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    Áustria x Alemanha: o Anschlussspiel

    Texto por João Pedro Silveira
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    A 12 de março de 1938, os primeiros soldados alemães atravessavam a fronteira que separava a Alemanha da Áustria. O III Reich de Hitler anexava a Áustria. Era o fim do pequena república alpina, outrora um império orgulhoso que agora se via reduzida à mera condição de província da Alemanha, sob o nome de Ostmark, apagando assim séculos de história austríaca e retornando ao tempo da Marcha Orientalis, uma província do Sacro Império Romano-Germânico, dependente do Ducado da Baviera, na aurora do segundo milénio da era cristã.

    Era o Anschluss, a anexação pacífica da Áustria, e a sua integração política no III Reich. Como todos os símbolos nacionais austríacos, a seleção austríaca de futebol também deixou de existir. Mas para celebrar a união, realizou-se o Anschlussspiel, um jogo de amizade entre a Áustria e a Alemanha com o objetivo de celebrar o regresso da Áustria ao Reich. Seria então a última oportunidade de ver os jogadores austríacos jogarem pela sua pátria. A festa ficava marcada para Viena, no Prattter, a 3 de abril de 1938.
     
    Orgulho nacional
     
    Pelos seus 35 anos, pelo seu passado e peso no futebol austríaco, Sindelar, capitão e grande estrela da equipa, era a voz de comando dos austríacos. Já sem Meisl, falecido no ano anterior, a Áustria conseguira a qualificação para o Mundial de 1938, onde não participaria por culpa da anexação alemã. Este jogo surgia então como uma oportunidade histórica de provar ao mundo a força da Áustria e nenhum dos jogadores quis deixar de vestir pela última vez a camisola do seu país, mesmo que muitos deles tenham depois vestido a camisola da seleção alemã nos anos que se seguiram.
     
    A pedido de Sindelar, a Das Team equipou de vermelho e branco, as cores da bandeira nacional que acabara de desaparecer, ao invés da habitual camisola branca e calções pretos, também normalmente utilizados pela Alemanha. Essa novidade não só mostrava o orgulho austríaco pela bandeira nacional, marcando a diferença do equipamento alemão, assim como a cor vermelha que era de certa forma uma pequena provocação «esquerdista» à Alemanha nazi. Os alemães, benevolentes, deixaram que por um dia a Áustria voltasse a ser conhecida por Áustria e que a equipa jogasse com as cores da bandeira que já não existia. Os organizadores nazis «pediram» em contrapartida que o jogo terminasse num empate com poucos golos.
     
    O jogo provocou grande expectativa em Viena e o Prater encheu-se de entusiastas do futebol, além de apaixonados pelo Wunderteam austríaco.  Mas grande parte das bancadas estavam cheias de membros do Partido Nazi, assim como oficiais das SS, exército alemão e elementos da Gestapo. O jogo era apresentado como um dérbi germânico e uma sagração da irmandade dos povos alemães, a grande festa, debaixo do lema nacional-socialista que ressoava por todo o Reich: ein Volk, ein Reich, ein Führer! (1)
     
    in Volk, ein Reich, ein Führer
     
    A Áustria passou o jogo todo a perder oportunidades de golo, como que deliberadamente tentando demonstrar a sua superioridade sobre o rival. De tal forma era vexante para os alemães o comportamento provocador de Sindelar, que alguns não conseguiam mostrar os seus sinais de desagrado, com a humilhação a que equipa alemã estava a ser sujeita no campo. A Alemanha controlava o jogo, mas não conseguia superar uma equipa onde alguns jogadores atuavam de uma forma que roçava a estupidez, tropeçando a tentar dominar a bola, fazendo passes para fora, oferecendo cantos desnecessariamente, escorregando sem bola, e rindo parvamente de tudo o que ia acontecendo.
     
