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      Premier League 2004/2005
      Grandes Equipas

      O Special Chelsea

      Texto por Jorge Ferreira Fernandes
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      Num futebol cada vez mais competitivo, analítico, estudado ao pormenor, ter muito dinheiro para investir continua a não ganhar jogos, mas ajuda. Roman Abramovich chegou ao Chelsea em 2003 e trouxe com ele muitos sonhos e uma boa quantidade de dólares para tornar o clube londrino mais forte. Mas juntar uma série de grandes individualidades não chega para se ganhar, é preciso mais qualquer coisa que faça verdadeiramente a diferença. 

      Esse plus, para o Chelsea, só chegou um ano depois. Com Ranieri, os blues deram uma salto qualitativo, chegaram a uma fase adiantada da Liga dos Campeões, mas foi com José Mourinho nos comandos que toda aquela base e todo aquele desafogo financeiro se transformou em algo mais palpável, em mais qualidade, em títulos. Exatamente meio século depois, o Special One levou o clube à conquista do segundo campeonato da sua história.

      A construção do plantel

      Algumas das escolhas de Mou foram mais fáceis a partir do momento em que o clube soube investir e escolher os alvos, de uma forma geral, no defeso anterior, em 2003. A Stamford Bridge chegaram elementos de valor indiscutível, como o francês Makélélé, decisivo nos últimos anos do Real Madrid, Damien Duff, extremo em ascensão no futebol inglês, e Joe Cole, uma das grandes promessas do futebol daquele país. Alguns tiros ao lado, como as apostas em Verón ou em Mutu, mas, de uma forma geral, uma boa base e um bom ponto de partida. 

      Drogba foi a grande revelação @João Figueiredo
      No clube, antes da chegada do magnata russo, também já estavam algumas das unidades que fariam parte da espinha dorsal de José Mourinho e não só. Gallas, atrás, era um defesa competente e capaz de apresentar rendimento em várias posições da zona mais recuada, Terry mostrava-se capaz de ser um central de referência no futebol inglês durante a dezena de anos seguinte, Lampard já era uma referência, pela qualidade, pela regularidade e pela consistência, Eidur Gudjohnsen já tinha mostrado dotes de goleador, ou de, pelo menos, poder ser uma referência ofensiva de qualidade. 

      Mourinho, contudo, sabia que seria preciso mais qualquer coisa para travar o ímpeto de um Arsenal que tinha acabado de conquistar o título sem qualquer derrota e para fazer frente a um Manchester United que, com Ferguson, era sempre candidato. Cech, já um dos melhores na posição de guarda-redes, chegou para dar mais qualidade à baliza, Paulo Ferreira conhecia como poucos os métodos e a filosofia do treinador, tal como Ricardo Carvalho, um dos melhores centrais do futebol europeu à altura e parceiro perfeito para John Terry, na teoria e na prática. No ataque, Robben prometia desequilíbrio pelos flancos, Drogba capacidade de trabalho e golos. 

      A chegada do costa-marfinense foi mesmo uma das mais discutidas no verão de 2004 e as dúvidas foram muitas, especialmente para aquele que estava obrigado a desembolsar 30 milhões de euros. Abramovich pediu a Mourinho que lhe indicasse um avançado para atacar no mercado e a resposta do técnico português foi clara: «Eu quero Drogba. Pague o dinheiro por ele e não diga mais nada». O magnata russo perguntava, perante tanta assertividade de quem queria apostar as fichas todas no avançado do Marselha: «Quem? Quem é que tu queres contratar?». 

      Correu tudo bem. Para treinador, para investidor e para o avançado. E o conto de fadas começou logo no primeiro contacto com os jornalistas. Mourinho conquistou tudo e todos com um charme irresistível, um sentido de humor apurado, um ar fresco e novo aos bancos de Inglaterra e uma frase para a história. «Por favor não me chamem de arrogante, porque o que estou a dizer é verdade. Eu sou campeão europeu e acho que sou especial».

      Impacto imediato

      A estreia no campeonato trazia até Stamford Bridge logo um adversário direto na corrida pelo título. Teste de fogo no arranque da Premier League e um duelo muito especial, de gerações, entre José Mourinho e Alex Ferguson. Logo ali, no primeiro jogo, as principais características deste Chelsea bem vincadas: excelente organização defensiva, bom controlo dos espaços, uma boa fluidez na ligação entre os setores e muita capacidade nas jogadas de bola parada e, especialmente, de transição rápida. Foi com isto tudo e mais alguma coisa que o primeiro de muitos triunfos apareceu, às custas de um golo de Gudjohnsen, depois de uma bela assistência do outro avançado titular, Drogba. Os dois podiam mesmo coexistir, se é que havia alguma dúvida. 

