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    Bebeto: O Embalador de Golos

    Texto por Ricardo Gonçalves
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    Pequeno e magro não é molde usual num atleta de alta competição, mas existem inúmeros exemplos no futebol de jogadores que aliam a baixa estatura à qualidade técnica e vivem carreiras de sucesso. O problema para Bebeto passava pelo facto de também não ser o maior artista que o mundo já viu com a bola nos pés. O avançado brasileiro tinha, realmente, pouca matéria-prima para trabalhar, mas pôs os pés à obra e destacou-se como um dos melhores finalizadores de sempre, primando pela inteligência nos movimentos e posicionamento atacante para colocar a bola nas redes, semana após semana.

    Sejamos justos, Bebeto não tinha propriamente deficiências técnicas no seu jogo, tendo até jogado no meio-campo atacante durante os primeiros anos de carreira, só que o brasileiro raramente mostrava desejo de jogar longe da área, queria era a bola no fundo da baliza, e de preferência rápido. Podia tabelar, levantar a cabeça e colocar um grande passe e podia assistir colegas, como tantas vezes fez, mas o verdadeiro habitat deste jogador era o espaço junto à baliza, delimitado com linhas bem marcadas em campo.

    Fez uma carreira invejável, na qual conquistou quase tudo aquilo a que se propôs, desde títulos em vários continentes, troféus de melhor marcador e a única conquista que pode tornar um brasileiro verdadeiramente imortal no futebol: o Campeonato do Mundo.

    A ascensão

    José Roberto Gama de Oliveira nasceu em 1964 em Salvador, mais especificamente na região da Cidade Baixa, onde começou muito jovem a jogar e a impressionar com o seu futebol nos torneios de bairro. Os olheiros que o viram não ficaram indiferentes, e começaram a acumular-se os convites para períodos de teste em clubes profissionais.

    Acabou por fixar-se no Vitória, o clube que apoiava nessa altura e onde ficou até os 18 anos, altura em que se estreou no Brasileirão e conseguiu a transferência para o campeão nacional em título: o Flamengo. É aí que começa a sua história. Ainda jovem e numa das maiores equipas do país o tempo de jogo era escasso, embora tenha sido suficiente para, na sua primeira temporada, em 1983, ser campeão brasileiro e garantir o lugar na equipa brasileira de sub-20, pela qual foi campeão mundial da categoria.

    Andou pelo Brasil até aos 29 anos @Getty / Clive Brunskill
    O Flamengo era tricampeão nacional e, embora tivessem havido saídas de relevo, como Zico e Júnior, ainda eram os favoritos à conquista dos vários troféus que disputavam, só que o ano de 1984 acabou por estar muito longe de tudo o que Bebeto gostaria. Começou a ter relevo na equipa principal, mas o Flamengo saiu de mãos a abanar em todas as competições, incluindo o Campeonato Carioca e o Campeonato Brasileiro, que foram ambos vencidos pelos rivais do Fluminense. Ainda nesse ano um outro golpe atingiu o jovem jogador, a morte inesperada do seu irmão, num acidente de avião que matou também Figueiredo, um colega de equipa no Flamengo.

    Bebeto fixava-se cada vez mais como um dos melhores jogadores do Brasileirão, de maneira que conseguiu ser chamado à seleção principal brasileira, onde se estreou aos 21 anos. Em seis jogos não conseguiu encontrar as redes, facto que, aliado à grande concorrência para as posições mais avançadas da seleção brasileira, deixou Bebeto de fora das escolhas para o Campeonato do Mundo de 1986.

    No Flamengo, os títulos começaram a surgir. Ao Campeonato Carioca seguiu-se a tão desejada conquista do Brasileirão, para além da Cope União, um módulo do campeonato desse ano que era considerado por todos mais importante e no qual Bebeto foi a grande estrela, mantendo uma média de mais de um golo por jogo até ao final da competição.

    Em 1988, disputou os Jogos Olímpicos pelo Brasil, onde ganhou uma medalha de prata depois de uma bela caminhada até à final, onde a União Soviética foi mais forte. Ainda assim, o que marcou o torneio olímpico não foi a cor da medalha, mas sim o companheiro que Bebeto encontrou em Seul, pois a dupla que fez com Romário nessa competição ainda voltaria a surgir, com muito mais impacto.

    O ano que catapultou Bebeto

    O ano de 1989 foi decisivo na carreira de Bebeto, por vários motivos. O Flamengo nunca deixara de ser uma equipa forte, claro, mas ainda assim notava-se uma quebra de qualidade. Os troféus eram cada vez mais escassos e alguns jogadores importantes começaram a abandonar o clube, embora o que ninguém esperava era que um deles fosse Bebeto, muito menos para um rival.

