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      Cosme Damião: O Fundador

      Texto por João Pedro Silveira
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      Jogador, técnico, dirigente, capitão, atleta, tudo isso foi Cosme Damião na história do Sport Lisboa e Benfica. Mas para memória da nação benfiquista ele é o pai fundador, o homem que sonhou e acreditou no seu clube, que o defendeu com «garras e dentes» e que no momento de maior dificuldade da história encarnada, arregaçou as mangas e foi fundamental para a sobrevivência do clube. 

      Um outro país

      O Portugal em que Cosme Damião nasceu era um país bem diferente do que conhecemos. Desde meados do século que o país caminhava lentamente para a modernidade. Fontes Pereira de Melo era o Ministro do governo de Sua Majestade o Rei D. Luís I e o principal mentor desse desenvolvimento que queria tirar Portugal das garras do obscurantismo. A sua política, conhecida como o Fontismo, era sinónimo de desenvolvimento.

      Portugal investia na indústria, nos caminhos de ferro, abruptamente cortava com as amarras da igreja. Era também o ano em que em Berlim se traçava o destino de África e Portugal sonhava com o Mapa Cor-de-Rosa para ligar Angola à Contra-Costa.

      Seria nesse Portugal dividido entre a tradição e a modernização,mas ainda agarrado à sua glória histórica, que Cosme Damião nasceu na cidade de Lisboa, corria o dia 2 de novembro de 1885. 

      Por esses tempos, precisamente para trabalhar nas novas indústrias, para construir as pontes dos caminhos de ferro, para abrir minas e trabalhar em comunicações, chegaram técnicos e engenheiros estrangeiros, muitos deles provenientes da Inglaterra.

      Seriam estes homens, e alguns portugueses "estrangeirados", que introduziram o futebol entre nós. Em 1894 jogou-se o primeiro jogo entre lisboetas e portuenses e uns anos mais tarde nascia o CIF, o primeiro grande clube nacional.

      Os primeiros passos

      Por volta dos seus dez anos, o jovem Cosme já teria tido a oportunidade de ver um daqueles grupos de ingleses que jogavam futebol na zona do Campo Pequeno ou em Belém, ou mais longe em Carcavelos. Apaixonado pelo jogo, Cosme Damião terá tido o primeiro contacto com o jogo nos tempos livres da escola, na Real Casa Pia nos Jerónimos onde aprendeu as letras.

      @Domínio Público
      Por volta dos vinte anos sonhava fundar um clube para a prática do futebol. Os ex-estudantes da Casa Pia de Belém tinham fundado a Associação do Bem, que havia entrado num período de marasmo, a que se sucedeu a inevitável decadência, mas o sonho de dotar a zona de Belém de um clube de futebol era partilhado por um grupo de jovens.

      Seria este grupo que se juntou ao grupo dos Catataus (irmãos Rosa Rodrigues) que tinham um clube singelamente conhecido como Football Club e juntos resolveram fazer nascer uma nova associação desportiva. 

      Após um almoço no Café Gonçalves em Belém, o grupo de jovens passou ao outro lado da Rua Direita, onde junto da Farmácia Franco firmaram "a certidão de nascimento" do Sport Lisboa, onde se inscreveram o nome de 23 fundadores do clube.

      Curiosamente, o nome de Cosme Damião não vem incluído nessa lista, uma omissão que, juntamente com outros pormenores (1), sempre intrigou os investigadores e historiadores que se debruçam sobre a história do Benfica. Contudo, a versão mais aceite entre os estudiosos do tema é que Cosme Damião, o redator do documento, se esqueceu de inscrever o seu nome na lista. 

      Das traseiras da farmácia

      Nas traseiras da Farmácia Franco seriam dados os novos passos do clube belenense, com o amplo espaço a ser utilizado para treinos de futebol. A juventude de Belém cedo se interessou pelo jogo e aderiu ao novo clube que em pouco tempo reuniu uma equipa muito capaz. 

      O papel de Cosme Damião nesses primeiros momentos do Sport Lisboa está envolvido numa aura de mistério. Ao contrário dos nomes de Manuel Gourlade, José Rosa Rodrigues e Daniel Santos Brito, a assinatura de Cosme Damião não surge em nenhum documento oficial do clube. 

      Não há nenhuma indicação de Cosme Damião ter participado em qualquer treino do Sport Lisboa em 1904 e os documentos sobre os treinos, com listas de jogadores que chegaram aos nossos dias nunca fazem referência a Cosme Damião.

      Os registos só fazem referência à sua presença na equipa do Sport Lisboa em 1907, no Campeonato de Lisboa da época 1907/08. Mas é como dirigente que o seu papel nessa época do clube se torna fundamental.

      O quase fim e a fusão com o Benfica

      Em 1906 um grupo de rapazes do Campo Grande fundara o Sporting Clube de Portugal. Rapazes de boas famílias e com o apoio financeiro do Visconde de Alvalade os sportinguistas eram provavelmente o clube mais endinheirado de Portugal. Com um campo com excelentes condições, com direito a banhos de água quente, uma raridade nesses tempos.