      Os dois maiores pilares @Getty / Mike Hewitt
      Para os mais cépticos, que ainda podiam duvidar deste novo Chelsea e da real capacidade de José Mourinho para liderar uma equipa até ao sucesso, o facto dos blues terem ganho as quatro primeiras jornadas e terem sofrido apenas um golo nos primeiros oito jogos oficiais foram sinais verdadeiramente fortes. Em Stamford Bridge, não vivia apenas um coletivo com capacidade para fazer frente aos grandes, começava-se antes a construir uma autêntica máquina, incrivelmente fiável, qualquer que fosse o contexto. A concorrência do Arsenal era, ainda assim, forte e surgiam alguns dados curiosos, bem reveladores, na altura, das diferenças entre os dois conjuntos. Os gunners marcavam muito mais e sofriam também um bocado mais do que os rivais londrinos. Costuma-se dizer que a defesa ganha campeonatos e foi mais ou menos isso que aconteceu...

      Entretanto, foi preciso esperar até ao dia 16 de outubro para ver o Special One perder na Premier League. Desaire pela margem mínima na casa do Manchester City, numa tarde onde quase tudo correu mal e onde a desinspiração se apoderou, até, dos melhores jogadores e das principais referências. Anelka, que viria a marcar muitos e bons golos na capital Londres, com a própria camisola do Chelsea, decidiu a partida na marcação de uma grande penalidade, naquela que foi a primeira dor de cabeça para José Mourinho. Não iria ter muitas, mas já lá vamos aos recordes...

      Logo na jornada seguinte, um acontecimento importante para toda esta história e para a história do futebol inglês. 49 jogos depois, o Arsenal, o líder da então tabela classificativa, perdia uma partida, em casa do Manchester United. O Chelsea, também na condição de visitado, aproveitava para reduzir distâncias e, a partir daí, o campeonato mudou. Uma semana depois, nova perda de pontos e dupla de Londres igualada na tabela classificativa; duas jornadas depois, mais um empate para os gunners e blues líderes isolados da Premier League. Ainda antes do final de novembro, a vantagem já era de cinco pontos favorável a Mourinho e companhia. 

      O duelo dos dois primeiros aconteceu em dezembro. O Arsenal, com um Henry intratável, mostrava que podia ser uma bela concorrência face a este Chelsea, que ficou bem mais confortável com o empate final a dois golos. Os blues passavam mais um teste complicado e provavam que tinham muitos recursos disponíveis a fazer a diferença. O talento, a organização, a bola parada e o espírito conquistador, acima de tudo. Quando tudo isto se juntava, esta equipa londrina era muito difícil de bater. 

      Joe Cole também esteve bem @Getty / Ben Radford
      Para se ter uma noção da capacidade defensiva deste Chelsea de José Mourinho basta referir que foram precisas mais 11 jornadas para que Cech sofresse outro golo depois do bis de Henry. De 12 de dezembro a 5 de março, os blues não foram buscar qualquer bola à sua própria rede e, durante esse período, entre tanta qualidade, foi difícil não ganhar quase todos os jogos. Nove vitórias e um empate, para se ser mais concreto, e algumas escorregadelas do rival Arsenal. O resultado? No início do terceiro mês do ano, o futuro campeão ameaçava todos os recordes e detinha uma vantagem de 11 pontos face ao Manchester United, que, entretanto, trabalhava para o objetivo mais humano e menos utópico, o de arrecadar o segundo lugar. 

      A consagração

      Para chegar ao principal objetivo, o Chelsea não tinha que fazer muito mais do que cumprir os serviços mínimos. Com a mesma organização de sempre, os blues colecionaram mais umas quantas vitórias, arrecadando apenas mais três igualdades nos últimos três meses de competição. Um passeio autêntico que teve o seu ponto mais alto na deslocação ao terreno do Bolton. Aí, no Reebok Stadium, num jogo em que os blues não deslumbraram propriamente, apareceu Lampard para um dos bis mais importantes e simbólicos de toda a carreira do médio. Num lance, tirou com classe um adversário da frente e finalizou; mais tarde no jogo, apareceu em zona de finalização para dar sequência à transição rápida e bem desenhada do coletivo. O campeão só podia ser um e já se podia festejar à vontade. 

      Na penúltima jornada, com meia equipa de fora, o Chelsea visitou Old Trafford para um jogo bem simbólico. Os red devils fizeram uma guarda de honra para o campeão de 2004/2005, que se comportou como tal no relvado, independentemente das alterações. O português Tiago, elemento muito útil ao longo da época, brilhou com um grande golo, numa exibição de afirmação de todo um grupo de trabalho, de uma forma de olhar para o futebol, de um técnico que, em estreia, revolucionou a Premier League

      Para o final, ficam alguns dos números impressionantes deste Chelsea campeão. Quinze golos sofridos em 38 jornadas, 25 clean sheets, apenas meia dúzia de tentos consentidos em casa e, acima de tudo, uma derrota e 95 pontos amealhados, no final de toda esta história. Um conto de fadas, no mínimo, especial. 

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