Jean-Pierre Adams é do futebol. É da França, é do Senegal. Do Nîmes, Nice e PSG. É dos seus amigos e ex-colegas. Mas é, principalmente, de quem dele cuidou durante os 39 anos que esteve em coma: a sua esposa e filhos.
A lápide diz 2021, mas a tragédia ocorre quase quatro décadas antes, num hospital a rebentar pelas costuras que não soube lidar com um dos seus pacientes, condenando-o a uma vida sem viver. Um erro na administração da anestesia deixou o ex-jogador de 34 anos, que estava internado para uma cirurgia de rotina ao joelho, num estado de coma do qual nunca mais voltou a sair.
Foi em Dakar, Senegal, que a história de Jean-Pierre começou a ser escrita. O jovem, nascido a 10 de março de 1948, tinha muito futebol nos pés, mas faltaram-lhe as oportunidades para praticar, devido às crenças da família. Aos 10 anos, peregrinou com a sua avó para Montargis (França), onde seria adotado por uma família francesa de forma a frequentar a escola no país europeu.
Poucos anos depois, durante os estudos, começou a trabalhar numa fábrica de borracha e a jogar futebol em vários clubes da região de Loiret.
Com 19 anos, começou a jogar como avançado no Entente BFN, nas ligas amadoras do futebol francês. Fê-lo durante três anos, antes de surgir a oportunidade para um salto diretamente para o primeiro escalão, depois do interesse do Nîmes. Lá, desceu no terreno e subiu em rendimento, florescendo como um dos melhores defesas centrais do futebol francês.
Durante esse período, Adams fez também quatro temporadas com a camisola do Nice e duas com a do PSG. Depois disso, uma temporada no segundo escalão com o Mulhouse e outra no Chalon como jogador-treinador, antes do azar bater à porta...
Na verdade, o azar já lhe tentara apanhar umas quantas vezes. É importante salientar que a carreira de Jean-Pierre Adams só começou tão abaixo, nesses escalões amadores, porque uma lesão muito séria no joelho lhe fez parar algum tempo no final da adolescência.
Ainda conseguiu uma carreira de sucesso, mas a vida não lhe deixou passar para uma fase de maior relaxamento, ao lado da esposa, filhos (Laurent [1969] e Frédéric [1976]) e outros entes queridos. Foi alguns meses depois de terminar a carreira de jogador, enquanto estudava para ser treinador, que voltou a ter problemas no joelho.
A cirurgia marcada para dia 17 de março de 1982, num hospital em Lyon, mudou-lhe a vida por completo. Relatos de últimas palavras dividem-se entre um «Relaxa, estou em boa forma» ou um «Não te esqueças das muletas». Em ambos os casos para a mulher Bernadette Adams. Mas porque raio houve últimas palavras antes de uma operação de rotina ao joelho? Daí, nasceu o problema.
Nesse dia, o hospital Édouard Herriot tinha vários funcionários em greve. Os médicos e enfermeiros disponíveis estavam, por consequência, com um volume de trabalho muito acima do habitual, bem como um estagiário que anos mais tarde admitiria não estar ainda «à altura da tarefa» - uma tempestade perfeita, muito propícia a erros.
Quem pagou foi Jean-Pierre. Foi mal intubado pelo anestesista e sofreu um broncoespasmo que levou algum tempo a ser identificado e, como consequência da falta de oxigénio no sangue, entrou em coma. Mais tarde, em tribunal, o médico e o estagiário foram sentenciados e suspensos de atividade durante um mês.
Adams nunca voltou a despertar.
*Casa do belo atleta adormecido
Jean-Pierre Adams continuou no hospital até ter sido enviado de volta para Chalon, em novembro. Na nova instituição que o tinha a seu cuidado, o ex-jogador foi negligenciado e seria a esposa a descobrir, numa visita, uma infeção no corpo de Jean-Pierre que motivaria nova intervenção cirúrgica. Depois disso, Bernadette Adams decidiu que não voltaria a deixar o seu marido ao cuidado de outros.
Os cuidados deixaram a família em dificuldades financeiras, até que os antigos clubes de Jean-Pierre se chegaram à frente com apoio monetário, permitindo a Bernadette construir as condições certas para cuidar diariamente do marido - A mas du bel athléte dormant, como ela chamaria.
Os anos passaram sem que Jean-Pierre acordasse do coma. Aniversário atrás de aniversário em que nunca faltaram prendas para o atleta adormecido (principalmente roupa, pois Bernadette limpava-o e mudava a roupa diariamente), mas o imponente corpo naquela cama nunca conseguiu retribuir o amor que durante anos recebeu.
Ano após ano, a França e o Mundo do futebol recordaram a existência deste homem e a batalha da sua família, quase sempre no dia 17 de março. Foram, no total, 39 anos em coma. Seriam 40 em 2022, mas, no dia 6 de setembro de 2021, o coração de Jean-Pierre Adams bateu pela última vez.