É muito grande a exigência em comandar uma equipa como o FC Porto. A pressão de apresentar resultados, a obrigação em dar qualidade de jogo, os títulos como objetivo real e, na cabeça dos adeptos, prioritário. Gerir tudo isto não é nada fácil, ainda para mais se estivermos a falar de alguém na casa ainda dos 30, com pouca experiência, a dar os primeiros passos no futebol profissional. André Villas-Boas foi tudo isto e muito mais no ano inesquecível ano de 2010/2011.
Falhado o penta, Jorge Nuno Pinto da Costa tomou uma das decisões mais arriscadas da sua carreira enquanto presidente do FC Porto. Para o lugar do experiente e rodado Jesualdo Ferreira, decidiu contratar um antigo adjunto de José Mourinho, que transformou os dragões numa máquina mais parecida com o Barcelona de Guardiola. Hulk e, principalmente, Falcao ajudaram o treinador a conquistar uma Liga Europa marcante para o futebol português, ou não fosse Dublin o local da primeira final 100% pintada com as cores das Quinas.
Convém recordar que esta viagem alucinante do FC Porto na segunda prova mais importante de clubes europeus começou logo em agosto e com uma notícia marcante e traumática. Um dia antes de jogar no terreno do Genk, na Bélgica, a equipa tomou conhecimento do falecimento da sobrinha de Hulk, de apenas um ano de idade. O acontecimento, que, naturalmente, tirou o Incrível da partida, não impediu um triunfo claro, por 0x3, com destaques para os grandes golos de Belluschi e de Souza. Uma semana depois, no Estádio do Dragão, mais quatro golos, mesmo num ritmo não tão alto, com Hulk a poder brilhar numa altura complicada da sua vida privada. Era a primeira demonstração de força, do brasileiro e do coletivo.
Quanto ao Sporting, começou desde muito cedo, logo nessas eliminatórias da Liga Europa, a demonstrar que o que nasce torto raramente se endireita. Os leões passaram por um pequeno susto diante do Nordsjaelland, mas foi contra os dinamarqueses do Brondby que a equipa de Paulo Sérgio verdadeiramente sofreu a bom sofrer. Os problemas coletivos já eram evidentes quando, na primeira-mão, em Alvalade, os escandinavos ganharam por 0x2 e abriram o caminho para a fase de grupos. No entanto, uma semana depois, com alguma sorte à mistura, mas também com competência, o Sporting fez ainda melhor do que o seu rival e ganhou por 0x3, com Yannick, ao minuto 90, a evitar o prolongamento. Cumpriam-se, pelo menos, os serviços mínimos.
Já percebemos que o FC Porto foi implacável na eliminatória. Os dragões gostaram tanto da sensação de superioridade que repetiram o feito durante, praticamente, toda a edição desta Liga Europa. A fase de grupos, então, foi ultrapassada com total limpeza. Apuramento consumado, primeiro lugar garantido e 16 pontos somados, mas podiam muito bem ter sido 18. O único empate, diante do Besiktas, antecedeu uma goleada estrondosa por 5x0 face ao Benfica (para o campeonato) e não apagou alguns episódios brilhantes nesses seis jogos, como foram o triunfo claro na Turquia, mesmo em inferioridade numérica, e a vitória na neve, diante do Rapid, ainda por cima com os campeões europeus de 1987 presentes. E, claro, Falcao a ser herói.
Também a outra equipa portuguesa presente nos grupos, o Sporting, passou com relativa tranquilidade o seu grupo. Com menos brilhantismo, é certo, mas com total justiça, face à superioridade demonstrada nos momentos mais importantes. O duplo triunfo diante do Lille, segundo classificado, acabou por ser decisivo para um conjunto de Paulo Sérgio que viveu duas das suas melhores noites nas goleadas caseiras contra Levski (5x0) e Gent (5x1).
Nas restantes decisões da fase de grupos, algumas surpresas que acabaram por deixar pelo caminho um ou outro candidato. O Dortmund, já com Klopp, Hummels, Sahin ou Lewandowski, futuro campeão alemão, acabou por se ficar pela meia dúzia de partidas, perdendo a luta contra Sevilha e PSG. A Juventus, que, na edição passada, tinha caído aos pés do finalista Fulham, desiludiu novamente e o Atlético de Madrid, vencedor da última Liga Europa, acabou atrás de Aris e de Leverkusen.
Sonhar era legítimo. É certo que ainda se mantinham na competição várias equipas fortes, mas, por aquela altura, o FC Porto era já uma máquina, o Benfica voltava a apresentar uma qualidade de jogo tremenda, a fazer lembrar (com menor fulgor, é certo), a época de 2009/2010, e o Sporting de Braga já tinha demonstrado que era uma equipa muito perigosa em jogos a eliminar. Calhou a fava ao Liverpool, como já tinha calhado anteriormente a Celtic ou a Sevilha. Os reds, a viverem um período de crise, foram derrotados por 1x0 no Minho e chegaram ao final dos 180 minutos sem um único golo marcado! A organização dos Guerreiros era mesmo à prova de bala.