    O acordar austríaco
     
    Ao intervalo, Hans von Tschammer und Osten, o novo responsável máximo pelo desporto na Ostmark, foi pedir calma aos austríacos, absolutamente desagradado com o que presenciava em campo. Nas cabinas, alguns austríacos, simpatizantes do regime nazi, censuravam Sindelar, mas este manteve a mesma postura no regresso dos balneários. Judeu, socialista e provocador nato, Sindelar não podia perder a oportunidade de mostrar aos seus opressores o quanto desprezava o regime de Hitler e a anexação da sua amada Áustria. O jogo do Prater era o palco perfeito para a «sua» vingança.
     
    Os austríacos continuaram a jogar um futebol "aparvalhado", tanto perdendo oportunidades de golo claras de forma propositada, como atrapalhando-se como amadores num simples domínio de bola. O 0x0 manteve-se até aos últimos vinte minutos até que num piscar de olhos os austríacos começaram a correr e a trocar a bola com precisão, tentando chegar mesmo ao golo, para espanto dos alemães que ficaram sem reação...
     
    O primeiro golo foi festejado exuberantemente por Sindelar, provocando a tribuna onde se encontravam os principais dignitários alemães, que engoliam em seco, impotentes com a situação. Pouco depois, um livre de 45 metros, apontado por Karl Sesta, gelou a bancada germânica, mas fez disparar a euforia nas bancadas do Prater. O árbitro apontava para o fim da partida e multidão começava a gritar em uníssono: «Österreich! Österreich!». (2) 
     
    Sindelar dirigiu-se para a tribuna, onde, com um riso de desdém, valsou em frente dos alemães, que rapidamente saíram do estádio, provocando uma clareira na tribuna. O resultado final foi uma pequena humilhação para os nazis e Sindelar, ao contrário de muitos colegas, recusou-se a vestir a camisola da Alemanha, apesar das diversas convocatórias do treinador alemão Sepp Herberger. Coincidência ou não, o certo é que foi encontrado morto em casa dez meses depois do encontro...
     
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    (1) - «Um Povo, um Império, um Líder!»
    (2) - «Áustria! Áustria!»
    Em 1938 a Alemanha de Hitler anexou a Áustria ao III Reich. Era o Anschluss (anexação), integração política da Áustria no Império alemão, que reduziu o país à mera condição de província. A seleção austríaca deixou de existir, de facto, mas realizou-se ainda o Anschlussspiel, um jogo entre a Áustria e a Alemanha com o objetivo de celebrar o regresso da Áustria ao Reich. Era a última vez que os jogadores austríacos jogavam pela sua pátria.
     
    A pedido de Sindelar, os austríacos equiparam de vermelho e branco, as cores da bandeira nacional que acabara de desaparecer, ao invés da habitual camisola branca e calções pretos, também normalmente utilizados pela Alemanha. O jogo disputou-se no Pratter em Viena e as bancadas estavam cheias de políticos do Partido Nazi e oficiais do exército alemão.
     
         A pedido de Sindelar, os austríacos equiparam de vermelho e branco, as cores da bandeira nacional que acabara de desaparecer, ao invés da habitual camisola branca e calções pretos, também normalmente utilizados pela Alemanha
    A Áustria passou o jogo todo a perder oportunidades de golo, como que deliberadamente tentando demonstrar a sua superioridade sobre o rival. 
    O zero-a-zero manteve-se até aos últimos vinte minutos, quando com muita facilidade os austríacos apontaram dois golos que foram exacerbadamente festejados por Sindelar em frente das altas autoridades nazis.
     
    O resultado final foi uma pequena humilhação para os nazis, e Sindelar, ao contrário de muitos colegas, recusou-se a vestir a camisola da Alemanha, apesar das diversas convocatórias do treinador alemão Sepp Herberger.

    Comentários

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    motivo:
    Sindelar
    2020-04-03 19h16m por manueldesousa
    Um exemplo de RESISTÊNCIA, para jamais esquecer!
    jogos históricos
    U Domingo, 03 Abril 1938 - 00:00
    Ernst-Happel-Stadion
    2-0
    Matthias Sindelar minuto n?o dispon?vel
    Karl Sesta minuto n?o dispon?vel
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    Estádio
    Ernst-Happel-Stadion
    Lotação50865
    Medidas105x68
    Inauguração1931