Na manhã de 16 de julho, as ruas do Rio de Janeiro acordaram a fervilhar de antecipação e esperança. Um verdadeiro carnaval tinha tomado conta da cidade maravilhosa, com carros alegóricos, samba, confetis, serpentinas, bandeirinhas e cânticos de apoio aos onze heróis.
Obdulio Varela, capitão uruguaio, quando viu os jornais no quiosque do hotel comprou todos os que podia e trouxe-os para o quarto para mostrar aos colegas, espalhando-os depois no chão da casa de banho e encorajando os companheiros a urinar nos jornais, num dos mais famosos e ortodoxos métodos de motivação da história dos Mundiais.
Minutos antes do jogo começar, enquanto os jogadores esperavam para subir ao relvado, Ângelo Mendes de Moraes, o então governador do Estado de Guanabara, dirigiu um discurso aos atletas:
«Vocês brasileiros, que eu considero os vencedores do torneio... vocês jogadores que em menos de duas horas serão aclamados como campeões por milhões dos vossos compatriotas... vocês que não têm igual neste hemisfério... vocês que são tão superiores a qualquer adversário... vocês a quem eu já saúdo como conquistadores».
Momentos antes, no balneário dos uruguaios, o técnico Juan López dava a última palestra e, inspirado no que vira os suíços fazer no empate com o Brasil, insistia com os seus jogadores que uma estratégia defensiva seria a única forma de travar o poder ofensivo dos brasileiros.
Estádio do Maracanã - epicentro do futebol brasileiro, palco do grande jogo.
Depois do treinador sair dos vestiários, o capitão Obdulio Varela reuniu as tropas e falou com os colegas:
«
Juancito é um bom homem, mas ele hoje está errado. Se jogarmos defensivamente contra o Brasil, nosso destino não será diferente do da
Espanha e da Suécia».
Continuou com um discurso emocionado, apelando ao patriotismo e a coragem dos colegas, pedindo muita garra e amor à camisola celeste. As lágrimas correram na face de alguns jogadores e o grito de guerra puxou pela garra uruguaia: «Orientales, la Pátria ó la tumba»...
Para rematar, e enquanto se ouviam os mais de duzentos mil brasileiros nas bancadas, Varela não hesitou em dizer «Muchachos, los de afuera son de palo. Que comience la función», algo que poderia ser traduzido como «Rapazes, quem está do lado de fora não joga. Que comece o jogo. Vamos a eles!» E eles foram...
Os hinos tocaram: primeiro o uruguaio, depois o brasileiro. Julio Pérez, médio interior direito, ao ouvir mais de duzentas mil gargantas efusivamente a cantar «Ouviram do Ipiranga as margens plácidas...» cedeu aos nervos e não conseguiu controlar a bexiga...
Acto III: Friaça e a explosão de alegria
Jogadores uruguaios celebram a vitória e a conquista do Campeonato do Mundo.
O jogo começou e o Uruguai sofreu. Mas os brasileiros também acusavam os nervos. Ademir, melhor marcador da competição, que apontara já nove golos na prova, acusava a pressão e não fazia a diferença. O Brasil não conseguia marcar e o Uruguai começava a soltar-se no campo, com o seu
futebol arte...
George Reader apitou para o intervalo e, enquanto as equipas regressavam às cabinas, na bancada os brasileiros dividiam-se entre o otimismo e o medo de falhar no momento decisivo.
A segunda parte começou com o golo de Friaça - o único que marcou ao serviço da seleção - e as bancadas explodiram em emoção. Abraços, gritos, bandeiras, confetis e serpentinas, foguetes e estalinhos, tambores, samba improvisado... o Brasil estava tão perto do seu primeiro Campeonato do Mundo.
Acto IV: Gigghia e Schiaffino deixam o Brasil a chorar
Mas os uruguaios já tinham percebido que conseguiam vencer os brasileiros. Avançaram no terreno e, vaga atrás de vaga, foram assustando a defesa da equipa da casa. A 24 minutos do fim, Alcides Gigghia desceu pela direita e centrou para o golo de Juan Schiaffino. O Brasil tremeu, mas com este resultado, a Taça Jules Rimet ainda ficava no Rio de Janeiro.
Rimet, o presidente e fundador da FIFA, recolheu então aos balneários para buscar o troféu com o seu nome e entregá-lo ao capitão brasileiro. Nas suas memórias, o francês lembrou que estava tudo preparado para a consagração nacional. Seria suposto caminhar pelo túnel de acesso ao relvado e depois subir, guardado por uma escolta, antes de atravessar uma guarda de honra. Após tocar o hino nacional, no centro do relvado, iria entregar a taça ao capitão brasileiro.
Mas quando Rimet se preparava para subir para o relvado, a onze minutos do fim, ouviu alguns gritos seguidos de um silêncio ensurdecedor... Gigghia acabara de apontar o segundo tento uruguaio. Moacyr Barbosa, o guarda-redes brasileiro, levava as mãos à cabeça, alguns jogadores começavam a chorar e os uruguaios pareciam crianças, enquanto festejavam loucamente em pleno relvado...
Os onze minutos mais longos do futebol uruguaio pareceram nanosegundos para os brasileiros. Quando o inglês Reader apitou para o final, a tragédia tivera o seu epílogo final no palco dos palcos.
Nas bancadas, os brasileiros choravam copiosamente, alguns insultavam os jogadores, outros remetiam-se ao mais doloroso silêncio. Rimet subia ao relvado com o troféu na mão e não havia escolta, nem guarda de honra, nem hino nacional... Sentiu enorme dificuldade para encontrar o capitão Varela que recebeu o troféu clandestinamente entre jogadores e seguranças... Depois Rimet saiu e Varela juntou-se aos colegas no centro do relvado antes de seguir em festa para os balneários...
Epílogo
O pós-jogo foi terrível. Flávio Costa foi acusado pelo país de ser o responsável do falhanço. Barbosa teve que viver com o estigma do falhanço para o resto da vida. Ademir nunca mais voltou a ser o mesmo. Protestos por todo o país, diversos suicídios e um país em estado de luto.
Jules Rimet entrega o troféu ao capitão Obdulio Varela.
Os uruguaios ficaram impressionados e não foi a toa que, anos depois, o capitão Obdulio Varela - o primeiro capitão negro a erguer a Taça de Campeão do Mundo - ao recordar esses dias, lembrou:
«Se soubesse o que era um povo inteiro a chorar não sei se teria querido ganhar aquele jogo».