Apesar das dificuldades terem continuado, Benfica e FC Porto também ultrapassaram os seus rivais. O cansaço, físico e mental, a quantidade de jogos e a obrigação em manter o nível competitivo alto em termos domésticos retirou algum brilhantismo aos oitavos de águias e a dragões. A equipa de Jorge Jesus, particularmente, sofreu muito, mesmo até ao apito final, mas com muito apoio e esforço, os encarnados conseguiram garantir um empate precioso em Paris.
Quando as três equipas portuguesas apareceram juntas nos quartos de final, já outros candidatos tinham caído, como o cada vez mais endinheirado Manchester City, o Ajax ou o Zenit, a única formação a terminar a primeira fase com 18 pontos. Para Benfica e FC Porto, a primeira-mão desta eliminatória surgiu num momento marcante da temporada. Dias depois de garantir em pleno Estádio da Luz mais um título de campeão nacional, a equipa de Villas-Boas regressou em grande aos jogos internacionais, batendo sem apelo nem agravo os russos do Spartak, por 5x1. Por outro lado, dias depois de ver o grande rival a festejar na sua própria casa, os comandados de Jorge Jesus também golearam, por 4x1, um PSV de qualidade à frente e de limitação atrás.
O SC Braga viveu uma eliminatória bem mais tranquila, com apenas dois golos, ambos marcados em Kiev. Na segunda-mão, diante do Dynamo, os bracarenses limitaram-se a gerir o empate a uma bola, demonstrando, mais uma vez, a sua competência do ponto de vista organizacional. Estava carimbado o passaporte para as meias e o Benfica apresentava-se como adversário, depois de sofrer um pouco na deslocação a Eindhoven. Os encarnados estiveram mesmo a perder por 2x0, mas o central dos grandes momentos, Luisão, deu a primeira meia-final europeia às águias em décadas. O FC Porto, por seu turno, não se limitou a golear o Spartak uma única vez, quis repetir o feito em Moscovo, num 2x5 que mostrava bem o poderio e a confiança daquela equipa de André Villas-Boas.
Quatro semifinalistas, três equipas portuguesas. A Liga Europa de 2010/2011 já deixava uma marca muito forte, mas cabia ao FC Porto torná-la ainda mais inesquecível. E 45 minutos bastaram para se perceber que a final podia muito bem ser jogada sob a língua de Camões. Ao intervalo do primeiro duelo com o Villarreal, os dragões perdiam por 0x1 e mostravam-se pouco capazes de apresentar aquela qualidade de jogo. Tudo mudou num ápice, graças, sobretudo, ao talento e à capacidade finalizadora do melhor jogador da competição, Radamel Falcao. De penálti, após transição, na sequência de um livre lateral e depois de um canto; de pé direito, em mergulho, num cabeceamento mais técnico. O colombiano foi pau para toda a obra, num poker absolutamente histórico que deixou Villas-Boas à porta da final europeia (5x1). Em Espanha, os azuis e brancos até perderam, mas pela margem mínima, num resultado que assegurou o regresso aos jogos decisivos na Europa, depois de Gelsenkirchen em 2004.
Faltava encontrar o outro finalista. A primeira-mão na Luz, em teoria, beneficiava o Sporting de Braga, que aproveitou a quebra exibicional e física dos encarnados para construir um resultado interessante (2x1). Na Pedreira, a organização, o rigor, a maior frescura mental dos Guerreiros falou mais alto, num 1x0 histórico para o clube. Custódio subiu ao segundo andar, primeiro, e ao céu, depois, para materializar a primeira final europeia da história do Minho.
FC Porto e SC Braga. André Villas-Boas e Domingos Paciência. Em Dublin, o futebol português estava representado pelas duas equipas que mais consistência demonstraram no percurso europeu. No entanto, faltou brilhantismo e emoção à final. Assim que Falcao, perto do intervalo, voou para o golo que lhe abriu as portas da eternidade, o Dragão como que abdicou daquela forma de jogar mais pujante e afirmativa e preferiu guardar a vantagem com segurança. Helton fez apenas uma grande defesa, no inicio da segunda parte, e, nesse momento, sabia-se que, com maior ou menor dificuldade, a Liga Europa ia mesmo parar às mãos da melhor equipa. Assim que o apito final chegou, Villas-Boas exteriorizou toda a euforia e felicidade por mais um grande momento em 2011. Foi mesmo um ano diferente e especial.
1-0 | ||
Radamel Falcao 44' |