      Dinheiro não faltava, mas bons jogadores não abundavam por esses tempos lá para os lados do Campo Grande. Surgiu então a ideia de lançar o «canto da sereia» aos jogadores do Sport Lisboa, e oito deles (entre eles alguns fundadores do Sport Lisboa) aceitaram o repto e mudaram-se para o clube de Alvalade

      @Domínio Público
      O novo clube ficou à porta da extinção, com o abandono de oito jogadores, a que se somaram as saídas de Mora e Levy. O Sport Lisboa contava apenas com 30 sócios e as dificuldades financeiras colocavam o futuro da agremiação em risco.

      O primeiro jogo com o rival Sporting seria tenso, com os leões a vencerem por 2x1, num jogo em que Cosme Damião não foi feliz, apontando o autogolo que deu a vitória ao rival.

      O batalhador incansável

      Os problemas no Sport Lisboa agudizam-se, era preciso agir. Cosme Damião, com a ajuda de Félix Bermudes, luta arduamente contra o destino que parece estar traçado para o seu clube. Damião organiza o clube, motiva os colegas, angaria novos sócios, Bermudes financia as primeiras despesas e o Sport Lisboa resiste.

      Os jogadores das segundas categorias do clube ascendem à primeira (entre eles Damião) e iniciam-se negociações com o Grupo Sport Benfica, para uma fusão entre os dois clubes.

      O Grupo Sport Benfica (2) (mais tarde Sport Clube Benfica), clube que se dedicava ao atletismo e ciclismo, dispunha dos meios e dos sócios que faltavam ao Sport Lisboa, este podia providenciar atletas e uma equipa de futebol.

      Era um casamento perfeito de interesses, nascia então o Sport Lisboa e Benfica. O Sport Lisboa abandonava Belém, o seu berço, e movia-se para a zona norte da cidade, ocupando o Campo da Feiteira, casa dos benfiquistas. 

      Dedicação à causa do amadorismo

      A recuperação da equipa de futebol do clube foi um dos primeiros objetivos concretizados, pois em 1910 o Benfica conquistava o seu primeiro Campeonato de Lisboa. 

      Treinador da equipa principal de futebol desde 1908/09, Cosme seria o treinador que mais tempo esteve no banco da equipa encarnada, sendo o timoneiro do clube durante 18 anos. Estes eram tempos de dedicação e amadorismo. Os jogadores cuidavam das suas roupas, transportavam as bolas, em alguns jogos inclusive as balizas. Treinavam, jogam e até arbitravam, e como grande dinamizador do clube, Cosme Damião terá feito um pouco de tudo, dentro das suas funções no Sport Lisboa e Benfica.

      Além de treinador de futebol, jogador e capitão de equipa, Cosme Damião seria também destacado dirigente (mas nunca presidente) e jornalista, sendo juntamente com o sportinguista Salazar Carreira - futuro ministro do Estado Novo e dirigente leonino -  um grande defensor do amadorismo, mantendo grandes polémicas públicas com Cândido Oliveira, que um dia o acusou de ser o «Frei Tomaz do Amadorismo». 

      @Domínio Público
      A visão mais conservadora do futebol de Salazar Carreira e Cosme Damião vingaria, assente na ideia da «virtude da raça» do atleta amador, por oposição às degenerações e modernices do profissionalismo.

      O Estado Novo defenderia o culto do amadorismo, não obstante, nos anos 40 e 50 no futebol português se viver um "amadorismo de fachada", com os atletas a serem pagos através de "esquemas paralelos", questão que irritava Cosme Damião, que defendia que os atletas deviam pagar do seu bolso as despesas necessárias para jogar futebol e não receberem ajudas de custo que no fundo tornavam os jogadores em profissionais encapotados.

      Amante do Desporto

      A importância que Cosme Damião dava à prática desportiva não se cingia só ao futebol. O seu papel na história desportiva do Benfica e do país não se prende só o «pontapé na bola», o dirigismo ou o jornalismo. 

      Ajudou a implementar o Hóquei em Campo em Portugal, modalidade em que era guarda-redes, assim como ajudou à implementação do Hóquei em Patins, ajudando à revisão e adaptação das regras, assim como arbitrando o primeiro jogo da modalidade em Portugal, corria o ano de 1917.

      No futebol penduraria as botas após um amigável com o Fortuna de Vigo, mantendo-se como treinador até 1926. Como dirigente, uma das suas grandes batalhas seria a construção do Estádio das Amoreiras, que nasceu em 1925. 

      Fora do Benfica, teve papel fundamental na fundação da UFP, futura Federação Portuguesa de Futebol e foi dirigente do Casa Pia. Fundador e diretor do jornal Sport Lisboa, seria eleito presidente da Assembleia Geral do Benfica em 1931, sendo reeleito nas três épocas seguintes.

      Em 1935, por mérito da sua dedicação ao clube recebeu a Águia de Ouro.

      Doente e cansado acabou por se afastar das lides do seu amado clube, acabando por falecer em Sintra, a 12 de junho de 1947, sendo o seu corpo sepultado no Cemitério dos Prazeres, em Lisboa, cidade onde nascera 61 anos antes. 

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      (1) - Entre outras incongruências conta-se a grafia incorreta da palavra «Farmácia» que então se escrevia com «ph» e não com «f», além de nomes trocados na lista.
      (2) - Clube de que Cosme Damião também fora sócio. 

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      Cosme Damião

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