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Biografia

Silvio Berlusconi: Il Cavaliere

Texto por João Pedro Silveira
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«Io sono il Gesù Cristo della politica.» (1)

- Silvio Berlusconi, 13 de fevereiro de 2006

Como que saído da Comedia dell´arte, Berlusconi seria por certo uma caricatura exagerada do self-made man italiano, se fosse uma personagem de fição... Mas Berlusconi não é ficção, é para o bem e para o mal um homem de «carne e osso», produto da mesma Itália que ora o encara como um salvador, ora olha como a encarnação de uma tragicomédia que se desenrola no dia-a-dia. Ao olhar Berlusconi, a Itália não pode deixar de sentir a desconfortável sensação de se olhar a si mesma ao espelho...

Esta é a história do homem de negócios, dono de um império de comunicação social, político profissional, presidente de um clube de futebol, Berlusconi, il Cavaliere, o homem que quando era jovem sonhava ser um cantor de charme, e que acabou a cantar juras de amor a Itália.

Os primeiros anos

Filho de Luigi Berlusconi, um empregado bancário e de Rosa Bossi, uma dona de casa, nasceu a 29 de setembro de 1936, em Milão, a cidade que o viu crescer, juntamente com os seus irmãos mais novos, Maria Fracesca e Paolo.

Os seus primeiros anos foram passados numa Itália destruida pela II Guerra Mundial. Vencida e militarmente ocupada, a Itália onde Silvio crescia, era um país atrasado e que vivia da ajuda economica americana. Em casa, a educação burguesa dos pais, provocava-lhe desconfianças sobre os comunistas.

Ao domingo era dia de ir à Missa pela manhã, na companhia da mãe e dos irmãos; à tarde, já era o pai que o guiava pela mão a San Siro, para admirar a magia do trio sueco: Gre-No-Li (Gren, Nordahl e Liedholm), o primeiro tridente estrangeiro que fez história com a camisola rossonera. O segundo, chegaria muitos anos mais tarde a Milão e faria história, superando os feitos do trio sueco. O responsável pela sua vinda seria Berlusconi...

Estudou nos Salesianos antes de fazer Direito na Universidade estatal de Milão, enquanto tocava contrabaixo numa banda com amigos, ou cantava em cruzeiros pelo Mediterrâneo. 

A música, seria juntamente com a política e o futebol, uma das grandes paixões da vida de Silvio, ao ponto de ter gravado um disco de canções napolitanas de amor, e ter sido o co-autor do hino do AC Milan e da Forza Italia, o seu partido político.

A figura

Durante décadas, nos negócios, na comunicação social e mais tarde no Calcio, o poder de Berlusconi cresceu até se tornar uma poder incontornável em Itália, o que obrigava a seguir a única via que até aí não tinha trilhado: a política. A 26 de janeiro de 1994 anunciava a sua «entrada no campo», nas suas próprias palavras, e meses depois era Primeiro-Ministro, apesar das nuvens negras e da acusação que se escondera na política para se refugiar de uma acusação e detenção iminente.

Silvio Berlusconi, Il Cavaliere, uma figura incontornável da Itália moderna.
Começava assim o seu primeiro mandato, o mais curto de todos, durando de maio de 1994 a janeiro do ano seguinte, vítima de rumores, e do retirar do apoio político por parte da ultra-nacionalista Lega Nord de Umberto Bossi.

Perderia as eleições seguintes para o rival, o socialista Romano Prodi, e voltaria a fazer uma travessia do deserto, aproveitando para se centrar nos negócios e no AC Milan. Considerando-se acossado, e um etenro perseguido, anos depois, e antes de se comparar ao próprio Jesus Cristo, Berlusconi já se identificara com Napoleão Bonaparte. «Apenas Napoleão fez mais do que eu fiz. Mas eu sou definitivamente mais alto», afirmou, brincando com a dimensão do conquistador francês.

O peculiar sentido de humor, um coração muito próximo da boca, valeram a Berlusconi alguns amargos de boca. Acusações de ignorância, xenofobia, racismo até, machismo ou misogenia, acompanharam a carreira política do il Cavaliere. Odiado, verdadeiramente odiado pela esquerda italiana, acabou por ser satirizado, da música ao cinema, das manifestações de rua às quatro linhas, Berlusconi tornou-se um alvo fácil e consensual, das diversas oposições em Itália. 

