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    Jean-Pierre Adams: a casa do atleta adormecido

    Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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    Jean-Pierre Adams é do futebol. É da França, é do Senegal. Do Nîmes, Nice e PSG. É dos seus amigos e ex-colegas. Mas é, principalmente, de quem dele cuidou durante os 39 anos que esteve em coma: a sua esposa e filhos.

    A lápide diz 2021, mas a tragédia ocorre quase quatro décadas antes, num hospital a rebentar pelas costuras que não soube lidar com um dos seus pacientes, condenando-o a uma vida sem viver. Um erro na administração da anestesia deixou o ex-jogador de 34 anos, que estava internado para uma cirurgia de rotina ao joelho, num estado de coma do qual nunca mais voltou a sair.

    Do Senegal até à seleção francesa

    Foi em Dakar, Senegal, que a história de Jean-Pierre começou a ser escrita. O jovem, nascido a 10 de março de 1948, tinha muito futebol nos pés, mas faltaram-lhe as oportunidades para praticar, devido às crenças da família. Aos 10 anos, peregrinou com a sua avó para Montargis (França), onde seria adotado por uma família francesa de forma a frequentar a escola no país europeu.

    Poucos anos depois, durante os estudos, começou a trabalhar numa fábrica de borracha e a jogar futebol em vários clubes da região de Loiret.

    Com 19 anos, começou a jogar como avançado no Entente BFN, nas ligas amadoras do futebol francês. Fê-lo durante três anos, antes de surgir a oportunidade para um salto diretamente para o primeiro escalão, depois do interesse do Nîmes. Lá, desceu no terreno e subiu em rendimento, florescendo como um dos melhores defesas centrais do futebol francês.

    qO Adams e o Trésor formaram uma das melhores duplas de toda a Europa
    Na segunda de três temporadas no Nîmes, foi figura de uma equipa que conseguiu o segundo lugar na Liga Francesa, até hoje a melhor campanha do clube, e no verão chegou a oportunidade de começar a jogar na seleção de França - faria 22 jogos pelos bleus, formando com Marius Trésor uma dupla temível no futebol internacional.

    Durante esse período, Adams fez também quatro temporadas com a camisola do Nice e duas com a do PSG. Depois disso, uma temporada no segundo escalão com o Mulhouse e outra no Chalon como jogador-treinador, antes do azar bater à porta...

    A tragédia

    Na verdade, o azar já lhe tentara apanhar umas quantas vezes. É importante salientar que a carreira de Jean-Pierre Adams só começou tão abaixo, nesses escalões amadores, porque uma lesão muito séria no joelho lhe fez parar algum tempo no final da adolescência.

    Foi figura no @Nîmes
    Mesmo mudando-se para o Entente, o azar foi atrás e bateu-lhe de frente, gerando um acidente rodoviário do qual Adams saiu com apenas alguns cortes embora, no banco ao seu lado, um amigo próximo tivesse perdido a vida.

    Ainda conseguiu uma carreira de sucesso, mas a vida não lhe deixou passar para uma fase de maior relaxamento, ao lado da esposa, filhos (Laurent [1969] e Frédéric [1976]) e outros entes queridos. Foi alguns meses depois de terminar a carreira de jogador, enquanto estudava para ser treinador, que voltou a ter problemas no joelho.

    A cirurgia marcada para dia 17 de março de 1982, num hospital em Lyon, mudou-lhe a vida por completo. Relatos de últimas palavras dividem-se entre um «Relaxa, estou em boa forma» ou um «Não te esqueças das muletas». Em ambos os casos para a mulher Bernadette Adams. Mas porque raio houve últimas palavras antes de uma operação de rotina ao joelho? Daí, nasceu o problema.

    Nesse dia, o hospital Édouard Herriot tinha vários funcionários em greve. Os médicos e enfermeiros disponíveis estavam, por consequência, com um volume de trabalho muito acima do habitual, bem como um estagiário que anos mais tarde admitiria não estar ainda «à altura da tarefa» - uma tempestade perfeita, muito propícia a erros.

    Quem pagou foi Jean-Pierre. Foi mal intubado pelo anestesista e sofreu um broncoespasmo que levou algum tempo a ser identificado e, como consequência da falta de oxigénio no sangue, entrou em coma. Mais tarde, em tribunal, o médico e o estagiário foram sentenciados e suspensos de atividade durante um mês.

    Adams nunca voltou a despertar.

    Passou pelo @PSG

    Mas du bel athléte dormant*

    *Casa do belo atleta adormecido

    Jean-Pierre Adams continuou no hospital até ter sido enviado de volta para Chalon, em novembro. Na nova instituição que o tinha a seu cuidado, o ex-jogador foi negligenciado e seria a esposa a descobrir, numa visita, uma infeção no corpo de Jean-Pierre que motivaria nova intervenção cirúrgica. Depois disso, Bernadette Adams decidiu que não voltaria a deixar o seu marido ao cuidado de outros.

    Os cuidados deixaram a família em dificuldades financeiras, até que os antigos clubes de Jean-Pierre se chegaram à frente com apoio monetário, permitindo a Bernadette construir as condições certas para cuidar diariamente do marido - A mas du bel athléte dormant, como ela chamaria.

    Os anos passaram sem que Jean-Pierre acordasse do coma. Aniversário atrás de aniversário em que nunca faltaram prendas para o atleta adormecido (principalmente roupa, pois Bernadette limpava-o e mudava a roupa diariamente), mas o imponente corpo naquela cama nunca conseguiu retribuir o amor que durante anos recebeu.

    Ano após ano, a França e o Mundo do futebol recordaram a existência deste homem e a batalha da sua família, quase sempre no dia 17 de março. Foram, no total, 39 anos em coma. Seriam 40 em 2022, mas, no dia 6 de setembro de 2021, o coração de Jean-Pierre Adams bateu pela última vez.

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