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    Gabriel Batistuta: O Batigol

    Texto por Gaspar Castro
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    Cabelos de leão, um pontapé canhão, camisolas violeta ou albicelestes  (e outras, como a que lhe deu o único Scudetto, mas alguma outra cor foi mais icónica do que essas?). Letal, exótico, nuns anos 90 em que a globalização no futebol ainda não era o que viria a ser. Gabriel Batistuta foi para a Argentina o que Ronaldo foi para o Brasil, Van Basten para a Holanda, George Weah para a Libéria.

    @Getty / Mark Sandten

    A longa viagem deste avançado completo que chutava de qualquer lugar começou na Argentina natal, onde nasceu no Newell's Old Boys e onde viveu os dois lados da rivalidade histórica de Buenos Aires - River e Boca. Em Florença tornou-se lenda, ao lado de Rui Costa, e teve direito a uma estátua de bronze que viveu no estádio Artemio Franchi até à mudança do goleador para Roma, para finalmente vencer o campeonato há tanto ansiado. Milão foi casa temporária antes do adeus aos relvados no Médio Oriente.

    E se em Florença foi ícone, o trajeto na seleção argentina não ficou atrás. Duas Copas América conquistadas, sendo o melhor marcador da primeira que jogou, uma Taça das Confederações também para o palmarés, presenças em três Campeonatos do Mundo, com dez golos marcados. Com 54 golos em 77 internacionalizações, este goleador de cara longa e cabelos ao vento foi o melhor marcador da história da seleção argentina durante longos anos... até chegar um «extra-terrestre» (nas palavras do próprio Batistuta) de seu nome Lionel Messi.

    Uma longa e extraordinária odisseia entre três continentes... valeu a pena, certamente, apesar das dores incalculáveis que Batistuta sentiu após pendurar as chuteiras. E apesar de a Bola de Ouro nunca ter chegado.

    Do sonho do basquetebol ao eixo Monumental-Bombonera

    Gabriel Omar Batistuta viria a fazer dos golos vida, mas bem antes disso sonhava... com os cestos. A cidade argentina de Reconquista viu-o crescer (muito) e a elevada estatatura começou por levar o pequeno grande Gabriel para o basquetebol. Até que, com oito anos, viu a sua Argentina vencer o Mundial de 1978. Inspirado por Mario Kempes, o melhor marcador da prova, virou-se para os chutos na bola e juntou-se ao clube da terra, o Platense... até um belo dia de jogo contra o Newell’s Old Boys.

    O clube que viria a ser (muitos anos depois) de Messi e que era então treinado por Marcelo Bielsa sofreu dois golos de um jovem goleador de nome Batistuta. El Loco ficou rendido, fez questão que Gabriel fosse de adversário a pupilo e assim 1988 foi ano de contrato profissional no clube de Rosário para este diamante bruto.

    Longe de casa, Gabriel apoiou-se no mentor Bielsa para superar as dificuldades e começar a impressionar e marcar golos, tão rápido que o River Plate foi bater à porta do clube pouco depois. Mais uma viagem, mais um enorme salto, mas a vida no Monumental não foi fácil porque a adaptação à equipa não o foi. Ainda assim, foi campeão nacional. A afirmação a nível individual chegaria só depois, do outro lado da barricada: mudou-se para a Bombonera e com a camisola do Boca Juniors, sob a orientação de Óscar «El Maestro» Tabárez, passou a ser a referência de ataque e a brilhar no torneio Clausura e na Libertadores, até às meias-finais.

    Era altura de albiceleste. Alfio Basile levou o rapaz de 22 anos para fazer companhia a Caniggia no ataque, Batistuta retribuiu a confiança com meia dúzia de golos: a Argentina venceu essa Copa América de 1991, o jovem avançado foi o rei dos golos e só não marcou num jogo.

    Lealdade e devoção à camisola viola

    Os seis golos marcados no Chile e o estatuto que já tinha no Boca fizeram soar alarmes do outro lado do oceano. A chamada veio de Florença, de uma Fiorentina que andava bem longe dos lugares cimeiros da Serie A e que colocou a responsabilidade dos golos nos ombros de Batigol, como lá ficaria conhecido. Esses golos chegariam cedo, os troféus nem por isso... mas Batistuta teve toda a paciência do mundo para os conquistar mais tarde.

    À primeira temporada na bota da Europa marcou 13 golos na Serie A, conquistando os adeptos... e, no fim, conquistando mais um troféu pela Argentina, a Taça das Confederações de 1992, com dois golos apontados. À segunda época em Itália já foram 16 no campeonato, mas a Fiorentina viveu uma imensa desilusão no desfecho, descendo à Serie B. Na seleção, mais uma Copa América conquistada, a de 1993, mais três golos nesse torneio. Seria altura de mudar de clube, certo? Nada disso.

    @Getty Images

    Apesar do estatuto que já tinha em dois continentes, Batistuta foi fiel ao escudo que defendia. Ficou em Florença, desceu um patamar para rapidamente voltar a subir. Mais 16 golos para o argentino no campeonato, a Fiorentina campeã da Serie B e imediatamente de volta ao lugar de onde tinha caído. Chegava o verão de 1994 e chegava a Florença um novo companheiro: Rui Costa.

