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    Bill Shankly: o Senhor Liverpool

    Texto por João Pedro Silveira
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    «Algumas pessoas acreditam que futebol é questão de vida ou morte. Fico muito decepcionado com essa atitude. Eu posso assegurar que futebol é muito, muito mais importante

    - Bill Shankly 

    Bill Shankly é o pai do grande Liverpool dos anos 70 e 80. Treinador carismático, pegou no Liverpool, quando este agonizava na II Divisão e conduziu-o ao topo do futebol inglês. Na cidade banhada pelo Mersey, este escocês de língua áspera, e visão de futuro, tem no coração da alma liverpuldiana, um protagonismo capaz de rivalizar com John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. 

    Alma mineira

    William «Bill» Shankly, nasceu em 1913, numa família onde ele era um, de entre dez filhos. Cresceu na pequena aldeia mineira que o viu nascer, Glenbuck, no Ayrshire, na Escócia rural.

    Eram tempos difíceis, os Shankly viviam dos parcos rendimentos do trabalho na mina, a I Guerra Mundial veio agravar as pobres condições da classe trabalhadora de tal maneira, que Bill, uns anos mais tarde, recordaria que nesses tempos, juntamente com os irmãos e amigos, roubou muito vegetais de hortas vizinhas, como pães da carroça do padeiro, ovos de galinheiro ou frutas de árvores. A fome era terrível e mesmo sabendo que se tratava de roubo, as crianças desesperadas, incurriam no crime, cientes do castigo de que seriam alvo, se porventura fossem apanhadas.

    Nas escola, onde andou até aos 15 anos, formou o seu carácter, descobriu a paixão pela geografia e futebol, jogo a que se dedicava em cada momento livre, dentro e fora da escola. Aos 15 começou a trabalhar na mina com um irmão. O trabalho era duro, e além do desgaste diário, dos pouco racionamentos, havia a constante sujidade que não o largava. Numa entrevista, anos mais tarde, Shankly reconheceu que só aos quinze anos entrou numa banheira pela primeira vez, e o que deveu ao trabalho na mina.

    Como jogador

    Começou a jogar num clube de uma terra vizinha, o Cronberry Eglinton, mas no ano seguinte, seria descoberto por um olheiro que o convenceu a tentar a sorte no Carlisle United, jogando um mês à experiência no clube inglês.

    Apesar das suas visitas a Glasgow para ver jogos do Celtic ou Rangers, a passagem para Carlisle, uma cidade inglesa muito próxima da Escócia, era a primeira vez que Shankly saía de terras escocesas. 

    Após uma boa época de estreia, o Preston North End ofereceu 500 libras para a sua contratação, e Shankly mudou-se um pouco mais para sul. Em Preston, uma cidade do noroeste, acima de Liverpool, Shankly encontrou uma nova casa. Aí permaneceria até ao fim da carreira em 1949, interrompendo apenas os pontapés na bola, durante a II Guerra Mundial, quando esteve na RAF (1), onde aliás conheceria a sua esposa Nessie.

    Com os Lillywhites (2) ganharia uma FA CUP em 1937-38 e seria convocado 12 vezes para a seleção escocesa. Terminado o conflito (1945), Shankly ainda jogaria mais quatro anos no Preston, antes de pendurar as botas.

    Primeiros anos como treinador

    O passo seguinte foi começar a carreira de treinador. Na sua autobiografia, Shankly afirma que desde sempre se preparara para o dia em que deixaria o campo e passaria para o banco. Estudou com afinco as táticas da época e foi apontando e guardando todos os ensinamentos que recebia, confiante na sua liderança, e certo de que um dia a sorte lhe bateria à porta e a oportunidade para conduzir uma equipa surgiria.

    O Carlisle, o mesmo que lhe abrira as portas do profissionalismo, deu-lhe a mão nesta nova etapa da carreira, chamando-o para ajudar a recuperar o clube, que se encontrava numa situação melindrosa, no fundo da tabela, da terceira divisão norte.

