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Biografia

Humberto Coelho: O Beckenbauer Português

Texto por Mário Rui Mateus
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Diz-se que a capacidade para liderar nasce com a pessoa. É algo inato, que não se treina nem se pode adquirir. Na história do futebol português tivemos vários casos desses, de líderes natos que capitanearam grandes equipas. Humberto Coelho é um desses exemplos, uma espécie de Franz Beckenbauer à portuguesa, como muitos diziam.

O antigo central é um dos capitães mais carismáticos da história do Benfica e da Seleção Nacional. Foi um jogador de grande fiabilidade, que pegou de estaca ainda muito novo, e que também tinha queda para o golo. Ascendeu a pulso, à custa do seu talento, compromisso, dedicação e, sobretudo… da paixão que ainda sente pelo futebol.

Raízes humildes e de paixão

Humberto Coelho nasceu a 20 de abril de 1950, em Cedofeita, no coração do Porto. Era filho de um operário metalúrgico e de uma dona de casa, que também lavava roupa para os hospitais, e tinha também um irmão cinco anos mais velho. Desde cedo que o jovem Humberto revelou interesse pelo futebol.

Chegou a praticar voleibol e basquetebol pela Mocidade Portuguesa e também hóquei de campo no Ramaldense, mas a sua aptidão e paixão foi sempre pelo ‘Desporto Rei’. O seu pai era afeto ao Boavista e levava-o a ver jogos dos axadrezados, enquanto a sua mãe era adepta do FC Porto.

«Fui ver o dérbi Boavista x Salgueiros ao campo do Bessa, que estava cheio. Fui com o meu pai e, como era muito miúdo, ele passou-me por cima das pessoas e fiquei dentro do campo, sentado. O polícia deixou-me ficar ali quase encostado ao poste. (…) Há um livre marcado pelo Franco (Boavista), quase do meio campo. O guarda-redes do Salgueiros era o Adelino Oliveira e o Sol estava de frente para ele… O Adelino deu uma frangalhada do arco da velha! Eu estava ao pé do poste, o Adelino foi para lá e começou a chorar. Fui ter com ele para o reconfortar e fiquei tão triste, que depois também fiquei a gostar do Salgueiros. Foi uma coisa que me marcou para a vida. Desde miúdo que o futebol era tudo para mim», contou em entrevista à Tribuna Expresso.

O Boavista foi um dos primeiros clubes com quem Humberto Coelho vibrou @Kapta+

Além de ver, Humberto Coelho também gostava de jogar futebol, mas tinha de o fazer descalço, pois o dinheiro escasseava naquela altura. Juntamente com os amigos, o então jovem portuense divertia-se ao pé do campo do Ramaldense, que invadiu várias vezes à socapa para jogar.

Aos 11 anos começou a participar em torneios na zona, sendo que o primeiro foi em Salgueiros, na equipa de futebol 5 do Arsenal de João de Deus. Num torneio em Coimbrões, Humberto representou o Sport Lordelo e Benfica e também jogou pelo Arsenal do Bessa. No entanto, os seus pais voltaram a pô-lo no caminho dos estudos e incentivaram-no a tirar o curso de laboratórios químicos.

Enfim o futebol e o Benfica

A paixão do jovem pelo futebol era impossível de esfriar e então, finalmente, o seu pai decidiu inscrevê-lo no Ramaldense. Com apenas 14 anos, Humberto Coelho começou uma missão desafiante na sua curta vida: conjugar futebol, estudos e trabalho (numa tinturaria e, mais tarde, numa fábrica de curtumes). A dedicação e compromisso do jovem foram determinantes e a missão foi cumprida com sucesso.

Quanto ao futebol, Humberto Coelho começou por jogar a avançado, mas o treinador António Pedro puxou-o para central, embora de vez em quando fosse dar uma pernita ao ataque.  Além da altura e capacidade no jogo aéreo, o portuense destacava-se no papel de líder e rapidamente chegou a capitão. Ao fim de duas épocas, o Ramaldense já parecia muito pequeno para ele.

Foi treinar ao Foz, Leixões e também ao FC Porto, onde a mãe queria que jogasse, mas a verba exigida pelo Ramaldense afastou os interessados. Contudo, da capital veio ataque em força: o Benfica, através do olheiro Custódio Antunes. Os encarnados pagaram 40 contos ao Ramaldense, mais 30 quando o jovem chegasse aos seniores, e mais 20 contos a Humberto Coelho.

O acordo estava selado, mas os seus pais demoraram a aceitar a ideia de ver o seu filho partir para Lisboa, com apenas 16 anos, para jogar futebol.  A autorização acabou por surgir e Humberto Coelho lá partiu num comboio, rumo à metrópole lisboeta.