A vida profissional de Silvio começou no negócio da construção com o projeto urbanístico Milano Due, de onde conseguiu o financiamento para a sua agência de publicidade. Em 1973 adquiriu o canal Telemilano e lançou-se no negócio de televisão, cinco anos depois nascia a Fininveste(2). Os anos seguintes viram o crescimento do império, que se consumou com a aquisição do AC Milan, a 20 de fevereiro de 1986.

A voar até San Siro

Podia ser uma cena saída do Apocalypse Now: no ar aproxima-se um helicóptero acompanhado pelo som da «Cavalgada das Valquírias» de Richard Wagner, nas bancadas a multidão aplaudia, efusiva, a chegada do novo líder. Com ele, e dentro do helicópetro, chegavam os craques. Apresentados, um a um, para delírio dos adeptos rossoneri

A chegada de helicóptero a ##Milanello, a imagem de marca da presidência Berlusconi.
O clube que descera duas vezes de divisão nos primeiros anos da década de oitenta, vivia dos feitos passados. Com Berlusconi, o Milan tornava-se o paradigma do sucesso, conquistando troféu atrás de troféu, tornando-se, juntamente com o Boca Juniors, o clube com mais títulos internacionais conquistados.

Entre outras conquistas, debaixo do consulado de Il Cavaliere, o Milan conquistou oito scudettos, ganhou cinco Taças/Liga dos Campeões e foi campeão do Mundo por três vezes. Durante anos, o Milan tornou-se no dominador do futebol transalpino e europeu.

Os detractores da sua gestão, acusavam-no de ter colocado o clube em segundo lugar quando se tornou Primeiro-Ministro. Em 1995, aquando do primeiro mandato, o clube efetivamente não só perdeu o scudetto (era tricampeão) como pela primeira vez desde 1988, não ficou nos dois primeiros lugares.

No novo milénio, radicado em Roma, acabou por ver o AC Milan perder o domínio do futebol nacional, primeiro para Juventus e depois para o Inter. E na Europa, apesar de mais duas conquistas, viu o seu Milan ser ultrapassado pelo Manchester United, Real Madrid e FC Barcelona.

Os imortáis e os invencíveis
 
Do seu longo «reinado», apesar das conquistas na era Ancelotti (2002-2009), destacam-se duas equipas que ficaram na história: os Immortali e os Invicibili

A primeira equipa, com Arrigo Sacchi à frente, fez história. Com o tridente holandês van Basten, Gullit e Rijkaard, foi uma máquina de jogar futebol que encantou a Itália e a Europa.

Gli immortali (os imortais): Rijkaard, van Basten e Gullit.
Roubou a coroa de campeão ao Nápoles de Maradona, sagrou-se campeão europeu goleando o Steaua de Bucareste por 4x0 na final em Barcelona, e um ano depois bateu o Benfica em Viena por 1x0.

Seguiram-se os invencíveis de Fabio Capello: Franco Baresi, Alessandro Costacurta e Paolo Maldini comandavam uma das melhores defesas da história, o francês Marcel Desailly e Roberto Donadoni seguravam o meio campo, onde se soltava o génio de Dejan Savićević e Zvonimir Boban, e lá na frente o instinto de Daniele Massaro. Tricampeões italianos, chegaram a três finais da Champions consecutivas, perdendo a primeira para os franceses do Olympique de Marseille e a última para os holandeses do Ajax.

Campeões invictos em 1991/92, conseguiram o impressionante feito de não perderem nenhuma partida durante 58 jogos, culminando a sua era dourada, com uma vitória por 4x0 na final da Champions, em Atenas, contra o super Dream Team que Cruijff comandava em Barcelona.

Regresso a Roma

Enquanto o Milan vivia momentos de sucesso, Berlusconi tentava recuperar a sua boa estrela na política. Quebrada a aliança com Bossi, restou-lhe aguardar o fim do governo de Romano Prodi, que entretanto se mudará para a Comissão Europeia em Bruxelas.

Silvio não hesitou, recandidatou-se e em 2001 voltou a vencer as eleições, iniciando o seu segundo mandato, que duraria até 2006, ano em que voltou a perder para Prodi, numas eleições disputadíssimas que dividiram a Itália ao meio (3).

Aproveitou então para unir o centro-direita italiano, preparando-se para novas eleições, regressando à sua Milão e ao Milan, onde voltou a presidir o clube, liderando os rossoneri em mais uma conquista europeia, numa equipa em que brilhavam Kaká, Nesta, Seedorf, Dida, Inzaghi e Paolo Maldini, o último imortal e invencível a pendurar as botas...

