placardpt
    História
    Clubes

    Panionios

    Texto por João Pedro Silveira
    l0
    E0

    Sabia que o primeiro clube de futebol grego nasceu na atual Turquia? Muitos, por certo, não sabem, mas foi em Izmir (Esmirna), na Jónia, na atual Turquia, que nasceu o mais antigo clube de futebol grego. Tudo aconteceu em 1890, mas para se compreender melhor o porquê de um clube grego nascer na Turquia, é preciso recuar um pouco no tempo...

    Comunidades gregas no Império Otomano
     
    Soldados gregos entram na cidade de Esmirna (Izmir em turco) e são saudados pela comunidade grega
     A rivalidade e a tensão greco-turca têm muitas histórias e muitos antecedentes, mas em nenhum período da história essa tensão foi tão exacerbada como durante o conflito que opôs gregos e turcos no rescaldo da I Guerra Mundial.
    É graças ao conflito de 1919-22 que as relações greco-turcas são ainda tão tensas em pleno século XXI, mesmo sendo os dois países aliados e membros de pleno direito da NATO.
     
    Durante séculos, depois da queda de Constantinopla e do fim do Império Bizantino, a Grécia fizera parte do Império Otomano.  A população grega dos Balcãs e da Ásia Menor viveu sobre domínio do Sultão até ao início do século passado, preservando a sua cultura, professando o cristianismo ortodoxo em total liberdade.
    A histórica região da Jónia foi um dos berços da civilização clássica grega. Habitada desde tempos imemoriais por povos de língua grega, a Jónia era efetivamente parte da Helade [o conjunto do mundo grego], a tal ponto que a palavra árabe e persa para Grécia é Younan - uma corruptela de Ionia. 
     
    Gerações e gerações de gregos viveram debaixo do jugo da Sublime Porta em amena convivência, com turcos, judeus, arménios, árabes, mesmo depois de em 1830 a Grécia tornar-se independente do Império Otomano.
     
    Mais de um milhão de gregos decidiram continuar a viver em cidades tão importantes do Império Otomano como Constantinopla, Salónica ou Esmirna (Izmir), onde o grego era falado por uma grande fatia da população, como atestam os censos de 1910 que indicam que existiam perto de 2 milhões de gregos no Império. 
     
    Os gregos dispunham de total liberdade de culto e os Rums (como eram conhecidos os gregos nessas paragens) falavam grego nas ruas e nos seus negócios, pois muitos deles não sabiam uma palavra de turco sequer e não tinham a menor necessidade de aprender a língua.
     
    Nasce o Mousikó kai Gymnastió Syllogo "Orfeus"
     
    Pintura grega ilustrando a Batalha de Sakarya
     A comunidade grega nas grandes cidades como Constantinopla, Salónica, Esmirna ou Bursa era muito instruída e aberta a influências ocidentais, ocupando funções de destaque na sociedade e no Império. Foi numa dessas cidades profundamente “helenizadas” que surgiu o protagonista da nossa história.
     
    Em Esmirna, no ano de 1890, no seio da pujante comunidade grega e do movimento pan-helénico, surgiu o Mousikό kai Gymnastikό Syllogo "Orfeus"  [clube músical e desportivo “orfeus”], clube votado ao desenvolvimento da cultura, música e tradições gregas, sem descurar a prática desportiva.
     
    Três anos mais tarde, membros desse clube fundaram o Athlitikό Syllogo "Gymnàsion", totalmente devotado à prática desportiva, muito por influência dos valores vitorianos importados de Inglaterra e da Europa Ocidental.
     
    Em 1898, o "Orfeus" e o "Gymnàsion" fundiram-se para dar lugar ao Panionios Gymnastikos Syllogos Smyrnis, o primeiro clube de futebol grego.
    O nome Panionios singnificava pan-jónico e fazia parte da agenda política pan-helénica dos fundadores do clube, que advogavam a ideia de reunir a Grécia, as Ilhas do Mar Egeu e a Ásia Menor debaixo de um mesmo estado.
     