Eusébio foi um dos craques com quem Humberto Coelho dividiu o balneário no Benfica, Seleção Nacional e nos Estados Unidos @Getty / Central Press
O quarto jogo da época 1966/67, marcou a estreia do jovem central pelo Benfica, na vitória por 4x1 sobre o Oriental. Depressa se impôs e chegou capitão de equipa de juniores, numa altura em que os estudos tinham sido preteridos e as fichas apostadas no futebol. Sob o comando de Ângelo Martins, o jovem que tinha Germano como referência venceu o Campeonato Regional na 1ª temporada e o Campeonato Nacional na seguinte.

Ascensão esperado de um líder

Sem surpresas, após dois anos nos juniores, Humberto Coelho chegou aos seniores do Benfica, que na altura dominava Portugal e era um tubarão europeu, com nomes como Toni, Mário Coluna, António Simões, Nené, José Augusto, Eusébio ou José Torres. Envolvido num processo de renovação agitado, o central Humberto Fernandes acabou por não integrar a comitiva encarnada que fez uma digressão por Estados Unidos e América do Sul, na pré-época de 1968, e o seu substituto foi... Humberto Coelho.

Humberto Coelho com Frederico, um dos centrais com quem fez parelha @Getty Images
Logo no primeiro jogo, diante dos brasileiros do Remo FC, Otto Glória apostou no jovem portuense e este nunca mais largou o lugar. Seguiram-se partidas importantes, contra equipas como Boca Juniors, River Plate, ou Santos. Neste último jogo, o jovem de 18 anos ficou encarregue de marcar... o Rei Pelé, uma tarefa para a qual Otto Glória o preparou bem. O jogo correu bem e trouxe a camisola do astro brasileiro, como recompensa.

Assumiu-se como titular indiscutível no centro da defesa benfiquista, só faltava saber quem jogava ao lado dele. Raúl Machado, Humberto Fernandes, Messias, Rui Rodrigues, António Bastos Lopes, Eurico Gomes, Carlos AlhinhoAlberto Bastos Lopes foram alguns dos seus companheiros de setor. Em 1970, Jimmy Hagan chegou à Luz para substituir Otto Glória no comando técnico e foi então que a veia goleadora do patrão da defesa encarnada despertou.

Os 77 golos de Humberto Coelho de águia ao peito tornaram-no no segundo defesa mais goleador da história do Benfica, apenas atrás de Cavém (104 golos). A certa altura, a aptidão de Humberto para marcar era tanto que, quando o resultado era desfavorável, o timoneiro inglês mandava-o para o ataque, como treinador António Pedro fazia no Ramaldense.

Humberto Coelho num dos muitos Clássicos que disputou @Global Imagens / Lobo Pimentel
O compromisso e a dedicação do portuense para com o futebol também vieram ao cimo no início da década de 70. A cumprir o seu dever na tropa, entre julho de 1971 e julho de 1974, Humberto Coelho percorreu o país para ‘acudir’ ao serviço militar e ao Benfica. Chegou a treinar no Boavista para manter a forma e, para comprovar a sua aptidão física, também levava «tareias» de Jimmy Hagan.

Durante este período agitado, Humberto Coelho teve um dos jogos mais marcantes da sua carreira. A Luz acolheu o Clássico, a contar para a nona jornada da I Divisão 1972/73, que as águias conquistaram. Na casa do rival, Abel Miglietti e Flávio Minuano ofereceram ao FC Porto uma vantagem de 0x2, que se manteve até aos 75 minutos. Foi então que Vítor Baptista reduziu e, logo no minuto seguinte, Jaime Graça empatou. Já nos descontos, uma cabeçada letal de Humberto Coelho assinou uma reviravolta épica (3x2).

Paris, Las Vegas e regresso à Luz

Em 1975, o Benfica passava por dificuldade financeiras e acabou por vender o capitão Humberto Coelho. O Atlético de Madrid pretendia o central, então com 26 anos, mas este acabou por rumar ao Paris Saint-Germain, um clube jovem, com apenas cinco anos de existência e que queria chegar ao topo do futebol francês. Contudo, os parisienses tinham grandes défices em termos de infraestruturas, experiência desportiva e apoio clínico.

Humberto Coelho realizou uma boa época de estreia pelo PSG (11º lugar na Liga), na altura orientado pelo mítico Just Fontaine, mas o mesmo não se pode dizer da segunda. Lesões no joelho, menisco, ligamento e duas consequentes operações condicionaram-no bastante. Apesar desta experiência um pouco amarga, foi na cidade do amor que o central conheceu a sua esposa Laurence.

Depois da aventura em Paris, Humberto Coelho decidiu partir para outras paragens. O defesa chegou a ter tudo acertado com o Internacional PA, mas um litígio com o clube brasileiro levou-o a regressar ao Benfica, em 1977/78. Como ainda dispunha de um período de intervalo de mais de meio ano, Humberto Coelho passou pelos Las Vegas Quicksilvers, onde jogava Eusébio e havia… muita festa.

