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    Bobby Moore: O Capitão

    Texto por João Pedro Silveira
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    «O Captain! my Captain! rise up and hear the bells;
    Rise up—for you the flag is flung—for you the bugle trills;»
    (1)

    - Walt Whitman 
     
     
    É convicção em terras de Sua Majestade, que para todo o sempre, o futebol inglês só terá um capitão, the one and only, Bobby Moore. Aquele que recebeu a dourada Jules Rimet das mãos da Rainha Isabel II e a mostrou a Wembley e ao Mundo, com o incomensurável orgulho de reparar uma injustiça histórica, conseguindo fazer com que a nação que deu o futebol ao mundo, se tornasse finalmente a primeira das nações no desporto-rei.

    O ano era 1966 e a Inglaterra vivia um exuberante apogeu cultural e um rejuveniscimento em todas áreas, sem par desde a era vitoriana, que a seleção nacional inglesa, conseguiu captar e levar «um passo mais longe», até ao topo do «beautiful game». Uma vitória que os ingleses ainda hoje consideram ter sido muito mais que uma vitória.
     
    Estátua do capitão, herói de 1966, na entrada novo Estádio de Wembley.
    Um líder nato, mas acima de tudo um cavalheiro, não é à toa que ganhou a alcunha do «Primeiro Cavalheiro do Futebol Inglês», Bobby Moore parecia estar vinte minutos adiantado a todos os outros no campo, como tão bem lembrava Jack Stein. Tinha uma leitura de jogo incomum e uma calma lendária...
     
    Quando a bola lhe chegava aos pés, a equipa respirava, as forças eram recuperadas, e os adversários pareciam como que por magia, jogar duas rotações abaixo da velocidade normal.
     
    A vida de Bobby Moore é um daqueles achados que todos os que se debruçam a escrever biografias ou simples percursos biográficos dão graças por lhes vir parar à mão, pois a carreira e vida do «capitão» permite cruzar futebol com cultura pop, música e cinema, mas também ir à literatura, passando pela poesia, para voltar às quatro linhas, piscando o olho à história contemporânea de Inglaterra, como poderá perceber nas linhas que se seguem...
     
    Nascer à luz das bombas
     
    Mas voltando ao início... Robert Frederick ##Chelsea "Bobby" Moore, nasceu a 12 de Abril de 1941, encontrava-se a sua Inglaterra natal, debaixo dos constantes raides aéreos da Luftwaffe (2). Crescer na Grã-Bretanha durante a II Guerra Mundial, particularmente em Londres e nos seus arredores, como Barking onde nasceu, era viver no medo constante dos bombardeamentos alemães. 

    Com Pelé, no fim do Brasil x Inglaterra no mundial do México em 1970.
    A Blitz, do alemão relâmpago, abreviatura de Blitzkrieg (3), foi o nome que os ingleses deram ao longo período entre 7 de setembro de 1940 e 10 de maio de 1941, em que a capital inglesa e outras partes do país, foram alvo de bombardeamentos diários que ceifaram a vida a mais de 43,000 civis, metade deles em Londres, além de mais de um milhão de casas destruídas ou danificadas somente na Grande Londres.
     
    Vir ao mundo em tempos tão difíceis, só poderia fazer do pequeno Bobby um combatente e um sobrevivente. Moore não se recordava por certo de ser levado pelos braços da mãe para os abrigos subterrâneos, ao som das angustiantes sirenes de aviso, mas tudo o que o viveu, ficou para sempre marcado, ajudando a formar o caráter que adversários e colegas sempre lhe reconheceram.
     
    Muitos anos depois da guerra, um alemão, outro senhor do futebol, Franz Beckenbauer, lembrou que Bobby Moore foi o seu ídolo, o jogador que tentou sempre imitar e igualar. Os dois  defrontaram-se na final de 1966, que Moore levou a melhor, mas também em 1970, no México, quando Beckenbauer e companhia se vingaram dos ingleses, eliminando os campeões do mundo em título, por 3x2 após prolongamento e seguindo para as meias-finais. 
     
    Outro grande confronto entre os dois, viveu-se em 1972, a 29 de abril, em Wembley, quando uma grande Alemanha Federal bateu pela primeira vez a «English Team» no seu campo, com um claro 1x3 e uma exibição inspirada de Gerd Müller, abrindo o caminho para a conquista do Euro, dois meses depois em Bruxelas (4). 
     
