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    Rivalidades
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    Le Classique: Marseille x PSG

    Texto por João Pedro Silveira
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    Em dia de clássico, fomos sentir como se vive o Marseille x PSG na segunda maior cidade francesa. Anos de rivalidade intensa tornaram Le Classique no jogo dos jogos do futebol francês. Como disse um dia Bill Shankly, o futebol não é uma questão de vida ou morte, «é muito, muito mais importante» que isso, e Marselha e o seu amor pelo Olympique são a prova que Shankly tinha razão. 
     
    O acordar da cidade
     
    A primeira observação é que Marselha parece ter acordado indiferente ao clássico. Ao olhar a forma como Marselha cresce do Mediterrâneo pelas encostas, tudo leva a crer que a topografia da cidade aponta sempre em direção ao porto, verdadeiro coração da mais velha cidade de França. 
     
    Logo pela manhã, enquanto os mais novos regressam a casa e as brigadas de limpeza apanham garrafas e lixo dos passeios, após uma noite de folia, os mais velhos tomam a direção da lota. Nas ruas envolventes do Port Vieux, as padarias produzem os afamados croissants, pains au chocolat e as mais diversas viennoises que fazem as delícias dos mais gulosos.
     
    No porto, o bulício matinal toma conta das gentes. Baldes de água são lançados sobre os convés de madeira, as gaivotas espreitam curiosas as aparas e os restos que pescadores e vendedores de peixe vão jogando ao mar. Nada faz antever um dia diferente.
     
    Aos poucos, o passeio que contorna a marina vai-se compondo de barracas e vendedores que tornam o deambular pelo porto um deleite dos sentidos. Aqui e ali há sinais do Olympique: uma camisola gasta, um ocasional barrete ciel et blanc ou um "Droit au But" pintado na proa de um barco, provam o amor inequívoco da cidade pelo seu clube.
     
    Enquanto locais e turistas flaneiam por entre as bancas, a vizinha estação de metro ora engole, ora despeja multidões aceleradas para o Quais de Belges, onde um grupo de jovens artistas magrebinos prepara mais uma ação da Marselha-Provença 2013, capital europeia da cultura. Entre eles há um Neymar, um Ribéry e um Cristiano Ronaldo, mas nenhum Ayew, Valbuena ou Mendy...
     
    À espera do comboio de Paris
     
    Resolvemos mudar de palco e sentir o pulsar da cidade na Gare de Saint Charles. Milhares cruzam este espaço diariamente e este primeiro domingo de outubro não é exceção.
     
    Entre as muitas lojas que vendem as mais diversas necessidades de última hora do viajante menos precavido, há também um pequeno espaço do Olympique, que vende do mais recente modelo da camisola alternativa do L'OM até baldes de praia para as crianças e aventais de cozinha. O espaço encontra-se vazio, e ao balcão, uma jovem parece pensar em tudo menos no clássico de mais logo.
     
    A dois passos encontra-se uma fila considerável em frente de uma famosa marca de fast food, enquanto  do outro lado do corredor, se forma uma outra pequena fila de interessados em tocar num piano, que a companhia que gere os caminhos-de-ferro franceses colocou à disposição de quem o queira tocar.
     
    Enquanto mantínhamos um  olho no quadro informativo para sabermos quando chegava o próximo TGV de Paris, três pianistas - todos homens - assomaram-se do instrumento, «conduzindo» a estação por um reportório clássico que incluía os incontornáveis Mozart, Bach e Beethoven, mas também os franceses como Fauré ou Debussy e o mais francês dos não franceses, Frédéric Chopin, além de uma inesperada e curiosa interpretação de Gainsbourg.
     
    E era precisamente quando se ouvia La Décadanse - o que estava longe de ser uma provocação - que chegou, com uma pontualidade britânica - o TGV proveniente da Cidade ##Luz. Perscrutando os passageiros apressados, encontramos um Messi e um Benzema, mas nem sinal de um supporteur do PSG...
     
    Notre Dame de la Garde 
     
    Mudando a localização para a majestosa catedral que coroa a Baía de Marselha, encontramos o primeiro - corajoso - Ibra a passear-se orgulhoso com o número «dez» estampado nas costas. 
     
    Seria a passagem descontraída do parisiense que provocou o primeiro «Allez L'OM» do dia. Pouco depois, no regresso ao porto, o metro já dava sinais da aproximação de um grande jogo. Grupos de adeptos acotovelavam-se para caberem nas carruagens.
     
    As pequenas sardinhas que decoravam algumas estações - mais uma exposição da capital europeia da cultura - pareciam fazer jus àquela mole que se apertava em direção ao Vélodrome. Mais desafogados, seguíamos no percurso inverso, ouvindo aqui e ali o inconfundível mote de guerra marselhês: Allez L'OM! 
     
