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    Taça de Portugal 1969
    História

    A Crise Estudantil de 1969 e a final da Taça

    Texto por João Pedro Silveira
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    Em Coimbra ninguém esquece o ano de 1969, o ano da «crise académica», quando os estudantes da Universidade de Coimbra (UC) afrontaram o regime, clamando por mais direitos, democracia e melhor ensino. Portugal era um país muito diferente nesses tempos. Após mais de 40 anos de ditadura, Salazar tinha caído da cadeira a 3 de agosto de 1968, abrindo espaço para a renovação do «Estado Novo». 

    Surgira então em cena Marcello Caetano, um emérito jurisconsulto, professor universitário e delfim do regime de Salazar. Com ele iniciara-se a promissora «Primavera Marcelista», que prometia uma lufada de ar fresco na conservadora sociedade portuguesa de então.
     
    Primavera Marcelista
     
    O Portugal de Salazar era um país «amordaçado», atrasado económica e industrialmente, isolado da Europa e fechado para o mundo, militantemente envolvido numa longa e desgastante guerra colonial que decorria sem solução aparente, em três teatros de operações distintos do continente africano: Angola, Moçambique e Guiné (Bissau). 
     
    A chegada de Marcello ao poder, rodeando-se de tecnocratas e tentando captar os jovens liberais e democratas para o regime, abria a esperança de que Portugal poderia trilhar o caminho das outras nações da Europa Ocidental.
     
    No âmbito dessa modernização e democratização do ensino, a Universidade de Coimbra aceitara no ano anterior a realização de eleições para a Associação Académica de Coimbra (AAC).
     
    A direção democraticamente eleita com 75 por cento dos votos seria convidada para a 17 de abril de 1969 estar presente na inauguração do edifício de Matemáticas da UC. 
     
    O espoletar da crise estudantil
     
    Alberto Martins dirige-se a Américo Thomaz pedindo autorização para falar em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra
    Nessa manhã, em frente ao edifício que seria inaugurado, milhares de estudantes (acompanhados de populares) mostravam cartazes com palavras de ordem como «Ensino para todos» e «Estudantes no Governo da Universidade». Lá dentro, os altos dignitários inauguravam o edifício com uma cerimónia solene, onde participaram o Reitor e o Ministro da Educação, até que a dado momento, Alberto Martins, Presidente da AAC pede a palavra ao Presidente da República, com uma pergunta que calou a sala: 
     
    «Sua Ex.ª, Senhor Presidente da República, dá-me licença que use da palavra nesta cerimónia em nome dos estudantes da Universidade de Coimbra?» 
     
    Após alguns minutos de ponderação, e de um silêncio ensurdecedor, a palavra foi-lhe negada e a cerimónia termina abruptamente. Ainda nessa noite, Alberto Martins seria detido à porta da AAC. Mais tarde, centenas de estudantes seriam alvo de uma carga policial em frente da sede da PIDE, onde se haviam reunido para prestar solidariedade para com o seu colega.
     
    Foram dias muito agitados, com os estudantes a usarem as mais variadas formas de luta, reunindo-se em Assembleia Magna, onde decretaram o luto académico, em resposta ao endurecimento de posições do governo.
     
    Encerramento da Universidade e «luto académico»
     
    A 1 de maio o Ministério da Educação ordena o encerramento da Universidade e a suspensão das aulas até à época de exames. Dias depois a Assembleia de Estudantes Grelados cancelava a realização da «Queima das Fitas» como forma de protesto para com a situação de opressão do movimento académico. No dia 28, seis mil estudantes votam a favor da greve aos exames que se iniciavam a 2 de junho, provocando uma enorme dor de cabeça às autoridades. 
     
    A 2 de junho a cidade acorda ocupada pela GNR e outras forças policiais. Milhares de efetivos da Guarda e da Polícia, além de inúmeros «PIDES» à paisana patrulham as ruas da cidade, ocupam pontos nevrálgicos e impedem qualquer aglomeração nas ruas e praças de Coimbra, com a forte presença de batalhões a cavalo e de jipes preparados para enfrentar motins.
     