    Herói no East End
     
    Que um clube representante da tradição operária, verdadeiro emblema do leste de Londres, o East End, seja ostentado por quem se considera a si próprio do norte e que leva no nome a palavra oeste, é uma daquelas idiossincrasias de que Londres é fértil e que faz a delícia dos apaixonados pela cidade e pelas suas histórias. O West Ham United, fundado em 1895, como uma equipa dos trabalhadores dos estaleiros da Thames Ironworks, equipando-se com o azul e bordeaux do Aston Villa, sua alma mater, nasceu perto do rio, no East End, mas acabaria por mudar-se uma década mais tarde para Upton Park, onde ainda hoje reside. 
     
    Com o alemão Franz Beckenbauer, fotografados por Terry O´Neill em Londres, por volta de 1970.
    Mais de cem anos no mesmo estádio, oito treinadores num século, fazem com que palavras como fidelidade e estabilidade não sejam apenas mais duas palavras, mas que sejam também verdadeiros símbolos do clube, tal e qual os dois martelos - que valem a alcunha de hammers - que exibem orgulhosamente no emblema.
     
    Mas os símbolos maiores serão talvez os heróis de 1966. Nenhum hammer esquece que os quatro golos da final foram apontados por dois jogadores do clube: um por Martin Peters, os outros três por Geoff Hurst, assim como é impossível esquecer que Bobby Moore foi o esteio da defesa, e o capitão que recebeu a taça das mãos da Rainha.
     
    Orgulho que se estende à alma londrina do clube. Nascidos no East End, onde mantém a verdadeira base social de apoio, consideram-se verdadeiros cockneys, e não será mentira que o sejam, pois a definição por excelência de um cockney é ter nascido na área no centro da cidade de Londres, até onde se fazem ouvir as badaladas dos sinos da igreja de St. Mary-le-Bow, os famosos «Bow Bells».
     
    Talvez o som dos sinos de St. Mary-le-Bow nunca tenha chegado a Barking, mas tanto pela proximidade geográfica e cultural - pois não é à toa que ambas sempre foram e são zonas de forte implementação operária - não surpreende que desde tenra idade o coração do jovem Bobby Moore se inclinasse para os hammers, que começou a representar em 1955. 
     
    Depois de fazer o seu trajeto nos escalões jovens do clube, Moore estreou-se na equipa principal a 8 de setembro de 1958, substituindo o seu mentor, Malcom Allison - esse mesmo, o do Sporting - que se encontrava de baixa, com tuberculose, que assim deixou vaga a camisola «seis» que Moore ajudaria a tornar mítica.
     
    O mais jovem capitão
     
    A precocidade do seu futebol e a segurança que incutia no jogo dos hammers, levou o selecionador Walter Winterbottom a convocá-lo para a seleção, chamando-o para a equipa que foi disputar o mundial do Chile em 1962, o primeiro dos três que disputou. Viajou com a equipa sem contar nenhuma internacionalização, estreando-se num amigável com o Peru, que os ingleses venceram por 4x0. 
     
    Com Michael Caine, com quem contracenou em «Fuga para a Vitória», em 1981.
    Uma exibição de grande quilate, impressionou treinador e a imprensa, ao ponto de Moore nunca mais perder um lugar no «onze», jogando os quatro jogos da Inglaterra no mundial (5). 
     
    A 29 de maio de 1963, um Bobby Moore com apenas 22 anos, capitaneava pela primeira vez a equipa inglesa, tornando-se no mais jovem jogador a envergar a braçadeira na seleção dos «três leões». Desde esse dia, e até à data em que pendurou as botas, a braçadeira tornou-se uma peça indispensável do seu equipamento.
     
    Wembley, o talismã
     
    A sua carreira nos hammers (1958-74), onde vestiu a camisola azul-bordeaux por 544 vezes, acabou por só lhe valer dois títulos, conquistados no espaço de um ano, sendo o primeiro deles a FA Cup, a Taça de Inglaterra, a competição que os ingleses consideram a mãe de todas as competições.
     
    Nessa tarde de 2 de maio de 1964, perante cem mil pessoas, Moore capitaneou o «onze» desenhado por Ron Greenwood, ajudando o West Ham a levar de vencida o Preston North End por 3x2, com o golo da vitória a ser apontado por Ronnie Boyce ao nonagésimo minuto.
     
    Esta foi a primeira de três taças levantadas pelo «old captain» num espaço de dois anos. Curiosamente, todas elas conquistadas em Wembley. O segundo passo dessa tripla conquista, seria a Taça dos Vencedores das Taças, a 19 de maio de 1965, quando o West Ham  bateu o 1860 Munique por duas bolas a zero.
     
    Pouco mais de um ano depois, voltaria a Wembley para jogar uma final, desta feita, a final das finais, a decisão do Campeonato do Mundo. Depois de ter eliminado Portugal nas meias-finais, a Inglaterra encontrava agora pela frente a R.F.A. O favoritismo pendia para os da casa, com uma equipa de sonho, liderada por Moore, mas onde brilhava outro Bobby, o Charlton, além do goleador Hurst e do guarda-redes Banks. 
     
