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    México 1970
    Grandes jogos

    Itália x RFA: O Jogo do Século

    Texto por João Pedro Silveira
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    A 17 de junho de 1970, debaixo do sol inclemente da Cidade do México, marcava o relógio 16 horas locais e o mexicano Arturo Yamasaki Maldonado apitava para o começo da meia-final do Campeonato do Mundo entre Itália e República Federal da Alemanha. Começava a rolar um jogo tão louco, tão incomum, digno de antologia e de tal maneira marcante que passou à história como o «Jogo do Século».

    Caminhos diversos

    A Alemanha Ocidental dominara o seu grupo sem problemas, vencendo todos os jogos antes de eliminar a Inglaterra, campeã mundial, vingando assim a final de 1966 em Wembley com um dramático 3x2 após prolongamento. Por sua vez, a Itália começara em ritmo lento, vencendo a Suécia por 1x0 antes de empatar a zero com uruguaios e israelitas. Nos quartos, despachara os anfitriões com um expressivo 4x1 e chegava bem mais fresca que a R.F.A. ao embate no Estádio Azteca.

    As autoridades mexicanas colocaram uma placa no Estádio Azteca, lembrando que ali se disputou o jogo que a FIFA considerou ser o «Jogo do Século».
    A Itália não atingia uma grande final desde 1938, data em que fora Campeã do Mundo pela segunda vez. Desde aí acumulara frustrações, sendo a pior de todas a eliminação precoce, quatro anos antes, em Inglaterra, fruto de uma humilhante derrota com a Coreia do Norte.

    Os alemães ocidentais, finalistas em 1966 e campeões em 1954, ainda não tinham enraizado o hábito de ganhar o que ganharam nos anos seguintes, mas os jogadores eram um misto dos finalistas de 1966 e dos que viriam a ser campeões do mundo em Munique quatro anos mais tarde.

    Primeira parte

    102.444, segundo números oficiais, sentaram-se nas bancadas do monumental Estádio Azteca para presenciarem a segunda meia-final do Mundial. Um dia antes, o Brasil batera o Uruguai por 3x1 em Guadalajara numa semifinal totalmente sul-americana. Agora, estavam frente a frente dois colossos europeus, Itália e Alemanha Federal, duas escolas de créditos formados, duas maiores potências desportivas do futebol no velho continente...
     
    102.444

    A Itália entrou bem em jogo, trocando a bola perante o olhar passivo dos alemães e, ao oitavo minuto, uma bela combinação ofensiva permitiu a Boninsegna fazer o 1x0 para a Squadra Azzurra. Os teutões reagiram, primeiro por Müller num remate com o pé esquerdo à meia volta aos 29 minutos que passou a rasar o poste e, quatro minutos mais tarde, Grabowski, com um tiro de esquerda, a 40 metros da baliza, fez o italiano Albertosi brilhar.

    Segunda parte

    A segunda parte começou da mesma forma, com a Itália a criar perigo: Domenghini subiu pela direita e cruzou para a cabeça de Riva, obrigando Sepp Maier a uma complicada defesa.

    Os alemães respiraram fundo e, empurrados pelo público, lançaram os seus ataques. Uma após outra, todas as investidas acabaram nas mãos seguras de Albertosi.

    Com o passar do tempo, os alemães carregaram cada vez mais. Aos 67 minutos, Franz Beckenbauer foi derrubado e caiu na área. «Penálti!», gritaram os jogadores alemães. O mexicano Yamakasi discordou e marcou livre à entrada da área. Os alemães protestavam furiosamente enquanto Beckenbauer continuava caído no chão, cheio de dores e com o seu ombro deslocado. A Alemanha já tinha feito as duas substituições. Beckenbauer não quis sair do jogo, foi ligado e voltou ao jogo com braço e ombro imobilizados, numa imagem que ficou imortalizada.

    A tensão aumentava, os alemães desesperavam a cada nova oportunidade perdida e a cada segundo de jogo que passava... Siegfried viu Rosato salvar uma bola sobre a linha de golo. Seeler, e mais tarde Müller, falharam clamorosamente o empate. A Itália suspendeu a respiração, mas aguentou o resultado...

    Icónica imagem de Franz Beckenbauer, o Kaiser, com braço e ombro ligados durante o jogo contra a Itália. Lesionado aos 60 minutos, acabou por jogar mais de uma hora com a clavícula partida, lutando até ao fim pela vitória da sua equipa num dos mais tocantes exemplos de profissionalismo e amor à camisola da história do futebol.