    A transferência para o Vasco da Gama foi controversa e gerou um poço interminável de críticas para o avançado que, ainda assim, não teve dificuldades a lidar com a pressão. Pelo Vasco, Bebeto venceu o prémio de melhor jogador do Brasileirão e tornou-se rapidamente parte importante do Gigante da Colina, que, com o novo reforço, se sagrou imediatamente campeão brasileiro, depois de 15 anos sem vencer o troféu. 

    Seleção foi uma realidade @Getty / Ruediger Fessel
    As boas exibições no novo clube garantiram o regresso à canarinha, pela qual disputou a Copa América desse ano, que foi realizada no Brasil. A expectativa era grande depois de cinquenta anos sem vencer a prova, mas Bebeto manteve a forma e marcou seis golos em sete jogos para garantir a conquista do troféu pelos brasileiros, ainda que os olhos estivessem mais em si do que no resto da equipa. Foi o melhor marcador da primeira competição internacional que disputou, para além das boas exibições no campeonato nacional, o que lhe garantiu o prémio de jogador sul-americano do ano.

    Seguiram-se mais três anos no Vasco da Gama, onde não voltou a conquistar títulos, embora os seus registos individuais não estivessem a piorar. Em 1992, marcou 21 golos em 30 jogos, o que lhe garantiu pela primeira vez o prémio de melhor marcador do Campeonato Brasileiro, naquele que seria o seu ano de despedida.

    Abandonou o Vasco da Gama com um grande estatuto e reputação no clube, embora tenha ficado durante muito tempo a dúvida sobre qual era o clube no coração de Bebeto. O avançado revelaria depois que torcia pelo Flamengo e pelo Vitória, os seus dois clubes anteriores, mas nunca perdeu o respeito dos adeptos do Vasco, que o viram fixar-se na seleção brasileira e, por fim, dar o salto para a Europa.

    Goleador galego

    Bebeto chegou tarde ao futebol europeu, na época em que completaria 29 anos, mas ainda a tempo de mostrar toda a sua qualidade com o impacto imediato que teve em Espanha, fazendo parte daquele que foi, até aí, o melhor momento da história do Deportivo de La Coruña (o famoso Super Dépor).

    Logo à primeira tentativa, em 1992/93, Bebeto foi o melhor marcador da Liga Espanhola, ao marcar 29 golos na prova e a conquistar o troféu Pichichi, que nunca tinha pertencido a um jogador do clube galego. Nesse ano, o Deportivo ficou em terceiro lugar, a apenas quatro pontos do título, que foi conquistado pelo Barcelona, mas no ano seguinte ficariam ainda mais perto.

    Nos tempos de Depor @RC Deportivo
    Em 93/94, as expectativas eram maiores tanto para o Deportivo como para o Bebeto, que já não foi o melhor marcador em Espanha, pois esse prémio foi para o seu amigo e colega de seleção que marcou 30 golos pelo Barcelona, Romário. Ainda assim, Bebeto fez parte de uma equipa do Deportivo que levou a disputa do campeonato até ao último segundo, perdendo no final o título para os blaugrana que, com os mesmos pontos, foram coroados campeões devido à diferença de golos.

    O que marcou essa temporada acabou por ser mesmo os detalhes da última jornada, que viu o Barcelona vencer o Sevilha enquanto o Deportivo empatou 0x0 frente ao Valencia, apesar de um penalti aos 90 minutos que, caso aproveitado, teria dado o título aos blanquiazules. Donato era o responsável pela cobrança da marca dos onze metros, mas já tinha saído e por isso a oportunidade caiu para o homem-golo da equipa: Bebeto. Por vários motivos, que passam por uma lesão com que jogava e o penálti falhado umas semanas antes que ainda pairava sobre si como uma nuvem negra, o brasileiro entregou a bola a Miroslav Dukic, que acusou o nervosismo e atirou fraco para uma defesa fácil de González (a história pode ser lida com detalhe aqui).

    «Eu tinha deixado bater porque estava com 4 cm de ruptura no adutor, não tinha treinado mais as penáltis nas semanas anteriores», recordou mais tarde Bebeto. «O Dukic tinha vindo a marcar penáltis a toda a hora e não falhava nenhum, mesmo nos treinos. Na Corunha chove muito e o campo tem sempre lama, mas nesse dia tinha demasiada. Eu ia dar uma pancada forte, a bola tanto podia ir por cima como podia levar o guarda-redes com bola para dentro da baliza. Infelizmente o Dukic falhou e pediu demasiadas vezes desculpa».

    O que se seguiu foi mais uma época de nervos no campeonato espanhol, que viu o Depor voltar a ficar perto do título, novamente no segundo lugar, com menos quatro pontos que o Real Madrid. O que chegou, ainda assim, foi a conquista da Copa del Rey que, embora não compensasse todo o sofrimento desse ano e anteriores, foi o primeiro troféu de relevo no clube em muito tempo e logo contra o Valencia, que servira de carrasco no ano anterior.