    A Inglaterra sofreu para vencer, mas acabaria por bater os alemães por 4x2 após prolongamento, não sem muita polémica à mistura, com o famoso golo que não se sabe se entrou, assinalado pelo fiscal de linha, o azeri - então soviético - Tofiq Bahramov, e validado pelo suíço Gottfried Dienst.
     
    Réplica de Subbuteo do histórico momento em que Moore foi carregado pelos colegas no relvado de Wembley, no fim da final de 1966.
     

    Depois da glória
     
    Após 1966, Moore tornou-se num símbolo de Inglaterra, ao nível dos grandes vultos da cultura pop como Sandie Shaw, os Rolling Stones, os Beatles ou Marianne Faithfull, com quem convivia diariamente na capa de revistas e tabloides. Presença constante em eventos publicitários, representado em selos, continuou a brilhar também dentro do campo, comandando a Inglaterra no Euro 68 em Itália, onde os «súbditos de Sua Majestade» foram semifinalistas, e no México 70, onde os ingleses defendiam o cetro, num grupo com romenos, checoslovacos e brasileiros.
     
    Na estreia, Hurst fez a diferença com a Roménia, assim como Clarke no último jogo contra a Checoslováquia. Pelo meio, os ingleses enfrentaram a fabulosa «canarinha» de Pelé e companhia. Vencidos pelo golo de Jairzinho, os ingleses deixaram uma boa imagem em campo, ficando para sempre na memória a famosa defesa de Banks ao cabeceamento de Pelé, uma defesa impossível, em que Moore picou Banks, lembrando-o que era desnecessário ceder cantos sem motivo. Seguiu-se o já citado jogo com a Alemanha Ocidental em que os ingleses vingaram a derrota de 1966
     
    Jogaria na seleção até 1973, mas a Inglaterra falharia a qualificação tanto para o Euro 1972, como para o Mundial da Alemanha em 1974, ano em que Moore abandonou o seu West Ham United, mudando-se para o também londrino Fulham, antes de embarcar numa "reforma dourada" em terras de Tio Sam, defendendo clubes como os San Antonio Thunder, os Seattle Sounders e o Herning Freemad.
     
    Abraçou ainda a carreira de treinador - Oxford City, Eastern AA (Hong Kong) e Southend United - sem grande sucesso, incapaz de atingir o brilho que conseguira como jogador, o que o levou a abandonar a carreira.
     
    Recebendo a Taça Jules Rimet das mãos da Rainha, o momento mais alto da sua gloriosa carreira.
    Fora do futebol, ganhou ainda mais visibilidade, participando no filme «A Fuga Para a Vitória» ao lado de Michael Caine e Sylvester Stalone, além de outras estrelas do futebol como Pelé e Osvaldo Ardilles. 
     
    Terminado o seu casamento com Tina Dean, com quem casara em 1960, conheceu a felicidade ao lado de Stephanie Parlane-Moore, com quem casou em dezembro de 1991. Meses antes, fora-lhe diagnosticado um cancro no cólon, que apesar da operação e tratamentos, acabou por se espalhar, provocando a sua morte a 26 de fevereiro de 1993, naquela que foi a mais dura das suas derrotas, ceifando-lhe a vida quando contava apenas 51 anos.
     
    Em 2004, a UEFA elegeu-o como o melhor jogador inglês, no seu 50º aniversário, batendo a concorrência do seu velho rival e colega, Bobby Charlton. A 11 de maio de 2007, a sua estátua foi inaugurada na entrada principal do novo Estádio de Wembley, homenageando para a posteridade, o «capitão», o maior símbolo do futebol inglês.
     


     

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    (1) - «Oh Captain! My Captain!» (em português: Ó Capitão! Meu Capitão!) é um poema da autoria do norte-americano Walt Whitman, escrito em homenagem ao presidente Abraham Lincoln, depois do seu assassinato em 1865. Foi publicado pela primeira vez, ainda no mesmo ano, como um apêndice à última versão de «Leaves of grass» (em português: Folhas de Erva), aquela que é considerada por muitos como a sua obra prima. 
    (2) - Luftwaffe - Força Aérea Alemã.
    (3) - Blitzkrieg, alemão para Guerra relâmpago.
    (4) - A Alemanha Federal bateria a União Soviética por 3x0 na final do Euro 1972, no Estádio do Heysel em Bruxelas, atualmente conhecido por Rei Balduíno.
    (5) - A Inglaterra acabaria eliminada nos quartos-de-final pelo Brasil, que acabaria por conquistar o bicampeonato, batendo a Checoslováquia na final.
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