    Tudo parecia decidido quando, na última jogada do desafio, já para além da hora, um cruzamento da esquerda de Grabowski encontrou Schnellinger isolado e este só teve de empurrar para as redes da baliza italiana. O comentador da televisão alemã, Ernst Huberty, exclamou «Schnellinger, entre todos!» por surpresa dele e do resto do mundo de este ter sido o último golo de Schnellinger com a camisola da Mannschaft em 47 jogos. No último segundo, a Alemanha voltava ao jogo e a Itália sofria um rude golpe. 

    Jogo endoidece

    Há momentos em que os homens perdem o controlo da situação, em que os deuses de futebol tomam as rédeas do jogo e resolvem baralhar o destino, divertindo-se com as desventuras dos pobres humanos, as suas reações, frustrações e alegrias. Os que estão no campo a jogar, os que sofrem na bancada, os que vibram à distância pela telefonia ou televisão, todos são tocados pela roda do destino... 

    Essa tarde no Estádio Azteca, foi um desses momentos. O golo alemão ao cair do pano oferecia mais trinta minutos de jogo. Trinta minutos doidos, de reviravoltas e emoções sem par numa meia-final de um Mundial...

    Aos 94 minutos, canto na direita do ataque alemão e Müller aproveitou para confirmar a reviravolta no resultado. Quatro minutos mais tarde, livre no outro lado do canto, confusão na área, Schnellinger batido e Tarcisio Burgnich aproveitou para empatar a partida. 

    Seis minutos depois, Domenghini avançou pela direita, cruzou para Riva que, à entrada da área, com uma receção orientada, tirou Schnellinger da frente e chutou cruzado, fazendo a bola entrar junto ao poste esquerdo da baliza de Maier. 3x2 para Itália! Nova reviravolta consumada e faltava um minuto para o fim da primeira metade do prolongamento.

    Os últimos 15 minutos

    A segunda parte começou com as duas equipas deliberadamente ao ataque. Havia sensação de perigo em cada baliza, o golo podia surgir a qualquer momento e para qualquer um dos lados.

    Aos cinco minutos do segundo tempo, Stan Libuda levantou a bola da direita, Uwe Seeler ganhou nas alturas e, na pequena área, Müller desviou para o fundo das redes de Albertosi. 3x3! Os alemães correram para o Bombardeiro que apontava o décimo golo na competição. Apenas Beckenbauer, exibindo o sofrimento na expressão facial, não acompanhou o festejo dos colegas... Os italianos estavam abatidos e Riva era o rosto da deceção. 

    A bola vai ao meio campo, os italianos trocaram o esférico entre eles, Sisti passou a Facchetti e o capitão dos azzurri viu Domenghini na esquerda. Assim, fez um passe de vinte metros, o extremo recebeu a bola e avançou, deixando Schulz para trás, e, ao entrar na grande área, passou para a marca de penálti onde Riva, de primeira e com o pé direito, colocou a bola no fundo da baliza de Sepp Maier.

    Passados somente 21 segundos, a Itália voltava a marcar! Os deuses do futebol estavam loucos e nem a frieza alemã conseguia resistir a tanta reviravolta. No público, entre a euforia e tristeza, havia a perceção de se estar viver um momento histórico, um jogo inacreditável, de resultado improvável.

    A Itália acabou por vencer um jogo épico, mas ficou de tal forma desgastada que acabou sendo preza fácil do maravilhoso Brasil de Pelé, Tostão e Rivelino, perdendo por 4x1.

    O sucesso chegaria finalmente em 1982, precisamente contra a mesma República Federal da Alemanha, mas com uma vitória mais fácil por 3x1. A Alemanha por sua vez, chegaria ao título quatro anos depois e durante vinte anos estaria presente em quatro finais de campeonatos do mundo, só falhando por uma vez a presença no grande jogo, em 1978, no Mundial da Argentina.

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    jogos históricos
    U Quarta, 17 Junho 1970 - 23:00
    Estadio Azteca
    Arturo Yamasaki
    4-3
    a.p.
    Roberto Boninsegna 8'
    Tarcisio Burgnich 98'
    Luigi Riva 104'
    Gianni Rivera 111'
    Karl-Heinz Schnellinger 90'
    Gerd Muller 94' 110'
    Estádio
    Estadio Azteca
    Estadio Azteca
    México
    Cidade do México
    Lotação99250
    Medidas105x68
    Inauguração1966