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    Futebol Feminino
    À volta do jogo

    Megan Rapinoe e a incessante batalha pela igualdade

    Texto por Ricardo Miguel Gonçalves
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    Sendo o futebol o jogo do povo, é impossível separá-lo dos problemas sociais que assombram o Mundo em que vivemos. Desde as campanhas anti-racismo, que já são há largos anos parte integrante do desporto, até a questões mais intrincadas mas de solução igualmente difícil.

    Falando de igualdade, é impossível não falar no futebol feminino e nas diferenças que este apresenta em relação à vertente masculina. Há menos interesse e como tal há menos dinheiro, recursos e condições, ou então há menos dinheiro e por isso é que há menos interesse, numa clara situação da galinha e do ovo.

    Deveriam as jogadoras de futebol ganhar tanto como os seus colegas de profissão masculinos? Essa é uma questão que inevitavelmente traz respostas constrangedoras e difíceis de aceitar pelo valor facial, pois é difícil de exigir os mesmos números, até à casa dos milhões, num Mundo onde as receitas são infinitamente mais reduzidas...

    Mas é precisamente por ser de resposta difícil é que a pergunta deve ser colocada mais vezes, e para isso é que existem pessoas como Megan Rapinoe. Uma das melhores de sempre no futebol, sem dúvida, mas que também quis e tentou quebrar barreiras a nível social. Nem sempre com sucesso, até por enveredar em batalhas que tão cedo não se solucionarão, mas sempre do lado certo da história.

    Megan Rapioneira

    Rapinoe ao lado de Messi, em 2019 @Getty /
    Nasceu em 1985 no seio de uma família californiana de classe média. Interessou-se pelo futebol desde muito cedo, fruto de um irmão mais velho que jogava, e nunca mais largou a modalidade. Como estas coisas andam sempre de mão dada, esse irmão da jogadora-ativista passou alguns anos na prisão depois de problemas relacionados com drogas e acabou por se envolver com grupos de supremacia branca.

    Foi campeã do Mundo duas vezes, ganhou o ouro olímpico, e foi eleita melhor jogadora do Mundo em 2019, nos prémios da FIFA. Conhecida a nível internacional por tudo aquilo que atingiu como futebolista, mas não só. Sendo homossexual, algo que anunciou publicamente em 2012, é embaixadora de uma série de movimentos e organizações relativas à comunidade LGBTQ+ no desporto.

    Por uma série de iniciativas, Rapinoe tornou-se a cara da igualdade no futebol. Não só acerca da orientação sexual, que é apenas uma pequena parte dos temas abordados pela jogadora, mas também de toda a esfera da igualdade social, com ativismo de oposição ao racismo e misoginia através da igualdade salarial.

    Um símbolo do futebol feminino @Getty / Brad Smith/ISI Photos

    Em 2019, quando venceu o prémio de melhor jogadora do Mundo, aproveitou o meio para difundir uma mensagem relevante. Enquanto que Leo Messi, vencedor do mesmo prémio a nível masculino, optou pelos típicos agradecimentos à equipa técnica e companheiros, Rapinoe fê-lo apenas como ponto de abertura, antes de abordar temas mais importantes. Falou da inspiração que Kalidou Koulibaly e Raheem Sterling lhe deram por tudo o que falaram acerca do racismo, mas também da tristeza que essa inspiração lhe trouxe:

    «Acho que, se realmente quisermos uma mudança significativa, o que acho mais inspirador seria se todos estivessem tão indignados com o racismo quanto eles estavam. Que todos estivessem tão indignados com a homofobia como as jogadoras LGBTQ. Que toda a gente estivesse tão indignada com a desigualdade salarial como as mulheres. Isso seria ainda mais inspirador».

    «Temos uma oportunidade única no futebol, diferente de qualquer outro desporto no Mundo, de usar este belo jogo para realmente mudar o Mundo para melhor. Então essa é minha responsabilidade para com todos. Eu espero que levem isto a sério e apenas façam algo, qualquer coisa. Temos um poder incrível nesta sala», atirou, perante algumas das mais poderosas pessoas do futebol.

    USWNT contra a misoginia

    A seleção feminina dos Estados Unidos, mais conhecida como USWNT (United States Women´s National Team), foi a tribunal com uma ação contra a US Soccer (Federação dos EUA) devido à discrepância das compensações entre as seleções feminina e masculina. Iniciado por Megan Rapinoe em conjunto com quatro colegas (Alex Morgan, Hope Solo, Carli Lloyd e Becky Sauerbrunn), esse processo foi colocado a 8 de março de 2018, poucos meses antes da USWNT fazer pela quarta vez aquilo que a congénere masculina nunca fez: ganhar o Mundial.

    Jogadoras com camisolas do avesso para esconder o símbolo da federação @Getty / Robin Alam/Icon Sportswire

    Passado algum tempo, esse processo começou a ganhar tração mediática devido à argumentação oposta, que causou indignação. A federação argumentou que «o trabalho de um jogador da seleção masculina acarreta mais responsabilidade no contexto do futebol dos EUA do que o trabalho de uma jogadora da seleção masculina», defendendo-se ainda que o futebol jogado pelos atletas da seleção masculina «exige um nível mais elevado de habilidades, baseadas na velocidade e na força». Segundo indicou o advogado responsável pela defesa do US Soccer, os argumentos em questão não se tratavam de «um estereótipo sexista» mas de «ciência indiscutível».

    As queixas são simples: foi apontado o facto da equipa masculina receber um bónus de cinco mil dólares por uma derrota num amigável e de mais de 17 mil em caso de vitória, enquanto que a formação feminina vê 1 350 dólares para dividir pelo plantel em caso de vitória e nenhum prémio em caso de empate ou derrota. Em 2011, quando foram vice-campeãs do Mundo, as jogadoras dividiram um prémio monetário de 1,8 milhões, enquanto que a seleção masculina dividiu 35 milhões de dólares por ter caído nos oitavos de final.

    Pequenas vitórias

    Mais do que o problema em si, foi a linguagem utilizada no documento da US Soccer que gerou a pesada reação pública. Parte da reação veio depois de Megan Rapinoe dar o mote, dizendo que  a federação usou «evidente misoginia e sexismo enquanto argumento» contra a seleção feminina, tendo uma porta-voz oficial da seleção defendido que a argumentação «parece ter sido feita por um homem das cavernas».

    Cindy Parlow Cone, nova presidente do US Soccer @ Dean Mouhtaropoulos / Getty Images
    Seguiram-se reações de patrocinadores, como a Coca Cola e a Visa, e só depois disso um pedido de desculpas que não convenceu ninguém. No final, o tribunal não considerou a desigualdade salarial como problema, mas viu descriminação nas condições de trabalho. A maior vitória foi a saída de Carlos Cordeiro (norte-americano, mas com ascendência portuguesa) do cargo de presidente da US Soccer.

    A saída de Cordeiro trouxe a chegada de um novo presidente, pela primeira vez uma cara feminina. Cindy Parlow Cone, até lá vice-presidente do US Soccer e antiga jogadora da seleção feminina, assumiu a despesa de uma organização que se quer progressiva. 

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