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    Liga Portuguesa 1993/94
    Grandes jogos

    Sporting x Benfica: A magia de JVP

    Texto por João Pedro Silveira
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    «Adoramos a perfeição, porque não a podemos ter; repugna-la-íamos se a tivéssemos. O perfeito é desumano porque o humano é imperfeito»

    - Bernardo Soares, in Livro do Desassossego.

    A noite que podia ser de glória para o leão acabou por se transformar num pesadelo leonino, enquanto a águia, rampante, brilhante numa noite gloriosa, conquistou, na casa do eterno rival, a goleada mais saborosa de todas. 3x6! Ou «a perfeição», segundo João Vieira Pinto...

    Um dia depois dos católicos celebrarem o milagre de Maria em Fátima, em maio de 1994, os benfiquistas rumaram a terreno inimigo para confirmarem com os seus próprios olhos muito mais do que um milagre. Confirmaram, em pleno relvado do José de Alvalade, a consubstanciação de João Vieira Pinto (JVP) e a perfeição futebolística. É por isso que o 14 de maio está para o universo benfiquista como o natal está para os cristãos ou o 25 de abril para os amantes da liberdade. Porque, nessa mesma noite, o Benfica foi esmagador, imperial e vencedor incontestado sobre aquele que provavelmente foi um dos melhores Sportings da história...

    Caminhos para o dérbi

    A corrida para a vitória no campeonato estava a ser disputada taco a taco por águias e leões, com a perseguição portista há muitas jornadas. Com maior ou menor dificuldade, Sporting e Benfica ultrapassavam os adversários e prometiam fazer a luta durar até ao fim. Ao FC Porto parecia reservado o papel de observador.

    Longe, mas não esquecido, estava o Verão Quente do ano anterior, em que Paulo Sousa e Pacheco trocaram a Luz por Alvalade fruto dos problemas financeiros dos encarnados, que conseguiram evitar que também João Vieira Pinto fizesse esse trajeto.

    Na 27ª jornada, os leões perderam nas Antas, por 2x0, num jogo em que Carlos Valente expulsou Vujacic, Peixe e Juskowiak. O leão podia queixar-se da arbitragem, mas também podiam ser apontados os tiros dados no próprio pé, como a discussão entre Paulo Sousa e Carlos Queiroz ao intervalo, no balneário das Antas, que obrigou o treinador a abdicar do médio-defensivo para a segunda parte quando o resultado estava ainda em 0x0 e o Sporting já jogava com menos um. O resultado penalizou os leões, que ainda perderam Peixe e Juskowiak para o dérbi seguinte... 

    Curaram as feridas, batendo o Estoril por 3x1 em casa e goleando o Beira-Mar no Mário Duarte por 0x4, enquanto o Benfica, depois de vencer no Restelo, escorregou em casa com o Estrela da Amadora (1x1). O leão sorria e voltava a estar a um ponto a uma semana antes do dérbi.

    O grande dia

    Se Juskowiak podia ser substituído por Cadete, Peixe, que estaria incumbido de «guardar» JVP, fazia muita falta a Queiroz. Do outro lado, Toni tirava Rui Costa da lista dos eleitos e fazia subir Kennedy no terreno, voltando a colocar o veterano Veloso no onze. 

    O Benfica era uma equipa de respeito, que contava com jogadores de classe como Isaías, Aílton, Mozer, Schwarz e JVP. Já o Sporting, não pedia meças ao rival, com uma equipa com nomes que ainda hoje farão suspirar os simpatizantes do leão: Luís Figo, Krasimir Balakov, Stan Valcxx, Paulo Sousa...

    O favoritismo, como convém no «clássico dos clássicos», era repartido, mas com um pequeno ascendente para os da casa, sedentos de uma glória que já lhes escapava há doze anos. Os leões estavam cientes do significado da vitória e de se isolarem no primeiro lugar da tabela a quatro jornadas do fim...

    Os benfiquistas chegavam ao grande jogo acossados por críticas. No caminho até Alvalade, o mar verde e branco de esperança, bandeiras e cachecóis do Sporting, estava em todo o lado. JVP, em silêncio, no banco do autocarro benfiquista, cogitava uma espécie vingança...

    Pontapé de saída

    Entre sessenta a setenta mil - os números são inconclusivos - almas presenciaram o pontapé de partida do grande dérbi apitado por António Marçal num fim de tarde chuvoso em Lisboa.

    O Sporting entrou a todo o gás, empurrando o Benfica às cordas e chegando ao golo através de Jorge Cadete na sequência de um canto. Alvalade parecia um vulcão e os leões vitoriavam a sua equipa. O Sporting, seguro, trocava a bola ao som de «olés» que chegavam das bancadas.