    Batistuta teve a sorte de ter Rui Costa, Rui Costa teve a sorte de ter Batistuta. O regresso à Serie A nessa época de 1994/95 começou por valer apenas um 10º lugar, mas para o avançado argentino valeu bem mais do que isso: o prémio de melhor marcador da Serie A, com 26 golos, um registo estrondoso para uma equipa de meio da tabela no campeonato de referência a nível defensivo. Só faltavam os troféus a sério em Florença, aquela Serie B sabia a pouco. Não foi preciso esperar muito mais.

    Rui Costa, Francesco Baiano, Gabriel Batistuta. Um trio de ouro, um trio que levou a Fiorentina a uma série de 15 jogos sem perder em 1995/96 e, no fim, a um belo quarto lugar. Na Taça de Itália, chegou a glória: Batistuta marcou oito vezes em oito jogos, a Fiorentina levou para casa o troféu, como levaria depois a Supertaça frente ao Milan de Arrigo Sacchi graças a um bis do Batigol. Estava quebrado o enguiço, estava erguida uma estátua (literal) em honra de Gabriel Batistuta no Artemio Franchi.

    Estava, também, criada a parceria perfeita com Rui Costa na cidade dos Medici. As assistências do português para o argentino não paravam de chegar, e se a temporada que se seguiu foi menos impressionante (9º lugar, 12 golos no campeonato para o argentino e a meia-final da Taça das Taças para redimir a equipa), seguiram-se três épocas em que o argentino ficou sempre acima dos 20 golos na Serie A. No Inter havia um fenómeno de nome Ronaldo, em Florença havia Batistuta e os duelos entre os dois goleadores eram admirados pelo mundo fora.

    Os golos não paravam de sair da bota ou da cabeça do argentino, pelo chão, pelo ar, em pontapés acrobáticos, mas o sonho de ultrapassar gigantes como Milan, Juventus ou Inter e vencer o Scudetto continuava inalcançável, apesar de Batistuta tudo fazer por isso. Entretanto, já se aproximavam os trintas.

    Rei Leão de Roma

    A entrada no ano 2000 ainda teve Batistuta em Florença, numa última tentativa de ser por lá campeão e numa época em que se pôde estrear na Liga dos Campeões. Apesar de 28 golos entre todas as provas, incluindo pedaços de genialidade contra Arsenal e Manchester United, a fome de títulos maiores voltava a não ser saciada. Na capital italiana abriram-lhe as portas para o banquete.

    Qualquer coisa como 36,2 milhões de euros foi o que a Roma pagou por um jogador já acima dos 30 anos, muito tempo antes de ser quase normal abrir os bolsos desta forma. Uma transferência recorde, por ter sido o maior valor alguma vez pago por um jogador nos trintas, que só seria batida por Leonardo Bonucci em 2017.

    A bem dizer, o Rei Leão (assim ficou conhecido em Roma pela cabeleira farta e garra em campo) só teve uma temporada de felicidade no Olímpico. Mas foi felicidade olímpica: mais 20 golos no campeonato e, finalmente, o Scudetto sonhado e só nessa vez conquistado. Foi preciso mudar de cidade, de escudo, mas chegou. O momento mais difícil da época? Foi a 26 de novembro, quando Batistuta partiu corações de adeptos da Fiorentina com um (espetacular) golo da vitória aos 83 minutos, que não festejou e que o levou a deixar o estádio em lágrimas.

    qFui ver um médico e disse-lhe para me cortar as pernas. Ele olhou para mim e disse-me que eu era maluco. Eu não aguentava mais. Não consigo explicar por palavras como era aquela dor. Olhei para o Oscar Pistorius e disse: ‘É esta a minha solução’
    Gabriel Batistuta, após pendurar as chuteiras
    Partiu-se o coração antes do corpo. A época seguinte, a segunda em Roma, já não mostrou o melhor Batistuta, que começava a curva descendente inevitável dos trintas. Não passou dos seis golos na época seguinte e pouco depois acabou emprestado ao Inter por seis meses. De nerazzurro, dois golos em 12 jogos. Estava a chegar ao fim a bonita história.

    Não seria ainda em Milão o epílogo, seria bem longe dali, no Qatar, onde representou o Al-Arabi e, apesar de a forma física não ser a melhor, a classe do Batigol permitiu-lhe marcar 25 vezes e bater o recorde do campeonato. Um último momento de alegria antes do adeus forçado devido a lesões e de um pós-adeus ainda mais doloroso. Mal conseguia caminhar devido às dores que os relvados lhe tinham deixado. As pernas nunca voltaram a ser as mesmas, mas uma cirurgia ajudou e Batistuta conseguiu entretanto voltar aos relvados para jogos solidários. E o pontapé canhão ninguém lhe tira, por muito que a vida lho tenha querido tirar.

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    Gabriel Batistuta (ARG)

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