Os estudantes reagiram no dia seguinte, distribuindo flores pela população local e tentando demover os «traidores» (fura-greves) de marcarem presença nos exames.
Contra o Sporting, na segunda mão das meias-finais, surgem os primeiros cartazes que contestam as políticas do governo
Dias depois, em Coimbra, no velhinho «
Calhabé» - completamente cheio - os estudantes, como forma de protesto, colocaram uma fita adesiva sobre o símbolo da AAC, enquanto nas bancadas os cartazes pedem «
Democratização do ensino» e «
Ensino para todos». Os estudantes venceram por 1x0 e garantiram a presença na final da Taça em Lisboa, onde iam defrontar o
Benfica.
A luta entretanto prosseguira no dia 14 de junho com a cidade a ser inundada com balões com frases revolucionárias que contestavam não só a situação académica mas o próprio Regime. A marcha dos estudantes afluiu até à Praça da Portagem onde se mistura com a população local. Quando a Polícia se preparava para carregar sobre os estudantes os balões foram largados e os populares e os estudantes confraternizaram, provocando um dilema nas forças de autoridade que não sabiam sobre quem carregar.
Na final da Taça de
Portugal o Regime mostrava claros sinais de preocupação. Temia-se que a final fosse utilizada como palco de uma gigantesca manifestação contra o regime. Ponderou-se a não realização do jogo, pensou-se adiar o encontro, mudar o local da final.
Obrigados a jogar de negro, os jogadores da Académica apresentaram-se no Jamor com a capa aos ombros
Várias foram as soluções apresentadas. Entre elas estava a obrigação de o
Sporting ficar de prevenção, caso se confirmasse uma temida ausência da Académica em Lisboa. O Ministro da Educação informou a direção dos leões que poderiam ser chamados a jogar a final com o
Benfica e assim o
Sporting entrou num dos «pré-estágios» mais surreais da sua história.
Do Presidente da República ao Presidente do Conselho, passando pelo Ministro da Educação, todas as altas figuras do Estado não marcaram presença no Jamor. A tribuna de honra encontrava-se estranhamente deserta, em contraste com as bancadas que estavam à «pinha». Por sua vez a RTP, pela primeira vez desde que iniciara transmissões da Taça, não transmitia a final e as bancadas estavam infiltradas por centenas de agentes da PIDE, enquanto a FPF informava a Académica que o clube estava impedido de atuar de branco ou com qualquer forma visível de luto.
Contudo, os estudantes encontraram forma de contornar a situação e passar a palavra de contestação ao regime, criando uma primeira mini-manifestação de apoio à Academia na chegada à Estação de Santa Apolónia. Em Coimbra tinham ficado o treinador suspenso e mais alguns dirigentes, enquanto Artur Jorge, a estrela da equipa, se vira impedido de jogar a final, obrigado a prestar serviço militar.
Cartazes e Eusébio
Mais tarde, nas imediações do Estádio Nacional, 35 mil comunicados foram distribuídos aos espetadores, com o objetivo de expor as razões da luta estudantil.
O jogo começou e foi decorrendo com uma estranha acalmia, dentro e fora do relvado. Contudo, tudo mudaria após o intervalo, quando os estudantes levantaram os cartazes e o resto do estádio finalmente percebeu que estava num comício contra o Regime.
Palavras de ordem surgiram nas bancadas para todos lerem: «Melhor ensino, menos polícias», «Estão 36 estudantes presos», «Estudantes Unidos por Coimbra», «Universidade Livre».
O «
zum zum» que vinha das bancadas chegava ao relvado. Dentro e fora do campo a nação benfiquista acordava para a situação. Muitos adeptos encarnados, e inclusive jogadores, afirmaram mais tarde que esta teria sido a derrota mais saborosa do
Benfica. Membros da oposição esperavam ardentemente pela vitória dos estudantes, cientes do significado político de tal resultado. E tudo parecia estar bem encaminhado quando Manuel António fez o 0x1 para a Académica a nove minutos do fim. Quatro minutos depois António Simões repôs a igualdade e obrigou a prolongamento.
Os cartazes levantados, os panfletos largados, tornaram a final da Taça de Portugal no maior comício de sempre contra a Ditadura
No tempo extra, os academistas perderam o ritmo e o
Benfica, através do inevitável Eusébio, marcou o segundo golo e deitou por terra o sonho dos estudantes. No campo a Académica perdera, mas fora dele, o resultado seria diferente...
Pouco tempo depois, José Hermano Saraiva seria substituído por Veiga Simão à frente da pasta da Educação. O novo ministro nomearia Gouveia Monteiro como o novo reitor, tentando recuperar o «coração» dos estudantes.
A crise continuaria até setembro, com greves e contestação, marcando o fim das ilusões - se é que as havia - sobre a «Primavera Marcelista». A
crise estudantil, juntamente com a continuação da Guerra Colonial e a renúncia da ala liberal ao Marcelismo obrigaram o Governo a endurecer as medidas, dissipando as dúvidas sobre a «democratização» do Estado Novo. O regime entrava então nos seus últimos dias, mas só daria o seu último estertor nas primeiras horas da madrugada do 25 de abril de 1974.