«Quando cheguei a Las Vegas com o Eusébio, havia a final do torneio de ténis de Las Vegas, entre o Jimmy Connors e o Ilie Nastase. Nós jogávamos com o New York Cosmos, onde jogavam Pelé e Giorgio Chinaglia e então fizemos uma conferência de imprensa conjunta, os seis. O Caesars Palace estava cheio de jornalistas. Jogávamos no domingo e, no sábado, andava um avião com o meu nome no ar durante a final de ténis. No domingo, quando entrei em campo, entrei num tanque de guerra, com as majoretes: ‘Tchu, tchu, tchu and now ladies and gentlemen, number 29, from Portugal…’», contou em entrevista à Tribuna Expresso.

Após a passagem pelos Estados Unidos, Humberto Coelho regressou à Luz, afirmando-se nos onzes de John Mortimore e Mário Wilson. Em 1980, o técnico Lajos Baróti chegou ao Benfica para recolocar o clube na rota dos títulos, sempre com Humberto no comando na retaguarda.  Já na reta final da carreira, o defesa central trabalhou com o revolucionário Sven-Goren Eriksson, que levou os encarnados a mais uma final europeia, perdida para o Anderlecht, algo que deixou uma grande amargura a Humberto Coelho.

Humberto Coelho
Benfica
Total
496 Jogos  44312 Minutos
77   15   1   02x
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Foi também sob o comando do timoneiro sueco que Humberto Coelho representou o Benfica pela última vez, no triunfo caseiro por 3x0, diante dos norte-irlandeses do Linfield, a contar para a Taça dos Campeões Europeus 1983/84. Para trás ficaram 496 jogos pelo Benfica, 77 golos, oito Ligas Portuguesas, seis Taças de Portugal e uma Supertaça portuguesa.
 

Capitão também de Quinas ao peito

Humberto Coelho chegou cedo às Seleções jovens portuguesas, logo no seu segundo ano no Ramaldense e no futebol. A partir daí quis afirmar-se, tanto a nível de clube, como a nível de Seleções. Dos escalões jovens até à Seleção A foi um instante e a 27 de outubro de 1968, no primeiro ano de sénior no Benfica, o central estreou-se pela Seleção principal.

O então jogador de 18 anos foi chamado pelo selecionador José Maria Antunes para um jogo de qualificação para o Mundial’70, frente à Roménia. Humberto Coelho entrou aos 56 minutos para o lugar do academista e futuro colega de equipa Rui Rodrigues, num encontro que os portugueses venceram por 3x0. A partir daí foram 63 jogos, 30 deles como capitão, e seis golos de Quinas ao peito.

A Seleção Nacional também marcou o término da carreira de Humberto Coelho. Num treino que precedeu o jogo de qualificação para o Euro’84, frente à Finlândia, o jogador do Benfica sofreu nova lesão e teve de ser outra vez operado ao menisco. O capitão ainda forçou o regresso para não perder a participação no Euro’84, mas acabou mesmo por encerrar a carreira. Durante muitos anos, o defesa foi o segundo mais internacional da história da Seleção portuguesa, só que a lesão impediu-o de ultrapassar o amigo Eusébio.

A 19 de agosto de 1981, Humberto Coelho foi chamado para representar outra Seleção, a Seleção da Europa. Esta constelação de estrelas foi formada para um jogo comemorativo do 80º aniversário da Federação Checoslovaca de Futebol. No ano seguinte, perante 120 mil espetadores no Giants Stadium (Nova Iorque), o central atuou novamente pela Seleção da Europa, desta vez num jogo de beneficência para a UNICEF. Dino Zoff, Johan Neeskens, Franz Beckenbauer, Zbigniew Boniek, Kevin Keegan e Michel Platini eram alguns dos craques desta equipa, que venceu a Seleção do Resto do Mundo por 3x2.

Para sempre ligado ao futebol

Humberto Coelho foi selecionador de Portugal e agora é Vice-Presidente da FPF @FPF/Diogo Pinto
Depois de pendurar as chuteiras, Humberto Coelho voltou ao seu querido futebol, desta vez como treinador. Depois de passar por Salgueiros e SC Braga, aceitou o convite da Federação Portuguesa de Futebol e tornou-se selecionador de Portugal, em 1998. Levou a Seleção das Quinas até ao Euro’2000, onde só caiu nas meias-finais, no célebre jogo diante da França.

Em 2001 assumiu o cargo de selecionador de Marrocos e em 2003 o de selecionador da Coreia do Sul, por quem conquistou um East Asian Football Championhip. Em 2005/06 rumou à Arábia Saudita, onde foi campeão pelo Al-Shabab, e em 2009 foi selecionador da Tunísia.

Dos bancos passou para o dirigismo, mais concretamente para a Federação Portuguesa de Futebol. Foi Vice-Presidente e mantém-se ligado ao organismo máximo do futebol português desde 2011.

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Humberto Coelho (POR)
Humberto Coelho (POR)
Comentários (1)
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motivo:
YA
Excelente central
2020-04-20 16h32m por Yazapeyroteu
Excelente central, um dos melhores de sempre do futebol português.

Tinha tanto de bom jogador, como de árbitro. . . ficou célebre o seu gesto de levantar os braços para os árbitros assinalarem falta a favor do seu clube!