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    História da edição

    O milagre de Conceição

    Texto por Jorge Ferreira Fernandes
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    Quem faz um pequeno milagre é bem capaz de fazer dois. Sérgio Conceição entrou, definitivamente, para a história do FC Porto. Não só por ter conquistado dois títulos, mas mas pela forma como os conquistou. Se em 2017/2018 o investimento foi quase nulo, tendo o Dragão superado as expectativas com ex-emprestados (Ricardo, Marega) e alguns renascidos (Brahimi, Herrera, Marcano), a época de 2019/2020 foi ainda mais traiçoeira para os azuis e brancos, que recuperaram de sete pontos de desvantagem para, com muito coração e alguma cabeça, regressarem ao topo do futebol português. 

    Nem sempre a qualidade de jogo foi alta na Invicta. Em várias jornadas chegou mesmo a ser sofrível, mas o que o FC Porto fez diz muito sobre o caráter do clube, da cidade, da equipa e do próprio treinador. Quando parecia entregue, depois de uma final da Taça da Liga perdida nos descontos, depois de declarações de Conceição que fizeram soar os alarmes de uma chicotada, o conjunto azul e branco foi, mais uma vez, buscar forças onde elas não pareciam existir, mesmo contra os adversários diretos. Pela segunda vez em toda a sua história, o Dragão ganhou todos os clássicos! É também por causa deste tipo de recuperações que há um clube que ganha mais do que os outros nas últimas décadas em Portugal...

    Mas se o FC Porto também perdeu o campeonato de 2018/2019, ao deixar-se ultrapassar pelo Benfica, o que dizer do comportamento das Águias em 2019/2020. O campeão em título ganhou 18 dos primeiros 19 jogos, antes de partir para uma segunda volta de pesadelo, com constantes escorregadelas, qualidade exibicional baixa, uma humilhação, como foi a derrota contra o Santa Clara, em plena Luz, e uma saída de treinador, quando a vantagem confortável tinha sido transformada em adeus virtual ao título. 

    Como não podia deixar de ser, este campeonato ficou também brutalmente marcado pela pandemia da Covid-19. O vírus que fez parar o planeta também interrompeu durante alguns meses a Liga Portuguesa, que regressou como todas as outras: em pleno verão, com muitos cuidados para todos os intervenientes e sem o colorido do público nas bancadas. O futebol como o conhecemos ainda está para voltar. 

    Amorim entre Braga e Alvalade

    Não só da luta pelo título entre Benfica e FC Porto se fez a temporada 2019/2020. Não faltaram outros motivos de interesse a um campeonato que teve Rúben Amorim como um dos seus principais protagonistas. O antigo jogador chegou à Liga apenas na segunda metade da época para arrasar no Sporting de Braga e protagonizar uma transferência de 10 milhões de euros até Alvalade

    Apesar de ter terminado 2018/2019 na mó de cima, com as duas taças domésticas, o Sporting começou a nova época com uma goleada sofrida aos pés do eterno rival Benfica, por 5x0. Logo aí se percebeu que o reinado de Keizer podia não durar muito mais. Leonel Pontes foi a solução interina, antes de Silas assumir a pasta. Afastado do comando técnico do Belenenses SAD, o antigo médio nunca deu regularidade exibicional aos leões, especialmente depois da saída de Bruno Fernandes a meio da época para o Manchester United, que apostaram todas as fichas em Amorim. Rúben melhorou a equipa, lançou vários jovens, mas não foi capaz de garantir o último lugar do pódio. E um dos gigantes do futebol português perdeu como nunca antes. 

    Quem beneficiou com mais um ano de contestação e instabilidade em Alvalade foi o Sporting de Braga, que conseguiu a proeza de garantir a segunda melhor classificação de sempre numa época em que contou com cinco treinadores. Abel deu os primeiros treinos, antes de sair para o PAOK, à cidade dos Arcebispos chegou Sá Pinto para o substituir. O coração de leão deu uma competitividade europeia acima da média, mas os Guerreiros pagaram a fatura no campeonato. Salvador não gostou do rendimento cá dentro e chamou Rúben Amorim. O antigo médio ganhou cinco clássicos em menos de um mês, conquistou a Taça da Liga e saiu, deixando nos cofres 10 milhões. Custódio assumiu a pasta, mas por pouco tempo, uma vez que os resultados foram insuficientes. Numa tentativa de dar um último fôlego pelo terceiro lugar, o presidente dos bracarenses decidiu-se por um homem da casa, Artur Jorge. Uma derrota em Tondela, na penúltima jornada, quase deitava tudo a perder, mas o Braga, numa época de muita mudança, voltou a ficar à frente do Sporting

