«Quando és ambicioso, vais querer sempre mais. Se estava feliz com três troféus, pensava logo em conquistar o quarto. Se estava feliz com quatro, tinha de conquistar o quinto…»
Não foram quatro, nem cinco… Foram vinte e um títulos conquistados ao longo de 22 anos de uma carreira ímpar na história do futebol mundial. Não é exagero. Clarence Seedorf foi o primeiro jogador a vencer a Liga dos Campeões por três clubes diferentes – Ajax (1995), Real Madrid (1998) e AC Milan (2003). Em Milão, levantou a orelhuda em duas ocasiões e há ainda quem considere que terá vencido duas na capital espanhola, em virtude de ter disputado alguns jogos durante a fase de grupos da prova milionária de 1999/00, antes da mudança para Milão.
Seedorf era um jogador único. Um intérprete capaz de desempenhar vários papéis em campo, mediante aquilo que o treinador e o jogo necessitavam a cada momento. Sabia ler o futebol nas entrelinhas como poucos. Era versátil, trabalhador, dotado de uma força e ritmo únicos, tudo isto com notáveis atributos físicos, e com uma inteligência tática acima da média. A combinação perfeita.
O centrocampista holandês era aquele tipo de jogador que qualquer treinador gostaria de ter na sua equipa. Defendia a sua baliza com a mesma qualidade com que atacava a baliza contrária, isto sem esquecer que tinha um remate fácil, forte e imprevisível. Felizmente o ‘youtube’ permite-nos alimentar a memória com alguns dos seus golos magistrais (e, felizmente, são muitos!) – inesquecível aquele que marcou no dérbi de Madrid [ver no vídeo abaixo], em 1997, quando pegou na bola pouco depois do meio-campo e, com a defesa colchonera completamente descoordenada e o guarda-redes fora de posição, rematou do meio da rua para o fundo das redes do Atlético.
Um conjunto de virtudes que escondiam residuais defeitos e ajudam a explicar o enorme sucesso que teve em todos os clubes e países por onde jogou. E não foram poucos: Países Baixos (Ajax), Itália (Sampdoria, Inter e AC Milan), Espanha (Real Madrid) e Brasil (Botafogo). O sucesso acompanhou-o sempre.
Uma nova geração de ouro em Amesterdão
Nascido em Paramaribo, capital do Suriname, Seedorf mudou-se para a cidade holandesa de Almere com apenas dois anos, onde cresceu no seio de uma família de futebolistas. Aos seis, foi descoberto por uma agência de talentos ligada ao Ajax e cumpriu então a sua formação numa das academias de formação mais emblemáticas do mundo, ao lado de nomes como Frank e Ronald de Boer, Edgar Davids e Patrick Kluivert. O início de uma (nova) geração de ouro em Amesterdão.
Num claro sinal de qualidade e maturidade, Seedorf estreou-se na equipa principal do Ajax com 16 anos, e logo nas competições europeias, num jogo ante o Vitória SC (2x1). Guiado pelos veteranos Danny Blind e Frank Rijkaard, o Ajax foi palco para o crescimento de uma nova vaga de talento e foi graças a essa combinação entre experiência e juventude que permitiu a recuperação da glória europeia da década de 70, com a conquista da Liga dos Campeões de 1994/95.
«Todos sonham em vencer uma final da Liga dos Campeões e eu tive a sorte de conquistar uma com apenas 19 anos. Assim que acordei [no dia seguinte à final] senti-me diferente, estranho, de alguma forma especial», disse Seedorf.
Optando por não prorrogar a sua ligação aos holandeses, aproveitando também a entrada da Lei Bosman, que permitiu a livre circulação de futebolistas na Europa, sem qualquer tipo de restrição, Seedorf assinou um contrato de um ano com a Sampdoria. Apesar de não ter conquistado qualquer título, o médio manteve-se em evidência ao ponto de conseguir o salto para o Real Madrid.
De Madrid para Milão
A passagem por Génova durou pouco mais de 10 meses. A qualidade exigia outros palcos e a porta do principal clube da capital espanhola foi a entrada ideal para um novo momento de afirmação na Europa. Uma Liga espanhola, uma supertaça e ainda uma Liga dos Campeões (ou duas, caso se considere a campanha de 1999/00 que ficou a meio) engrandeceram o palmarés de um jovem que ainda tinha muito mais para conquistar… em Milão.
Troca por troca com Francesco Coco, Seedorf chegou, viu e venceu a Champions, tornando-se no primeiro jogador a vencer a maior competição ao nível de clubes por três clubes distintos. Aos 26 anos. Impressionante! «O meu ídolo, Frank Rijkaard, venceu esta competição duas e, por isso, queria ganhar mais uma do que ele.»
«Estou de saída depois de 10 anos maravilhosos… deixo uma família!».
Uma última palavra no Brasil e a Seleção
«Jogar no Brasil foi como voltar à minha juventude – em termos da posição em que joguei, da liberdade e criatividade que senti em campo e de tudo aquilo que apreciei em jogar futebol»
A 30 de junho de 2012, Clarence Seedorf concretizou o sonho antigo de jogar no futebol brasileiro, assinando um contrato de dois anos com o Botafogo. Por lá conquistou mais um título [Taça Guanabara] apontou o primeiro hat-trick da carreira e ainda viu o segundo cartão vermelho de toda a carreira [em mais de 975 jogos como profissional] de uma forma completamente inusitada [veja o vídeo].
Depois de marcar e assistir, Seedorf recebeu ordem de expulsão na sequência de um desentendimento com o árbitro Philip Georg Bennet. O médio tentou retardar a substituição, procurando sair pelo lado mais longínquo do relvado, mas o juiz não foi em cantigas: amarelo. Seedorf insistiu e… viu o segundo. A expulsão teve eco em toda a imprensa internacional, tendo sido apelidada pela maioria de «surreal».
A nível internacional, Seedorf vestiu a camisola da Laranja Mecânica em 87 ocasiões (11 golos), acabando por renunciar à equipa nacional em 2008 após um conflito pessoal com o então selecionador Marco Van Basten, que na época optou por dar espaço a jogadores mais jovens, como Van der Vaart, Sneijder e Van Persie.
Por culpa de todo o sucesso, em 2004, o Rei Pelé nomeou o poliglota Seedorf – fala seis idiomas fluentemente: holandês, inglês, italiano, português, espanhol e o dialeto do Suriname - para a lista dos 100 melhores jogadores de todos os tempos. Justíssimo.