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    História da edição

    Champions 17/18: Karius abriu as portas do tri

    Texto por Jorge Ferreira Fernandes
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    O momento de sofrer um frango é especialmente doloroso para qualquer guarda redes, especialmente para aqueles que defendem os maiores clubes e que estão, por isso, sujeitos a um outro nível de pressão. A infelicidade de ser mal batido é ainda mais significativa se estivermos a falar de uma final. E então se elevarmos o nível de desespero e tentarmos perceber a dimensão de dois erros gravíssimos num jogo tão importante como o que vale o título de campeão europeu, aí toda uma carreira e todo um trabalho de muitos ano fica em cheque. 

    A Champions de 2017/2018 ficará eternamente recordada como a que terminou com a noite desastrosa de Loris Karius, em Kiev. Mais impressionante do que o terceiro título consecutivo do Real Madrid, numa hegemonia histórica e quase de outros tempos, mais incrível do que a quinta Orelhuda para Cristiano Ronaldo, só mesmo a exibição do guardião do Liverpool. Os de Klopp fizeram tudo e mais alguma coisa ao longo da competição, golearam, eliminaram de forma clara campeões de 100 pontos, mas, no final, foram traídos com dois erros que prometem não sair do baú desta mágica competição. 

    Para outra equipa de vermelho, este ano europeu foi também traumático. Mas não há comparação possível entre o percurso do vice-campeão Liverpool e do Benfica. Com um histórico importante na prova, especialmente a partir de uma década de 60 dourada, os encarnados não respeitaram minimamente o emblema que levavam ao peito e terminaram a fase de grupos com seis derrotas e zero pontos! Aconteceu de tudo um pouco...Na primeira jornada, em casa, o CSKA deu a volta ao marcador; umas semanas depois, goleada por 5x0 na casa do Basileia; o duplo confronto com o Manchester United trouxe dois autogolos...do guarda redes Svilar. Nas últimas duas jornadas, quando a equipa tinha possibilidades de honrar um pouco o prestígio que construiu ao longo de décadas, mais dois desaires. Uma participação histórica pela negativa para as águias e para o futebol português. 

    Apesar de também não ter seguido para os oitavos, como o seu principal rival de Lisboa, o Sporting viveu uma Liga dos Campeões completamente distinta. O grupo até parecia mais complicado do que o do ano anterior. Mantinha-se o colosso espanhol, desta vez o Barcelona em vez do Real Madrid, a vice-campeã Juventus substituía o Dortmund e, em comparação com o Legia de Varsóvia, o Olympiacos colocava-se como um rival mais traiçoeiro, especialmente se pensarmos nas partidas em solo grego. Os comandados de Jorge Jesus deram uma boa resposta, especialmente nas partidas contra os favoritos, mas, mais uma vez, no pormenor, falhou qualquer coisa, ainda que o apuramento para a Liga Europa tenha sido alcançado. 

    O único dos três grandes que acabou por passar foi o FC Porto. Mesmo num ano de pouca ou nenhuma aposta no mercado, de regresso dos emprestados, os dragões apresentaram-se competitivos e fortes, mesmo perante uma grande surpresa chamada Besiktas. Os turcos, com Talisca e Quaresma, mostraram logo na primeira jornada, em pleno Dragão, que estavam para fazer ainda mais do que no ano anterior. Conceição manteve a aposta na sua forma e na sua filosofia e os azuis e brancos acabaram por garantir o apuramento, apesar de encontrarem no Leipzig um rival forte. As goleadas contra o Mónaco e o empate na casa do líder foram decisivos para garantir, pelo segundo ano consecutivo, a presença entre os 16 melhores do Velho Continente

    Bicampeão em título, o Real nem sempre convencia no aspeto exibicional. A equipa, que respondia de uma forma brutal nas fases mais adiantadas, voltou a sofrer no seu grupo, ficando atrás de um grande Tottenham, que chegou aos 16 pontos depois de duas épocas consecutivas a lutar pelo título inglês. Um grupo super-desequilibrado que teve no Dortmund a principal e grande desilusão. Tuchel tinha abandonado o Signal Iduna Park e para o seu lugar havia chegado Peter Bosz, técnico que levou o Ajax à final da Liga Europa. Uma aposta que saiu completamente ao lado, tendo os crónicos adversários do Bayern finalizado a fase de grupos com apenas dois pontos. 

    Sérgio Conceição e José Mourinho seguiram para os oitavos e não foram os únicos portugueses a estar lá. Num grupo recheado de boas propostas futebolísticas, Paulo Fonseca, ao leme do Shakhtar, conseguiu superar o Feyenoord e o Nápoles de Sarri, garantindo um lugar dos ucranianos nos oitavos. Se os citizens, numa época de domínio em terras de Sua Majestade, não ofereceram grandes hipóteses ao resto, foi com os italianos que o técnico luso discutiu verdadeiramente a passagem. Ao contrário dos napolitanos, o Shakhtar conseguiu conquistar pontos frente ao futuro campeão inglês, mesmo uma vitória, e esse resultado foi decisivo para um apuramento meritório. 