    Os estudantes reagiram no dia seguinte, distribuindo flores pela população local e tentando demover os «traidores» (fura-greves) de marcarem presença nos exames.
    A equipa de futebol da AAC já se associara ao movimento, mas seria a 8 de Junho, que ao deslocar-se a Lisboa para defrontar o Sporting em Alvalade em jogo a contar para as meias-finais que equipa entrou no relvado equipada toda de branco e com braçadeiras negras, em sinal de luto académico. A vitória por 1x2 deixou os estudantes a um passo da final e as autoridades muito preocupadas...
    Dias depois, em Coimbra, no velhinho Calhabé - completamente cheio - os estudantes, como forma de protesto, colocaram uma fita adesiva sobre o símbolo da AAC, enquanto nas bancadas, os cartazes pedem «Democratização do ensino» e «Ensino para todos».
    Os estudantes venceram por 1x0 e garantem a presença na final da Taça em Lisboa, onde iam defrontar o Benfica.
    A luta entretanto prosseguira no dia 14 de Junho, com a cidade a ser inundada com balões com frases revolucionárias que contestavam não só a situação académica mas o próprio regime.
    A marcha dos estudantes afluiu até à Praça da Portagem onde se misturam com a população local.
     E quando a Polícia se preparava para carregar sobre os estudantes, os balões foram largados e os populares e os estudantes confraternizaram, provocando um dilema nas forças de autoridade que não sabiam sobre quem carregar.
    Os estudantes reagiram no dia seguinte, distribuindo flores pela população local e tentando demover os «traidores» (fura-greves) de marcarem presença nos exames.
     
    E o Sporting é a primeira vítima da luta académica
     
    A equipa de futebol da AAC já se associara ao movimento mas seria a 8 de junho, ao deslocar-se a Lisboa para defrontar o Sporting em Alvalade em jogo a contar para as meias-finais da Taça, que a equipa entrou no relvado vestida toda de branco e com braçadeiras negras, em sinal de luto académico. A vitória por 1x2 deixou os estudantes a um passo da final e as autoridades muito preocupadas...
     
    Contra o Sporting, na segunda mão das meias-finais, surgem os primeiros cartazes que contestam as políticas do governo
    Dias depois, em Coimbra, no velhinho «Calhabé» - completamente cheio - os estudantes, como forma de protesto, colocaram uma fita adesiva sobre o símbolo da AAC, enquanto nas bancadas os cartazes pedem «Democratização do ensino» e «Ensino para todos». Os estudantes venceram por 1x0 e garantiram a presença na final da Taça em Lisboa, onde iam defrontar o Benfica.
     
    A luta entretanto prosseguira no dia 14 de junho com a cidade a ser inundada com balões com frases revolucionárias que contestavam não só a situação académica mas o próprio Regime. A marcha dos estudantes afluiu até à Praça da Portagem onde se mistura com a população local. Quando a Polícia se preparava para carregar sobre os estudantes os balões foram largados e os populares e os estudantes confraternizaram, provocando um dilema nas forças de autoridade que não sabiam sobre quem carregar.
     
    O dia da grande final
     
    Na final da Taça de Portugal o Regime mostrava claros sinais de preocupação. Temia-se que a final fosse utilizada como palco de uma gigantesca manifestação contra o regime. Ponderou-se a não realização do jogo, pensou-se adiar o encontro, mudar o local da final. 
     
    Obrigados a jogar de negro, os jogadores da Académica apresentaram-se no Jamor com a capa aos ombros
    Várias foram as soluções apresentadas. Entre elas estava a obrigação de o Sporting ficar de prevenção, caso se confirmasse uma temida ausência da Académica em Lisboa. O Ministro da Educação informou a direção dos leões que poderiam ser chamados a jogar a final com o Benfica e assim o Sporting entrou num dos «pré-estágios» mais surreais da sua história.
     
    Do Presidente da República ao Presidente do Conselho, passando pelo Ministro da Educação, todas as altas figuras do Estado não marcaram presença no Jamor. A tribuna de honra encontrava-se estranhamente deserta, em contraste com as bancadas que estavam à «pinha». Por sua vez a RTP, pela primeira vez desde que iniciara transmissões da Taça, não transmitia a final e as bancadas estavam infiltradas por centenas de agentes da PIDE, enquanto a FPF informava a Académica que o clube estava impedido de atuar de branco ou com qualquer forma visível de luto.
     
    Contudo, os estudantes encontraram forma de contornar a situação e passar a palavra de contestação ao regime, criando uma primeira mini-manifestação de apoio à Academia na chegada à Estação de Santa Apolónia. Em Coimbra tinham ficado o treinador suspenso e mais alguns dirigentes, enquanto Artur Jorge, a estrela da equipa, se vira impedido de jogar a final, obrigado a prestar serviço militar. 
     
    Cartazes e Eusébio
     
    Mais tarde, nas imediações do Estádio Nacional, 35 mil comunicados foram distribuídos aos espetadores, com o objetivo de expor as razões da luta estudantil. 
    O jogo começou e foi decorrendo com uma estranha acalmia, dentro e fora do relvado. Contudo, tudo mudaria após o intervalo, quando os estudantes levantaram os cartazes e o resto do estádio finalmente percebeu que estava num comício contra o Regime.
     