    Mas como é que o primeiro clube de futebol grego nasce na Turquia? E fundado por nacionalistas gregos? É aqui que entra a roda da história em ação...
     
    Os jovens turcos e a I Guerra Mundial
     
    Os turcos reconquistaram Izmir, provocando grande destruição e a fuga em massa dos gregos
     No final do século XIX, após um período de declínio acentuado do Império: perda de Chipre e Egipto para os ingleses, independência dos países balcânicos: Sérvia, Roménia, Bulgária, Montenegro... O movimento dos jovens turcos resolveu reagir contra o declínio, tentando entre várias medidas “turquificar” o Império, rejeitando os estrangeirismos e provocando a reação nas diversas minorias, entre elas a grega, que tinha visto o até então adormecido nacionalismo grego ganhar um novo alento, muito particularmente depois de Salónica ser incorporada na “Mãe Grécia", em 1912.
     
    Durante a I Guerra Mundial, os jovens turcos forçaram o Sultão a alinhar juntamente com as Potências Centrais [n.d.r. Alemanha, Áustria] contra os aliados ocidentais, na esperança que o Império recuperasse alguns dos territórios perdidos no Norte de África e Balcãs.
    Com a entrada da Grécia na guerra ao lado de ingleses e franceses, a tensão entre as duas comunidades foi crescendo, havendo relatos de atrocidades cometidas contra gregos um pouco por todo o império.
     
    A Guerra de 1919-22 e a mudança para Nova Esmirna
     
    650 mil refugiados gregos encontraram uma nova casa em Nova Esmirna, um bairro criado propositadamente nos arredores de Atenas, para recebe-los
     Seria, contudo, somente apenas após o final da I Guerra Mundial que a Grécia – apoiada nas promessas franco-inglesas de novos territórios - invadiu a Turquia, tentando “reconquistar” os territórios de população grega que faziam parte da Grécia clássica.
     
    Os revolucionários turcos que tinham visto o seu país perder territórios para ingleses, franceses, italianos e russos lançaram-se na defesa do “coração” turco da Anatólia e margens do Egeu e reagiram contra a invasão.
     
    O conflito sorriu aos gregos durante os dois primeiros anos, mas perante a força do contra-ataque turco as recentes conquistas gregas desmoronaram-se como um castelo de cartas.
    O Tratado de Lausana “forçou” as atuais fronteiras e iniciou-se o processo de transferência de populações tanto da Grécia para a Turquia como o inverso. 500 000 muçulmanos turcos saíram da Grécia por troca com 1 500 000 gregos da Anatólia e cristãos ortodoxos arménios.
     
    Entre esse milhar e meio de pessoas estava a comunidade grega de Esmirna (cerca de 650 000 habitantes), que foi transferida na sua maioria para Nea Smyrna (Nova Esmirna), nos arredores de Atenas.
     
    Escapando à guerra, os sobreviventes do conflito e do grande incêndio que devastou Esmirna em 1922 levaram consigo todas as suas tradições familiares, culturais e gastronómicas e não esqueceram o seu Panionios que se mudou de armas e bagagens para Nea Smyrna e aí ganhou raízes.
     
    O Estádio Nova Esmirna em Atenas é a casa do Panionios. Os seus adeptos encontram-se entre os mais entusiastas de toda a Grécia
     Fundado por gregos, o Panionios foi um clube totalmente grego em Esmirna. Reconhecido pelos gregos e pela Federação Grega como o decáno do futebol helénico. 
    Após o conflito, os membros do Panionios foram forçados a abandonar Esmirna e levaram consigo o seu clube pan-jónico, que nunca perdeu a sua denominação que remonta para a Jónia, onde foi fundado.
     
    Ainda hoje em dia as camisolas vermelhas do Panionios jogam no Estádio Nova Esmirna, no bairro com o mesmo nome nos arredores da capital grega, com a nostalgia de um dia voltarem a jogar futebol na sua Esmirna natal. 

    Comentários

    Gostaria de comentar? Basta registar-se!
    motivo:
    EAinda não foram registados comentários...
    Tópicos Relacionados
    Equipa