    Três treinadores portugueses nos oitavos, nenhum nos quartos. Deixemos para o parágrafo seguinte aquele que caiu com mais estrondo e isolemos neste os que comandavam, à altura, equipas estrangeiras. Se a eliminação de Paulo Fonseca face à Roma não podia ser encarado como uma surpresa, apesar da boa resposta dos ucranianos e apesar do facto de ter sido o pormenor, verdadeiramente, a decidir quem caía e quem continuava na luta, a derrota de Mourinho contra o Sevilha já foi mais surpreendente. Apesar de contar com um bom historial recente a nível europeia, aquele era um conjunto andaluz que não convencia exibicionalmente e, à partida, o Manchester United era favorito. Começou também na exibição deprimente, em casa, face à equipa de Montella, a queda do Special One no Teatro dos Sonhos. 

    A bicicleta imortal de Cristiano Ronaldo @Getty /

    Recordemos, então, a eliminatória entre FC Porto e Liverpool. Não há quase nada para escrever sobre a segunda-mão, toda a história ficou guardada para o jogo do Dragão. Mesmo perante um dos grandes ataques do futebol europeu, esperava-se muito mais do futuro campeão nacional. Pela qualidade, ainda assim, presente, pelo historial na prova, pela apetência em criar dificuldades a jogar em casa, mesmo quando do outro lado se apresentavam colossos europeus e candidatos fortes à conquista da prova. Acabou tudo num 0x5, com Salah, Mané e Firmino a brilharem, perante um José Sá inseguro, uma dupla de centrais intranquila, uma frente de ataque quase inexistente. Uma diferença impensável, mesmo tendo em conta que pela Invicta passou um brilhante conjunto de jogadores e uma equipa que apresentou qualidade suficiente para conquistar a Europa naquele ano. 

    Com Valverde, o Barça, sem grande brilhantismo, ia passando as diferentes fases até chegar aos quartos. Se na época transata os blaugrana viveram uma das reviravoltas mais impressionantes da história do jogo, uns meses depois, é caso para dizer, o feitiço virou-se contra o feiticeiro. A primeira mão trouxe o guião mais ou menos esperado. Um Barça mais forte do que a Roma, que já não tinha Totti. O triunfo por 4x1 deixava a presença nas meias finais à distância de pormenores. A verdade é que, mesmo com Messi, Iniesta e companhia, este conjunto catalão afundou-se no Olímpico, numa noite que não fez jus aos múltiplos sucessos vividos com Guardiola e, até, com Luís Enrique. O golo de Dzeko abriu as hostilidades, o novo capitão De Rossi deu esperança e, na sequência de um mítico canto, desde a direita, Manolas apareceu ao primeiro poste para uma das eliminações mais surpreendentes da história recente. 

    Não foi tão surpreendente como esse mágico jogo da cidade eterna, mas não deixou ninguém indiferente. O Liverpool x Manchester City foi, acima de tudo, uma das grandes atuações coletivas desta Champions. Perante o futuro campeão inglês, uma equipa que foi capaz de chegar aos 100 pontos na Liga mais competitiva do Mundo, os reds deram uma autêntica lição, ou duas, neste caso. Já tinham ganho a Guardiola na Liga, por 4x3, mas esta foi uma atuação diferente, mais consistente do ponto de vista defensivo, tão ou mais letal do ponto de vista atacante. O City bem entrou forte no jogo do Etihad, mas Firmino, Mané e, principalmente, Salah estavam nesta Champions para a ganhar.

    Estes eram uns quartos de final absolutamente memoráveis. Porque para lá da reviravolta da Roma, para lá da grande demonstração de classe por parte do Liverpool, ainda houve tempo para um duelo de colossos que iria ficar na história. Juventus e Real Madrid protagonizaram, em relação à final de Cardiff, um embate mais competitivo e equilibrado, mas, no final, o que imperou foi mesmo o golo memorável de Cristiano Ronaldo. Em Turim, o craque português subiu lá acima, onde estão os deuses do jogo, para construir uma bicicleta de ver e rever sem parar. Um momento sublime, só ao alcance de uma lenda, que praticamente ofuscou toda a emoção que se seguiria. Praticamente, porque se os merengues foram capazes de bater a vecchia signora por 0x3, a finalista vencida da competição também marcou por três vezes no Bernabéu, ficando muito perto de levar o jogo para o impensável prolongamento, tendo em conta os acontecimentos da primeira-mão. O desmancha-prazeres do costume, CR7, pois claro, apareceu, numa grande penalidade, com muita polémica à mistura, para deixar o Real mais perto da quarta final em cinco anos. 