    Palavras de ordem surgiram nas bancadas para todos lerem: «Melhor ensino, menos polícias», «Estão 36 estudantes presos», «Estudantes Unidos por Coimbra», «Universidade Livre».
     
    O «zum zum» que vinha das bancadas chegava ao relvado. Dentro e fora do campo a nação benfiquista acordava para a situação. Muitos adeptos encarnados, e inclusive jogadores, afirmaram mais tarde que esta teria sido a derrota mais saborosa do Benfica. Membros da oposição esperavam ardentemente pela vitória dos estudantes, cientes do significado político de tal resultado. E tudo parecia estar bem encaminhado quando Manuel António fez o 0x1 para a Académica a nove minutos do fim. Quatro minutos depois António Simões repôs a igualdade e obrigou a prolongamento.
     
    Os cartazes levantados, os panfletos largados, tornaram a final da Taça de Portugal no maior comício de sempre contra a Ditadura
    No tempo extra, os academistas perderam o ritmo e o Benfica, através do inevitável Eusébio, marcou o segundo golo e deitou por terra o sonho dos estudantes. No campo a Académica perdera, mas fora dele, o resultado seria diferente...
     
    Pouco tempo depois, José Hermano Saraiva seria substituído por Veiga Simão à frente da pasta da Educação. O novo ministro nomearia Gouveia Monteiro como o novo reitor, tentando recuperar o «coração» dos estudantes. 
     
    A crise continuaria até setembro, com greves e contestação, marcando o fim das ilusões - se é que as havia - sobre a «Primavera Marcelista». A crise estudantil, juntamente com a continuação da Guerra Colonial e a renúncia da ala liberal ao Marcelismo obrigaram o Governo a endurecer as medidas, dissipando as dúvidas sobre a «democratização» do Estado Novo. O regime entrava então nos seus últimos dias, mas só daria o seu último estertor nas primeiras horas da madrugada do 25 de abril de 1974.

    Comentários

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    motivo:
    TO
    hadeskabir
    2016-04-11 21h39m por tolinhas81
    és uma palhaço!
    TO
    hadeskabir
    2016-04-11 21h38m por tolinhas81
    tá explícito k és uma besta!
    LU
    Foi pena
    2015-06-29 15h03m por Lufegu
    Ainda hoje o António Simões deve estar arrependido de ter marcado aquele golo.
    Decerto iria antecipar em muito tempo o 25 de Abril de 1974.
    Estudantes
    2014-11-02 04h05m por ImaginaPT
    Estes sim, são os verdadeiros estudantes da UC. Não aqueles que hoje "estudam", mas aqueles que realmente fizeram algo por este país e que serviram Portugal quando o país mais precisou deles. Pena que o álcool e as noitadas tenham derrotado o movimento estudantil.
    HA
    ta explicito
    2013-12-31 00h58m por hadeskabir
    quem sao os dois clubes do velho regime
    História e Futebol
    2012-05-19 17h27m por luis_silva0027
    Esta publicação é espetacular muita história e futebol à mistura adorei ler isto os tempos que era antigamente e o que é atualmente. . . De valor mesmo sou sincero liguei mais à história propriamente que ao futebol. . . E eu sou fanático por futebol conseguiram-me pregar a ler tudinho quando muitos vêm um texto tão grande ou falar de história sobre o país abrem e passam para outros publicações ou noticias a mim chamaram-me à atenção gostei muito parabéns. . . Zerozero está um texto fantástico.
    KL
    sim senhor!
    2012-05-19 14h03m por klixx
    O meu tio tinha me faldo desta grande final e o luto dos estudantes, foi comovente todos queriam que academica ganha-se. . .
    Estes artigos valem muito!
    KL
    sim senhor!
    2012-05-19 14h01m por klixx
    Artigos assim valem bem a pena ler! o meu tinha me falado desta final e o luto dos estudantes!
    . . .
    2012-05-18 18h30m por DragonPT
    lol 69

    ok. . . isto foi muito imaturo
    RI
    Parabéns
    2012-05-18 18h14m por rivisian
    Parabéns ZZ. Belo texto.
    jogos históricos
    U Domingo, 22 Junho 1969 - 00:00
    Estádio Nacional do Jamor
    Ismael Baltazar
    2-1
    a.p.
    António Simões 85'
    Eusébio 109'
    Manuel António 81'
    Estádio
    Estádio Nacional do Jamor
    Lotação37593
    Medidas105x68
    Inauguração1944