Não era o driblador mais ágil, nem forte fisicamente. Não tinha o melhor remate no futebol, nem era o melhor defesa da sua equipa. Não saltava à vista em campo, nem fora dele. Mas, ainda assim, Xavi Hernández é sem dúvida nenhuma um dos melhores jogadores da história do futebol.
Num Barcelona dominante, conhecido pela posse de bola em inesgotáveis combinações, Xavi surgiu como um metrónomo no meio-campo. Por cada corrida desenfreada de um adversário, o pequeno médio limitava-se a responder com um leve toque na bola, ou uma desmarcação simples e precisa. Via o campo como mais ninguém, colocando cada bola no pé de um colega com a mesma precisão com que colocou o tiki no taka, definindo uma era do futebol.
Xavi foi indiscutível em duas das equipas mais dominantes da história do desporto, o clube que representou durante 17 anos e a sua seleção, pela qual jogou 133 vezes. O seu génio era discreto, raramente colhia os louros dos sucessos coletivos, mas para a história fica o Euro 2008, no qual foi a principal figura, numa conquista que marcou o final do jejum espanhol de 44 anos e começou a nova era dominante da La Roja.
Chegou à equipa principal em 1998/99, lançado por Van Gaal, e teve impacto imediato. Logo na estreia, frente ao Mallorca, na Supertaça, marcou - mas os catalães perderam a competição. Iniciou-se aqui um percurso de 17 anos na equipa principal do Barça, clube pelo qual venceu todas as competições possíveis. No total, foram 767 jogos pelo Barcelona.
O crescimento na equipa principal foi calmo e sustentado. Entre 2001 e 2003 começou a ganhar preponderância na equipa principal e, apesar de estar a jogar num papel mais defensivo, as assistências e golos foram surgindo dos pés do jovem médio. Em 2004/05, era já vice-capitão, e foi nomeado jogador espanhol do ano da La Liga, um ano antes da sua primeira grande conquista: a Champions League de 2006, sendo que Xavi ficou no banco na final, depois de um final de época em que foi afetado por lesões.
A carreira de Xavi começava a ganhar contornos interessantes à medida que o médio se tornava uma peça-chave do Barcelona, mas foi só a partir dos 27 anos que deixou de ser um grande jogador e passou a estar no lote dos melhores futebolistas da história. Com o ex-colega Pep Guardiola ao leme, o Barcelona tornou-se imparável. Até ao fim da sua carreira, Xavi ganhou tudo a nível de clubes e seleções, e, embora nunca venha a ser creditado como principal obreiro, Xavi será sempre um dos fatores fundamentais para o funcionamento do lendário tiki-taka e de todas as equipas que representou.
De um desporto espera-se atletas. Indivíduos que se destaquem por características físicas, mais do que mentais. Mas, embora Xavi certamente fosse mais atlético que o típico homem da sua idade, não se destacava propriamente entre os colegas de profissão. Ainda assim, olhar para os 170cms de Xavier Hernández e perceber a dimensão de gigante do futebol que o pequeno génio catalão detém é bem mais fácil do que à primeira vista poderia parecer. Para Xavi, a cabeça sempre foi mais importante do que qualquer outra parte do seu corpo:
«Sempre tive que usar a mente para jogar futebol. Não sou o Kylian Mbappé. Ele corre, mete a bola e ultrapassa o jogador. Eu não tenho as pernas dele, mas uso o meu cérebro. É assim que compenso.»
Qualquer médio deve ser competente a passar a bola. E qualquer jogador que se veja como um bom médio tem que dominar certas capacidades, como a visão de jogo, ou olho para um passe, e a capacidade de execução para que consiga realmente entregar a bola. Com dedicação suficiente, qualquer jogador consegue dominar estas habilidades, mas o movimento sem bola e a procura pelos espaços exige um cérebro especialmente preparado para o futebol. Para Xavi, o espaço era tudo em campo e era nesse sentido que queria ajudar a equipa, sabendo sempre onde estar e onde estvam os restantes 21 jogadores.
O Campeonato da Europa, embora seja uma competição de grande relevo, dificilmente é a conquista mais impressionante na carreira de um jogador que ganhou tudo o que havia para ganhar. Ainda assim, para Xavi, o Euro 2008 deve ter um gosto especial. Não só porque foi a única competição em que surgiu como a figura de proa da aquipa, que não era bem o seu estilo, mas principalmente porque foi o pontapé de saída de um resto de carreira icónico. «Decisivo, magistral e genial», assim categorizou a imprensa europeia o maestro da orquestra espanhola, que foi eleito pela UEFA como o melhor jogador a pisar os relvados da Áustria e Suíça, durante a prova maior do continente europeu. Mas o melhor estaria para vir.
Enquanto a fúria roja dominava o futebol internacional, no Barcelona de Guardiola tudo corria como um verdadeiro conto de fadas, mas, se Messi era o herói da história, então Xavi era a encadernação do livro. O outrora discreto e competente médio estava cada vez mais influente em campo, à medida que o estilo de jogo da equipa se adequava mais as suas qualidades. No total, foram 15 troféus nos quatro anos que Guardiola comandou a equipa, e Xavi foi instrumental em cada um deles. Mesmo pós-Pep, o futebol de Xavi não deixou de contagiar o Camp Nou, nem os troféus deixaram de aparecer. A última temporada em Espanha, antes de rumar ao Qatar, simbolizou a sua carreira de conquistas. O Barcelona e Xavi foram novamente um campeões em triplo: Liga, Taça e a UEFA Champions League.
«É o cérebro da equipa. Equilibra-nos e nunca perde a bola», disse Busquets, que partilhou o meio-campo com Xavi no clube e na seleção, tal como Iniesta: «É um líder e um exemplo. A nível do futebol, é um privilegiado porque está sempre um passo à frente do jogo e do que acontece.» Também Fàbregas partilhou o meio-campo com o lendário médio e, enquanto culé, depois da reforma de Xavier Hernandéz, não deixou de expressar a sua opinião acerca de um legado eterno:
A ligação ao Barcelona e Catalunha era tal que a distância não durou para sempre. Em 2021, depois de dois anos e meio como treinador do Al-Sadd, emblema catari onde terminara a carreira de jogador, Xavi foi convidado pelo emblema culé a regressar para ser sucessor de Ronald Koeman. Assim iniciou um novo capítulo, no qual voltou a celebrar títulos pelo clube que nunca deixara de ser seu.