No fim da tarde de 24 de abril de 1974, o Sporting jogava em Magdeburgo, então República Democrática Alemã. Os lisboetas chegavam, pela segunda vez no seu historial, à meia-final de uma competição europeia, precisamente dez anos passados da primeira vez em que haviam eliminado o Olympique Lyon para chegarem à final contra o MTK Budapeste e conquistarem a Taça dos Vencedores das Taças.
Na primeira mão, em Alvalade, os leões tinham empatado a uma bola com os alemães de leste e partiam para Magdeburgo obrigados a vencer ou a conseguir um empate com mais de dois golos para voltar a disputar uma final da Taça das Taças.
Ao mesmo tempo que o Sporting ia disputando o jogo na RDA, em Portugal, sportinguistas e adeptos de outros clubes assistiam pela RTP à transmissão em direto da partida. Um caso raro nesses tempos, longe de imaginarem o que o Movimento dos Capitães ultimava.O Sporting estava a cumprir uma época de sonho - culminaria com a dobradinha -, mas à partida para Magdeburgo perdera Dinis e Yazalde, as duas grandes referências do ataque. Pommerank primeiro e Sparwasser - que marcaria um golo histórico poucos meses depois - adiantaram os alemães de leste. Tomé ainda reduziu para o Sporting, mas era tarde demais. Os leões estavam fora de prova e diziam adeus à Europa...
E depois do adeus...
Entretanto, às 22h55, os Emissores Associados de Lisboa colocaram no ar a canção «E Depois do Adeus» interpretada por Paulo de Carvalho que recentemente vencera o Festival RTP da Canção. Era a senha para o arranque de uma operação militar...
Às 00h20, o programa «Limite» da Rádio Renascença transmitia a segunda senha do MFA, a canção «Grândola Vila Morena» da autoria de Zeca Afonso. A revolução estava em marcha e era irreversível. Em diversos pontos do país saíram para a rua as unidades militares que ocuparam os pontos estratégicos em Lisboa e também no resto do país.
Enquanto a comitiva sportinguista regressava em direção a Berlim Ocidental, na cidade de Lisboa, o Movimento das Forças Armadas (MFA), com o centro de operações estabelecido no Quartel do Regimento de Engenharia 1 na Pontinha, dava início ao golpe que acabaria por derrubar a mais velha ditadura da Europa.O mais longo regresso
Mais tarde nessa noite, na fronteira entre as duas Alemanhas - o emblemático Muro de Berlim -, a comitiva leonina teve conhecimento do que se passava em Lisboa. João Rocha, então presidente, depois de falar com as autoridades alemãs informou a comitiva de que havia um golpe de estado em Portugal. Mas as informações rareavam e nem sequer havia confirmação de que era verdade. Jogadores e equipa técnica não levaram muito a sério a situação.
Vitorino Bastos recordou esse momento: «Estávamos na desportiva: 'Isto deve ser tanga!'. Ninguém acreditava que havia um golpe de Estado em Portugal. Não imaginávamos uma coisa daquelas, pois não estávamos preparados. Principalmente porque não tínhamos contacto com a família».
A viagem continuou via Frankfurt, onde as notícias começavam a preocupar verdadeiramente a comitiva. «Mas quando chegámos à Alemanha Ocidental, a Frankfurt, aí é que ficámos mais preocupados porque nos foi transmitido que a BBC estava a dizer que havia milhares de mortos e centenas de milhar de feridos», confessou Tomé.
As ligações para Portugal estavam suspensas e ninguém conseguia estabelecer nenhum contacto telefónico com Lisboa. João Rocha conseguiu arranjar lugar para todos num voo para Madrid, seguindo depois a comitiva de autocarro em direção a Badajoz.A viagem foi longa e os jogadores, cansados, aguentaram estoicamente a viagem. As notícias de tanques nas ruas de Lisboa, que tinham ouvido em surdina em Barajas, tinham deixado a comitiva alarmada.
Em Badajoz, com a fronteira do Caia fechada, foi preciso encontrar alojamento para todos e alguns tiveram que dormir no próprio autocarro. João Rocha tentava por todos os meios contactar quem em Lisboa pudesse desbloquear a situação.
Às oito da manhã do dia 26, toda a comitiva estava na fronteira para tentar voltar a entrar no país. João Rocha finalmente conseguiu entrar em contacto com o General Spínola e a comitiva do Sporting recebeu autorização para atravessar a fronteira.
Rapidamente se deslocou para Lisboa, onde um dia depois tinha um jogo com o Belenenses, em Alvalade. Apesar de todas as peripécias e da revolução, o jogo realizou-se e foi o primeiro dérbi lisboeta disputado em liberdade perante bancadas vazias. O povo de Lisboa estava na rua festejando a liberdade e a democracia. Nesse contexto o futebol estaria longe de ser uma prioridade...
2-1 | ||
Jürgen Pommerenke 9' Jürgen Sparwasser 70' | Marinho 78' |