    A Fama de João Pedro Sousa e Carvalhal

    Um quarto de século depois, o Famalicão voltou a fazer parte do patamar mais alto do futebol português. E que grande regresso dos minhotos! Com um plantel totalmente novo, mas de qualidade, liderado por um treinador que viveu a sua primeira experiência enquanto chefe de uma equipa técnica, o promovido deu espetáculo, apresentou novos talentos, como Gustavo Assunção, Pedro Gonçalves ou Toni Martínez, chegou a liderar, passou quase todo o campeonato em lugares europeus para, nos descontos do último jogo, sofrer o golo do empate na Madeira e terminar em sexto lugar. Mas foi uma viagem bonita. 

    Quem acabou por aproveitar esta última escorregadela foi o Rio Ave de Carlos Carvalhal. Com uma proposta de jogo ofensiva, os vilacondenses fizeram um campeonato mais regular do que o seu concorrente direto, que acabou, por exemplo, com mais de meia centena de golos sofridos. Taremi foi a principal figura, com 18 golos marcados, os mesmos do líder Carlos Vinícius, que fez menos minutos na competição, mas o que ficou à vista foi mesmo um trabalho coletivo meritório, onde todos puderam demonstrar o seu talento. E o recorde de pontos de Miguel Cardoso foi superado. 

    A outra equipa que se esperava que pudesse lutar pelo top-5 era o Vitória de Guimarães. Os vimaranenses, com Ivo Vieira, começaram com uma pedalada bem interessante, ultrapassando com competência e algum espetáculo as três eliminatórias antes da fase de grupos da Liga Europa. Mesmo o rendimento contra Arsenal, Standard e Eintracht foi meritório, mas, cá dentro, os conquistadores tiveram sempre dificuldades em manter a regularidade. Primeiro foi a finalização que falhou, depois chegaram os problemas defensivos no pós-Tapsoba (que grande central!) e os últimos meses foram mesmo pouco conseguidos. Ficou um amargo de boca e um talento entusiasmante em Marcus Edwards. 

    Quantas vidas tem o Tondela?

    Sendo de realçar a boa época do Santa Clara, a segunda consecutiva por parte da formação de João Henriques, o crescimento do Moreirense com Ricardo Soares, o trabalho de qualidade de Vítor Oliveira em Barcelos e os anos q.b de Boavista e Marítimo, a verdade é que, do meio da tabela para trás, o que deu emoção foi a luta pela permanência. Até à ultima jornada várias equipas sofreram como nunca, já com um lanterna-vermelha definido há muito. 

    E há que dar o devido destaque ao Desportivo das Aves. Não só pelo mau campeonato, pela troca de treinadores, com Augusto Inácio a sair logo em outubro e o interino Leandro a não dar, também, conta do recado, não só pelo último lugar destacado, com 17 pontos, não só pela despromoção matemática a cinco jornadas do final. Os avenses merecem, sobretudo, palavras elogiosas, depois daquilo que se passou nos últimos meses. E não foi só o drama dos salários em atraso, que teima em reaparecer a este nível, foram também as atitudes de uma SAD que não protegeu o clube e que colocou em risco a própria verdade desportiva. É inaceitável que a falta de comparência seja um cenário em aberto, como foi nas últimas duas jornadas. Naquele minuto inicial de protesto, diante do Benfica, todo um país ficou a perceber as dificuldades que o grupo de trabalho e a equipa técnica de Manta Santos passaram. 

    Sobre aqueles que se conseguiram salvar, importante destacar mais um feito do Tondela, que alcançou a quinta manutenção consecutiva, a quarta em condições extremamente complicadas, em cima da meta. Os comandados de Natxo fizeram uma primeira volta boa, com resultados assinaláveis fora de casa, mas tiveram de sofrer para garantir mais um momento marcante na história do clube. O Belenenses SAD, que beneficiou com a entrada de Petit, o Vitória de Setúbal, que voltou a arrastar-se durante quase todo um campeonato, e o Paços de Ferreira, que soube atacar o mercado de inverno, também sorriram à custa de um Portimonense que fez quase tudo bem a partir da chegada de Paulo Sérgio. Não faltava talento aos algarvios, mas quem dá, praticamente, 2/3 de campeonato de avanço...

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