    Para o Liverpool, parecia impossível fazer melhor do que golear de forma histórica um antigo campeão europeu como o FC Porto ou bater sem apelo nem agrado o grande Manchester City de Pep Guardiola. A verdade é, durante quase todos os 90 minutos da primeira meia-final diante da Roma, os reds roçaram a perfeição, numa noite de glória para Salah e para o modelo ofensivo, agressivo e vertiginoso de uma equipa. Van Dijk provava-se uma contratação em cheio para a defesa, o meio campo funcionava cada vez melhor e o ataque, com combinações rápidas e dinâmicas, criava oportunidades com uma facilidade incrível. Dzeko ainda marcou dois na parte final dessa partida (5x2), quando os ingleses baixaram a guarda, mas, na cidade eterna, não houve uma segunda reviravolta épica. Ninguém podia impedir aquele rolo compressor de Klopp de estar na final da Champions

    Se o Real já tinha sido capaz de ultrapassar com sucesso eliminatórias emocionantes e decididas no pormenor, que dificuldade haveria de jogar uma meia final teoricamente equilibrada e complicada contra uma equipa do valor do Bayern de Munique? Este conjunto merengue provou nos dois jogos antes da final de Kiev que, independentemente da qualidade de jogo, das oportunidades criadas pelo adversário, da desinspiração das unidades mais criativas, a Champions era uma prova mais do que talismã. O poderoso conjunto alemão não foi inferior, pelo contrário, até terá tido mais domínio territorial e mais oportunidades claras, especialmente no jogo do Bernabéu, mas quando a organização era curta, lá aparecia Navas para salvar. O 1x2 da primeira-mão, assente no pragmatismo e na eficácia, não impediu algum sofrimento no jogo de Espanha, onde os bávaros fizeram mais do que o suficiente para seguir em frente, perante o novo dono da competição. O Real Madrid ia mais uma vez à final. 

    Um clássico na Ucrânia. Liverpool de um lado, Real Madrid do outro. Dois dos maiores clubes do Velho Continente frente a frente. Mais do que as oportunidades, que foram aparecendo nas duas balizas, os primeiros 45 minutos ficaram irremediavelmente marcados por duas lesões, uma bem mais marcante do que a outra. Carvajal, num lance dividido com Robertson, foi obrigado a sair, em lágrimas, já depois de Salah, a estrela dos reds em melhor forma, sofrer uma falta mais dura de Sergio Ramos e também ter que abandonar mais cedo a final. Mais uma vez, o capitão do Real Madrid no centro da polémica. 

    Já se sabia que o Liverpool tinha na defesa o seu ponto mais débil, mesmo com a ausência durante boa parte de uma das suas referências atacantes, o que não se esperava era que fosse o guarda redes a entrar na história deste jogo. Já depois de Isco ter atirado ao ferro, no início da segunda parte, Karius teve o seu primeiro momento desastroso, de total quebra de concentração, ao distribuir a bola na direção dos pés de Benzema, o único a acreditar que o guardião adversário poderia cometer o lapso no momento de começar a construir o jogo ofensivo da sua equipa. Um erro monumental que ficou algo escondido pouco depois, quando Mané empatou a partida e colocou alguma justiça no marcador, pois o jogo de Kiev não tinha um dominador claro. 

    Então, com um empate no marcador, Zidane lembrou-se que tinha um talento desequilibrador no banco, capaz de marcar diferenças perante uma defesa intranquila e um guardião algo traumatizado. A entrada de Bale foi mesmo em cheio! Quatro minutos depois de pisar o relvado de Kiev, o galês protagonizou um dos melhores golos da história das finais europeias, numa bicicleta, quiçá, tão perfeita como a de Cristiano Ronaldo, em Turim. Percebendo que o adversário estava frágil, o extremo tentou a sua sorte na meia distância pouco depois e Karius deixou fugir a bola de forma incrível para dentro das redes. O Real festejava a 13ª Champions, a terceira consecutiva, Cristiano Ronaldo abria as portas à saída, depois de algum descrédito por parte da aficción merengue, e o guarda redes do Liverpool acabava lavado em lágrimas, entre pedidos constantes de desculpa para as bancadas. Impossível de esquecer para quem viu tudo isto. 

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    Mohamed Salah
    Luka Modric, Andy Robertson

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    jogos históricos
    U Sábado, 26 Maio 2018 - 19:45
    Olimpiyskyi National Sports Complex
    Milorad Mazic
    3-1
    Karim Benzema 50'
    Gareth Bale 64' 84'
    Sadio Mané 55'
    Estádio
    Olimpiyskyi National Sports Complex
    Lotação70050
    Medidas105x68
    Inauguração1923