    A conquista da Copa del Rey garantiu a qualificação para duas provas: a Supertaça de Espanha e a Taça das Taças. A primeira foi direta para o museu do clube da Galiza, que venceu expressivamente o Real Madrid por 5x1 no agregado de duas mãos em que Bebeto brilhou. O brasileiro mostrou a sua qualidade também na competição europeia onde foi segundo melhor marcador, depois de uma caminhada até à meia-final, onde o Deportivo saiu derrotado pelo eventual vencedor: o PSG. Nesse ano, o campeonato não foi perdido por uma unha negra, mas sim por uma distância alarmante, com o Deportivo a ficar-se pelo 9º lugar na prova, num ano em que Bebeto se despedia do clube como um ídolo, antes de voltar ao futebol brasileiro, onde seria recebido com o mesmo estatuto.

    «O Deportivo é uma coisa à parte. Ali, graças a Deus, fiz história e marquei uma era. Foi tudo maravilhoso, tínhamos uma equipa muito forte e o povo tinha um reconhecimento muito grande por mim. Fui com um contrato pequeno mas acabei por ficar durante quatro anos.»

    Embalar a «Copa»

    Na análise do momento mais marcante da carreira de Bebeto, não existem dúvidas: foi o verão de 1994 nos Estados Unidos da América, quando o brasileiro finalmente mostrou o seu valor no maior palco do futebol: o Campeonato do Mundo.

    Bebeto já tinha estado num Campeonato do Mundo, quatro anos antes, depois da forma incrível no campeonato brasileiro e na Copa América, mas acabou por não conseguir mostrar as suas capacidades em Itália por diversos motivos. Primeiro, porque não estava na sua melhor forma física e também pela lesão de Romário que, para o selecionador Sebastião Lazaroni, era a dupla de Bebeto no ataque. Com Romário lesionado, Bebeto foi relegado para o banco, de onde viu a outra dupla atacante brasileira, Careca e Muller, desapontar num torneio em que o Brasil saiu cedo, nos oitavos-de-final.

    Quatro anos depois, a história foi diferente. Ambos os avançados estavam em tremenda forma física, vindos do campeonato espanhol que foi disputado até ao final por ambos. Logo no primeiro jogo, bastaram 26 minutos para surgir o primeiro golo brasileiro da dupla que se revelaria imparável. Bebeto assistiu Romário para o primeiro golo e o Brasil venceu a Rússia. Quatro dias depois foi o 3x0 aos Camarões em que ambos marcaram, seguido do último jogo da fase de grupos, em que bastou o empate com a Suécia para avançar.

    Numa das vitórias de 1994 @Getty / Chris Cole
    Nos oitavos de final, frente aos anfitriões em pleno 4 de julho (dia da independência nos EUA), o Brasil mostrou dificuldades, especialmente com um jogador a menos, mas acabou mesmo por marcar aquele que seria o único golo da partida através do inevitável Bebeto. Um golo que ficou eternizado pela maneira como Romário encontrou espaço para colocar a bola no seu parceiro, que por sua vez finalizou com classe e festejou com uma declaração ao colega que lhe assistiu: «Eu te amo».

    O amor de Bebeto não se esgotou e no jogo seguinte, nos quartos, voltou a partilhá-lo com o mundo. Romário já tinha marcado o primeiro frente à Holanda quando Bebeto duplicou a vantagem e celebrou de uma maneira que nunca mais seria esquecida. Com um gesto de embalar, junto às câmaras, que homenageava o filho Mattheus, que acabara de nascer no Brasil e que cresceria para se tornar jogador de futebol, numa carreira em que vestiu a camisola de alguns clubes portugueses.

    A meia-final teve uma vitória pela margem mínima frente à Suécia, com Romário a apontar o único golo da partida, seguida de uma final que foi decidida nas grandes penalidades. Bebeto era o quinto na lista, ficando encarregue de um penálti que poderia ser decisivo mas que nunca chegou a acontecer, devido à falha do italiano Roberto Baggio, que assim entregou o troféu à seleção brasileira.

    Dois anos depois, voltou aos Estados Unidos para os Jogos Olímpicos, onde foi o melhor marcador da prova enquanto um dos três jogadores brasileiros com mais de 23 anos, mas o último momento de Bebeto no topo do panorama mundial do futebol foi em 1998, quando, aos 34 anos, jogou o seu terceiro e último Campeonato do Mundo onde, apesar de ver a sua convocatória contestada pelos adeptos, manteve o registo goleador de quatro anos antes, dessa vez sem Romário e ao lado do Fenómeno. Nessa ocasião não conseguiu o título, pois o Brasil saiu derrotado na final pela França, naquele que seria o último jogo de Bebeto pela canarinha.

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    Bebeto (BRA)

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