    Com a sua capacidade de liderança, e a psicologia, tornou um grupo de jogadores que já entravam em campo vencidos, e com um longo historial de maus resultados, numa das equipas mais competitivas da divisão e região. Em duas épocas, apesar de não conquistar títulos, o Carlisle viu a sua organização modernizada, e um aumento sem precedentes das vendas de bilhetes. Shankly estava a transformar o clube, mas um desentendimento com a direção, levou-o a partir para Grimsby.

    Grimsby, Workington, Huddersfield

    Em Grimsby encontrou um clube em decadência, que tinha descido duas vezes de divisão, nos últimos quatro anos. Surpreendentemente, Shankly pegou numa equipa destroçada e conseguiu em pouco tempo, encher o estádio com as exibições fulgurantes da equipa, conduzindo o Grimsby ao segundo lugar.

    Nas épocas seguintes, o envelhecimento do plantel não permitiu grandes voos, e passou para o Workington, onde reforçou a fama de ser o homem ideal para pegar em missões difíceis e recuperar clubes quase perdidos...

    Huddersfield foi a próxima paragem, e no clube do Yorkshire, começou por se encarregar da equipa secundária, onde foi lançando jovens locais. Com a informação de alguns olheiros, foi criando uma equipa promissora, de onde se destacava um rapaz de 16 anos, de seu nome Dennis Law. 

    Numa das épicas vitórias do seu clube, bateu o Liverpool por 5x0, mesmo jogando com menos um jogador, chamando a atenção dos dirigentes dos reds, que o convidaram anos mais tarde para se mudar para a cidade que ainda não era dos Beatles...

    «This is Anfield!» (3)

    Em dezembro de 1959, chegou a um clube que vivia longe dos seus melhores tempos. Agonizando na segunda divisão, com uma equipa sem grandes nomes, com um estádio obsoleto e sem condições para treinar, o Liverpool era um clube parado no tempo e ultrapassado pela concorrência.

    Shankly encontrou um grupo de treinadores e olheiros, entre eles Bob Paisley, nos quais reconheceu mérito e capacidade para dar a volta à situação. Entre as diversas medidas revolucionárias, Shankly, exigiu que o clube investisse três mil libras num novo relvado para Anfield, pois considerava fundamental para o sucesso de qualquer equipa com ambições, ter um relvado em condições, e não um «ervado com buracos», como era então a casa dos reds.

    Criou também a Boot Room, um local destinado para os treinadores do clube discutirem táticas, beberem um whisky e fumar uns charutos. Foi lá que Shankly se reunia com Paisley, Fagan e Bennett, e os quatro revolucionariam o futebol do Liverpool para sempre. A Boot Room seria fundamental para o sucesso do Liverpool, até ser encerrada já no fim do consulado de Gream Souness em 1993.

    Recuperou também Melwood, o centro de treino do Liverpool, que se tornou com o passar dos anos, um dos mais avançados centros de treino do país, onde os craques dos reds, seguiam à lista, as inovadoras formas de treino do quarteto liderado por Shankly.

    As glórias 

    Os resultados demoraram três anos a aparecer, mas finalmente o clube subiu à I Divisão, onde ficou em oitavo lugar na estreia. Aos poucos, o clube reunia uma equipa repleta de grandes jogadores como Ian St John, Yeats ou o guarda-redes Tommy Lawrence. Um ano mais tarde, o trabalho desenvolvido em Melwood deu resultados e o Liverpool conquistou o seu sexto título nacional, encerrado em glória com um histórico 5x0 sobre o Arsenal, em Anfield.

    O ano era 1964 e Liverpool voltava a ribalta, curiosamente, ao mesmo tempo, os Beatles, quatro rapazes nascidos na cidade, levavam o nome de Liverpool pelos quatro cantos do mundo.