    Aquecimento 
     
    Aproximando-se a hora do jogo, com as barrigas reconfortadas, os marselheses começam a encher os bares e as esplanadas com ecrãs de dimensão considerável. Atravessamos o Quai de Rive Neuve, procurando o lugar ideal para sentir o pulsar do «clássico». O pub irlandês O'Malley's batia a concorrência, com um ecrã gigante e três televisores distribuídos estrategicamente pelas quatro paredes para que ninguém perdesse pitada do jogo. Lá fora mais dois ecrãs e uma multidão de copo de cerveja na mão aguardavam o pontapé de saída. 
     
    «O Olympique sempre foi grande! Somos os únicos campeões da Europa em França!» dizia-me orgulhoso Laurent, enquanto batia no coração onde está guardado o seu amor incondicional pelo L'OM. Ao seu lado, um rapaz que não se identificou, indiferente ao bigode de espuma de cerveja que exibia, lembrava-me «que o dinheiro um dia acaba. Depois quero ver como elas mordem, quando voltarem a ser a mesma m#rda que sempre foram!» Laurent anuiu com um sorriso, acompanhado de um ou outro impropério. 
     
    O primeiro grande momento da noite chegou quando a imagem de Ibra apareceu pela primeira vez durante o aquecimento.«Salope! Con!» e todas as demais simpatias lhe foram votadas. Se havia dúvida, estava encontrado o inimigo número um das boas gentes de Marselha.
     
    A ligação portuguesa
     
    O dinheiro é apontado como a grande arma dos parisienses, «malheureusement», lembrava Laurent que acrescentava que «agora também aqueles ridículos do Monaco compram tudo e todos». «Estão a matar o futebol!» gritou o amigo sem nome - e já sem bigode -.
     
    «Você é português, não é? Pois olhe que o Monaco foi lá buscar um bom jogador, aquele baixinho, o Mourinho!». «Moutinho» corrigimos nós, «Sim, Moutinho», mas em breve voltaria a ser confundido com o Special One.
     
    «Ele é bom» acrescentava um amigo que se tinha juntado à conversa. «Raramente falha um passe. Classe! Mas já o Carvalho é velho. Foi bom! Mas agora é como o Abidal...»
     
    Mas deixemos o Monaco que o jogo está quase a começar. Os parisienses são vaiados um a um, o único que se safa é o treinador Laurent Blanc, por certo devido à sua passagem pelo Vélodrome no fim dos anos 90. 
     
    O jogo é chato, é o que a maioria dos presentes parece expressar, tanto por palavras como por gestos. O L'OM manda no jogo mas não convence os adeptos. Parece tolhido pelo medo de falhar.
     
    O PSG na expetativa, vai espalhando as suas peças no relvado, tentando envolver os marselheses com o seu «nó górdio». No O'Malley's, as movimentações de Lavezzi, Cavani e Ibrahimovic provocam o pânico, que muitos tentam disfarçar com mais uma cerveja ou o habitual roer de unhas.
     
    Primeiro penálti 
     
    O arquirrival impunha respeito, mas os jogadores do Olympique sentiam que podiam «vergar» a constelação milionária e multinacional do xeque Nasser Al-Khelaïfi. O Vélodrome parecia um vulcão e o O´Malley´s era uma pequena réplica do estádio.
     
    Valbuena bate um livre e Sirigu consegue defender, um bruá faz tremer as paredes do bar. Em seguida, Imbula lança Mendy pela esquerda, este cruza de primeira para André Ayew que permite a defesa de Sirigu, a bola sobra para Valbuena, mas o italiano volta a segurar o empate. 
     
    Quando o relógio marcava trinta minutos Thiago Silva comete uma falta escusada sobre Valbuena e o juíz não hesitou em apontar para a marca de onze metros, expulsando de seguida o italo-brasileiro. 
     
    O penálti eletrizou o ambiente. Os visitantes protestavam com o árbitro, perante o coro de indignação dos espetadores. Mas a sala foi ao rubro quando Ibra surgiu em destaque a protestar no ecrã, respondendo em coro com um esclarecedor: «Ta Gueule!». Ibra não se calou, Turpin deu ordem para se bater a grande penalidade e André Ayew iludiu Sirigu, e um enorme «Ouaaaaaaiiiiiiiiii!» ecoou pela sala.
     
    Empate e reviravolta
     
    O jogo parece estar decidido. O PSG, com menos um, sente que os marselheses procuram o segundo golo que resolve a contenda. Blanc lança Rabiot para o lugar de Lavezzi. O argentino não sai lá muito satisfeito, para gáudio da clientela do O´Malley´s.
     