Apesar do seu enorme sucesso à frente do AC Milan, também no futebol viveu em polémicas. Por mais do que uma vez surgiram especulações que Berlusconi ordenava os seus treinadores a alinharem com um determinado onze ou determinada tática. Tal situação foi sempre negada pelos intervenientes, mas pelo historial de Silvio, não custa a acreditar que seja verdade...

O Caimão

De regresso ao poder, à frente do PdL, o novo partido que unificara a direita italiana, Berlusconi governa com feroz oposição. O país encontra-se dividido, os escândalos políticos, económicos e sexuais rebentam quase semanalmente na imprensa italiana.

Durante o seu consulado, o AC Milan tornou-se juntamente com os argentinos do Boca Juniors o clube com mais títulos internacionais conquistados.
Nanni Moretti, saritariza Berlusconi no seu novo filme, O Caimão. Silvio tenta travar a exibição do filme, mas não consegue, o filme estreia muito próximo das eleições que Silvio, apesar de tudo, vence sem dificuldades...

A economia italiana começa a travar, a governação é posta em xeque e Berlusconi começa a refugiar-se regularmente na sua villa particular na Sardenha. Apesar de «escondido», parece que tudo em que toca dá brado. Escândalos e gaffes vão se somando. O caso Rubygate, as festas Bunga-Bunga na Villa Certosa, as polémicas com Merkel, tudo vai desgastando a imagem de Il Cavaliere que chega a ser agradedido com uma réplica da Catedral de Milão durante uma visita à cidade. Perde dois dentes, parte a cabeça. O seu rosto sangrando, rodeado de carabinieri, amparado a caminho do hospital mostra a Itália e ao mundo a sua fraqueza. A sua estrela empalidece...

Gli Immortali
 
Gli Invicibili
Gli Immortali
 
Gli Invicibili

De Verdi a Handel: o fim de cena

Cómico e contudo dramático, tal qual uma personagem de uma Ópera-bufa de setecentos, Berlusconi, viu o último ano do seu terceiro mandato (5) ficar marcado simbolicamente por dois momentos musicais:

O primeiro acto teve lugar em Roma, a 12 de março, no Teatro dell'Opera, durante a apresentação do «Nabucco» de Giuseppe Verdi, parte das celebrações dos 150 anos da unificação italiana. No fim da interpretação, durante o III acto, quando o coro cantava o Va Pensiero (6), a sala, cheia, acompanhou o coro e a orquestra dirigidos pelo Maestro Riccardo Muti, que emocionado fez um discurso em que lembrava a passagem da letra «Oh mia Patria sì bella e perduta!» (7). A Itália clamava pela saída de cena de Il Cavaliere, que resoluto, não abria mão do poder e afundava com ele o governo e o país, até ao limite em que se viu obrigado a apresentar a demissão ao Presidente Giorgio Napolitano. 

Passagem de testemunho: Silvio Berlusconi entrega um pequeno sino a Mario Monti, um presente de Il Cavaliere ao novo primeiro-ministro e à Itália.
No dia da sua demissão, em frente do Palácio do Quirinal, residência oficial do Presidente de Itália, os populares cantaram o «Hallelujah» do «Messias», o famoso oratório de Handel, festejando o fim do consulado Berlusconi. A Itália estava farta de Silvio, e Silvio parecia estar farto de um país que considerava não o compreender, nem merecer (8)...

Voltou para Milão, enquanto em Roma, Mario Monti ascendia a presidência do governo. De volta a casa, enquanto planeava um possível regresso à cena política, voltou à presidência do seu AC Milan.
 

Ainda assim, Berlusconi nunca abandonou completamente a vida pública: para além de ser o proprietário do Monza (clube da zona da Lombardia que alinha nos escalões inferiores italianos) desde 2018, foi eleito eurodeputado em 2019, tornando-se o mais velho no Parlamento Europeu.

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(1) - «Eu sou o Jesus Cristo da política.»
(2) - O grupo Fininvest é um holding que é proprietrária de um conjunto importante de companhias em diversas áreas como a Mediolanum (seguros e banca), a Medusa (cinema), Mondadori (publicidade), AC Milan (futebol) e Mediaset (comunicação e TV, detentora de três canais em Itália, dois em Espanha,

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