    Tudo corria bem para os da casa, até que JVP apanhou a bola já no meio-campo leonino, fugiu a Paulo Sousa e, a mais de trinta metros, chutou para um golo de antologia. Contra o corrente de jogo, o Benfica empatava com um golo do outro mundo... 

    Cinco minuto depois, no seguimento de um livre curto, Balakov apontou o livre e, na pequena área, Luís Figo cabeceou para o fundo das redes de Neno. Dois minutos depois, um slalon de JVP bateu Vujacic e, com um remate cruzado, bateu Lemajic. Sporting 2, JVP 2! O Benfica voltava a empatar!

    Aos 44', Aílton marcou um livre para a direita, Paneira cruzou para o segundo poste e Isaías cabeceou para trás onde, JVP, de cabeça, fez o hat-trick. 2x3! A multidão em Alvalade não queria crer no que os seus olhos viam. No resto do país, pela televisão, um país apaixonado vibrava com o jogo dos jogos...

    Uma substituição para a história

    Chegou o intervalo e o Sporting tinha de inverter a história. Queiroz arriscou e resolveu trocar Paulo Torres por Pacheco. Em Alvalade, houve quem abanasse a cabeça, temendo a avenida que se podia abrir para a ala direita encarnada.

    Três minutos depois do recomeço, Vítor Paneira correu pela direita - Paulo Sousa ficou fora do lance -, cruzou, JVP deixou passar a bola e Isaías fuzilou Lemajic. Aos 57', JVP fugiu, obviamente pela direita, a defesa sportinguista tentou compensar o buraco à esquerda, desequilibrou-se e o '8' benfiquista aproveitou para romper e cruzar para Isaías fazer o seu segundo - e o quinto dos encarnados.

    Os benfiquistas festejavam a goleada histórica! Alvalade não queria acreditar. Queiroz percebeu a dimensão colossal do seu erro tático e mandou avançar Poejo para o lugar de Iordanov. O jogo estava perdido e o Sporting já não conseguia encontrar-se em campo, mas o Benfica não parava e, vaga atrás de vaga, ameaçava fazer mais estragos.

    Aos 74 minutos foi a vez de Hélder, o central, fazer um golaço e festejar o sexto do Benfica. A humilhação estava confirmada e o sete, um número místico nesta coisa de jogos entre o Sporting e o Benfica, ameaçava ser repetido.

    O Sporting, num último assomo de orgulho, cerrou fileiras e ainda reduziu, de penálti, por Krassimir Balakov. 3x6. Resultado final. O país benfiquista exultou como João Vieira Pinto, o «Menino d´Ouro» e orgulho dos benfiquistas que calou Sousa Cintra, o presidente leonino que um ano antes o apelidara de mercenário. A vingança estava servida. A Bola atribuiu pela primeira vez a nota 10 num jogo a um jogador.

    João Vieira Pinto saiu do massacrado relvado do velhinho Alvalade, vitoriado pelos colegas. Nas bancadas, entretanto semi-desertas, alguns adeptos sportinguistas choravam enquanto aplaudiam os seus vencidos heróis. Esta era a sina do Sporting: a de chorar por perder mais uma vez uma batalha decisiva no seu estádio...

    Comentários

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    motivo:
    Lapso no texto
    2020-05-14 13h54m por brunoafn
    Quem subiu no terreno para entrada do Veloso, foi o Paneira. O Kenedy jogou a defesa esquerdo e o Schwarz a meio campo.
    JVP
    2016-03-14 11h49m por slb_pride
    Derreteu a defesa dos lagartos com uma monstruosa exibição. Pena uns anos depois o Benfica ter sido minado por dirigentes de tão fraco nível, caso contrário este magnífico jogador teria terminado a carreira no SLB como ele e todos os benfiquistas desejavam. Mas pronto, a história essa já não se pode mudar.
    AM
    Derby
    2012-12-10 22h47m por amq55
    Sou portista, mas sinto falta de dérbies assim. Estádio cheio, comentários decentes e jogos tremendos.
    ZEROZERO
    2012-12-10 19h32m por EmfrenteSporting
    podem-me tirar o ban do chat sff?
    jogos históricos
    U Sábado, 14 Maio 1994 - 00:00
    Estádio José Alvalade (1956)
    António Marçal
    3-6
    Jorge Cadete 8'
    Luís Figo 35'
    Krasimir Balakov 80' (g.p.)
    João Vieira Pinto 30' 37' 44'
    Isaías 48' 57'
    Hélder Cristóvão 74'
    Estádio
    Estádio José Alvalade (1956)
    Lotação75200
    Medidas105x68
    Inauguração1956