    No ano seguinte, uma vitória sobre o Leeds em Wembley, valeu a primeira FA Cup da carreira de treinador de Shankly. Na mesma época em que o Liverpool teve a sua estreia na Taça dos Campeões Europeus, onde chegou à meia-final, eliminado pelo Inter em Milão por 3x0, depois de ter vencido por 3x1 em Anfield

    Antes de defrontar o Inter, o Liverpool tinha eliminado o Anderlecht. Antes do jogo com os belgas, Shankly resolvera mudar o equipamento do clube - que até aí equipava com camisola vermelha, calções brancos e meias vermelhas - passando o clube a equipar todo de vermelho, tentando assim emular o equipamento todo branco, do todo-poderoso Real de Madrid

    Em Anfield, Shankly mandava colocar no acesso ao relvado, um quadro com o emblema do clube onde se lia «Isto é Anfield!», mensagem que aspirava inspirar medo nos adversários. 

    Durante décadas, gerações de adversários sentiram um calafrio ao passar pelo cartaz, momentos antes de entrarem no relvado, onde uma multidão já os esperava entoando o mítico «You'll Never Walk Alone».

    O sucesso europeu

    Em 1966, ano em que a Inglaterra recebia o mundial, o Liverpool voltou a conquistar a I Divisão, além de chegar à sua primeira final europeia, perdida para o Dortmund, que levou a Taça das Taças para casa.

    O ano seguinte valeu a contratação de Emlyn Hughes, enquanto a geração de St John e companhia, começava a ceder o lugar aos mais novos. Uma célebre derrota para a Taça com o Watford, custou o lugar aos consagrados, e Shankly não hesitou em lançar uma nova fornada que incluía entre outros Ray Clemence, John Toschak e Alec Lindsay. Pouco depois chegava Kevin Keegan, e o novo Liverpool estava preparado para grandes voos. 

    Em 1972-73 mais uma vitória no Campeonato - o terceiro de Shankly, o oitavo do clube - abriu um período que culminaria com o dia 23 de maio de 1973, quando uma derrota por 2x0 em Mönchengladbach, não chegou para roubar a Taça UEFA ao Liverpool, graças à vitória por 3x0, conseguida duas semanas antes em Anfield. O Liverpool conquistava o seu primeiro troféu europeu e dava o pontapé de saída para uma era dourada.

    Shankly ainda conduziria o clube por mais uma época, coroada com a conquista da FA Cup, a sua prova preferida. Para o seu lugar, os diretores elegeram Bob Paisley, o velho companheiro e treinador adjunto.

    O legado de Shankly continuaria com Bob Paisley, e a história, como se convencionou dizer, não mente. Nas nove épocas seguintes, os reds conquistariam 18 troféus, tornando-se na maior potência de Inglaterra e da Europa.

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    (1) - RAF  (Royal Air Force) - Força Aérea Real.
    (2) - Lillywhites - Alcunha dos adeptos do Preston North End, Os lírios brancos, em português.
    (3) - «Isto é Anfield!»

    A família vivia 
    D

    Fotografias(2)

    Estátua de Bill Shankly em Anfield Road

    Comentários

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    motivo:
    este sim
    2019-04-08 16h47m por BlankSpace
    é o melhor treinador de sempre na história do futebol
    N_
    YNWA
    2015-03-01 23h26m por N_Shadow19
    Um ícone, uma referência, um dos melhores treinadores que alguma vez existiu, por tudo o que fez e tudo o que trouxe de inovador ao futebol.

    Em relação ao artigo:

    «Shankly encontrou um grupo de treinadores e olheiros, entre eles Bob Pasley»

    «Para o seu lugar, os diretores elegeram Bill Paisley, o velho companheiro e treinador adjunto»

    «O legado de Shankly continuaría com Bill Paisley».

    O nome é Bob Paisley. Na pr...ler comentário completo »
    Agradecimento
    hm por zerozero.pt
    Muito obrigado. O artigo foi alterada com base no comentário abaixo.