    Quando o intervalo estava quase a chegar, Maxwell sobe mais alto que Mandanda e reestabelece a igualdade. Um enorme balde de água fria cai sobre toda a cidade...
     
    Turpin apita para o descanso e o bar esvazia-se, com a maioria dos adeptos a preferirem ir apanhar ar junto ao porto, enquanto outros aproveitam para fumar. Laurent abana a cabeça em desaprovação, após rever uma, duas, três vezes, o lance do golo do empate. Mandanda é o óbvio culpado do golo, não há como contornar o facto.
     
    No regresso da pausa do cigarro, os rapazes mostram desconfiança quanto às possibilidades do L'OM, o golo sem dúvida que afetou o moral, e a exibição menos conseguida dos marselheses nos primeiros dez minutos do segundo tempo só confirma os temores de Laurent e companhia.
     
    Aos 65 minutos, após uma defesa incompleta de Mandanda, André Ayew comete um penálti absurdo sobre Marquinhos. Um gélido «Nooooon!» ecoa pela sala como um espetro. Silêncio de morte, Ibra fita a bola e depois fita Mandanda. Desta feita não há assobios e só aqui e ali é que se houve um tímido insulto.

    O sueco parte para a bola e faz o golo, corre para a linha lateral e manda calar os adeptos. O O´Malley's reage... mas por pouco tempo. A descrença é completa e muitos abandonam o bar e já não assistem aos últimos instantes da partida.
     
    Para os que ficam, o Olympique mostra uma constrangedora incapacidade de reação, mesmo jogando contra dez. Por todo o bar há mãos na cabeça, gente cabisbaixa, unhas roídas até ao sabugo. Quando Turpin apita para o fim, os parisienses festejam no relvado, enquanto no bar é a debandada.

    «Je m'en fou» diz o amigo do bigode de cerveja, Laurent encolhe os ombros. Cá fora, subindo a Rua do Forte Notre Dame, ecoa mais uma vez o «Allez L'OM», é o amor que vence qualquer derrota.

    Comentários

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    motivo:
    RE
    golden_lynx
    2013-10-15 11h45m por reservoir
    Na verdade discordo quase totalmente da análise. É um facto que há rivalidade, mas está a anos luz de um Benfica-Porto ou de um Benfica-Sporting. Primeiro porque o PSG é um clube bastante mais recente que Benfica ou Porto. Segundo porque o campeonato francês é o oposto completo do português. Apesar de nos últimos anos se ter assistido a uma hegemonia do Lyon e agora do crescimento do PSG e Mónaco, nos últimos 20 anos meia Ligue 1 já foi campeã. Lyon, Monaco, Marselha, Bordéus, Auxerre...ler comentário completo »
    VD
    Marselha
    2013-10-14 21h16m por vdef
    De momento, não têm pedal para um super PSG.
    O. Marseille
    2013-10-14 19h39m por Dusan
    Um histórico que voltará a erguer-se quando o poder do dinheiro deixar de mandar no futebol.
    O. Marseille
    2013-10-14 19h23m por Dusan
    Um histórico que voltará a erguer-se quando o poder do dinheiro deixar o futebol.
    PSG x Marselha
    2013-10-14 18h18m por golden_lynx
    É em todo uma rivalidade parecida com a Porto-Benfica. Temos o clube da capital, a cidade mais importante do país onde reina os serviços mais importantes, a moda e os monumentos mais conhecidos e temos o clube da 2ªcidade mais importante que faz do porto e da cultura as principais referências. Curioso que a 1ª vez que ouvi falar desta rivalidade foi no filme "Taxi" xD. Excelente Zerozero, continuem a fazer artigos assim ;)
    GR
    Sem duvida
    2013-10-14 18h18m por greatscotch_regressa
    «que o dinheiro um dia acaba. Depois quero ver como elas mordem, quando voltarem a ser a mesma m#rda que sempre foram!»

    O Marseille é um clube gigantesco, o que é o PSG ao pé do Marseille em termos de história e títulos? NADA.

    Quando o dinheirinho acabar, vamos ver o Psg a lutar por 5ºs lugares outra vez e o gigante Marseille a mostrar porque é o maior clube francês de SEMPRE
    jogos históricos
    U Domingo, 06 Outubro 2013 - 20:00
    Orange Vélodrome
    Clément Turpin
    1-2
    André Ayew 34' (g.p.)
    Maxwell 45'
    Zlatan Ibrahimovic 66' (g.p.)
    Estádio
    Orange Vélodrome
    Lotação67394
    Medidas105x68m
    Inauguração1937