Euro 2008, as bancadas do Prater encheram-se de adeptos cheios de fervor nacionlista, incondicionais no apoio à sua Áustria.

     

    A Alemanha chegaria à grande final, com a Espanha, perdendo por um golo, autoria de Fernando el Niño Torres. Quarenta e quatro anos depois, a Espanha voltava a conquistar o Campeonato da Europa, e o velhinho Prater tornava-se histórico também para os nossos vizinhos ibéricos. 

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