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Hélder Postiga: O Postigol

Texto por Gaspar Castro
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Ashley Cole tinha convertido o penálti, Hélder Postiga tinha de fazer o mesmo. Quartos-de-final, um Europeu jogado em casa. David James pela frente, dez milhões com o coração nas mãos. O que faz Hélder Postiga? Uma Panenka, bola lá para dentro. O mundo incrédulo, Deco a bater palmas de sorriso rasgado. Confessem lá: quantas vezes viram já esse momento?

Hélder Postiga era assim, irreverente, mesmo quando não era suposto sê-lo, e transformou o talento numa série de momentos de glória, por muito que lhe seja colado o rótulo de promessa não concretizada (legítimo, mas discutível). De promessa a certeza logo nos primeiros anos de dragão ao peito, venceu por lá títulos com que só poderia sonhar, a Taça UEFA como expoente máximo. Foi para Londres com rótulo de estrela, teve alguns (raros) momentos de algum fulgor goleador no Sporting, jogou nos grandes campeonatos europeus, teve momentos inesquecíveis na seleção (aquele penálti é um deles, claro).

Não foi a carreira que podia ter sido, não. Mas vejamos: 147 golos em 574 jogos oficiais, 27 golos em 71 jogos por Portugal... para alguém que ficaria também conhecido por golos que falhou, não foi tão mau assim, pois não?

Entre as Caxinas e a Constituição

Uma infância temperada pelo sal do mar, enfeitada com sargaço e fanecas, ladeada por barcos e redes de pesca. Como André ou Paulinho Santos, como Bruno Alves ou Coentrão, foi no humilde e trabalhador bairro das Caxinas que se fez pessoa. Não fosse o talento para a bola e o mais provável seria que o destino o levasse para alto-mar. O mar não foi ofício, mas nunca deixou de ser paixão.

@Getty / Craig Prentis

O amor ao futebol, e esse sim viria a ser também ofício, nasceu no vizinho Varzim, onde não demorou a mostrar o talento que brotava dos pés. Tinha 10 anos, não passou mais do que dois nos poveiros. Aos 12, tinha ganho 3x2 ao FC Porto e feito um bis quando o célebre Frasco o chamou para uma conversa que definiria o futuro de um pescador que não foi pescador. Ir jogar para o FC Porto? A família era benfiquista, mas Hélder Postiga não podia recusar a oportunidade, até porque a Invicta não ficava tão longe assim... a resposta só poderia ser «sim».

Começavam as viagens das Caxinas ao Campo da Constituição, onde o toque de bola lhe dava direito a um pequeno privilégio: jogar sempre no escalão acima daquele que a faixa etária ditaria. Via-se um rapaz talentoso, mas também um rapaz atrevido e de cabeça leve, sem grande vontade de a baixar. Mesmo assim, rendeu-se ao trabalho duro, fez os sacrifícios necessários para fazer o percurso até ao futebol profissional, enquanto ia somando títulos nacionais de escalões jovens desde o pelado daquele campo às portas do Marquês portuense.

Quando chegou aos juniores teve a primeira oportunidade de jogar nas Antas, como outros daquele escalão, porque era ali que se jogava a fase final do campeonato. Foi ali campeão de juniores, no estádio em que se tornaria estrela precoce pouco depois. Nessa fase final da formação saltitava entre sub-19 e a nova equipa B, até que lá para o final da temporada 2000/01 Fernando Santos decidiu chamá-lo para o banco num jogo dos graúdos contra o Estrela da Amadora. Não chegou então a jogar na relva da Reboleira, foram Pavlin, Drulovic e Maric que saltaram do banco, mas estava dado o último passo rumo à equipa principal do FC Porto. E isto sem ser emprestado, ao contrário do percurso habitual para os jovens da formação.

A ascensão nas Antas

Ir direto das equipas secundárias para a principal tinha acontecido com Domingos Paciência e com muito poucos mais, era um privilégio para um menino da Constituição (o quartel-general do Olival nasceria pouco depois). Octávio Machado queria ter uma arma secreta para o ataque, as referências que lhe chegavam de Hélder Postiga eram as melhores, assim foi. Maric lesionou-se, Postiga viu a oportunidade e agarrou-a. A estreia foi fora com o Barry Town na Liga dos Campeões, o segundo jogo foi em casa com o Grasshoppers na mesma prova e bastaram quatro minutos em campo para o primeiro golo a sério de dragão ao peito. Correram lágrimas na cara de um miúdo de 19 anos nessa noite de agosto de 2001.

O jovem Hélder não ansiava ser o foco de todos os ataques, queria ser o segundo avançado que muitas vezes foi, mas ver um rapaz da formação marcar em tão pouco tempo e voltar a marcar dois jogos depois num dérbi contra o Boavista deu-lhe a responsabilidade de continuar a marcar. Postiga era capaz disso, marcou também no célebre jogo da braçadeira de Jorge Costa, marcou um total de 13 golos numa época em que o FC Porto não foi campeão. Uma época em que, pelo meio, entrou José Mourinho... e o novo treinador foi preparando Postiga para ser o ponta-de-lança na época seguinte.

@Getty / Neal Simpson - EMPICS

Essa época seguinte foi 2002/03, e por muito que as metodologias de Mourinho impressionassem longe estava Hélder Postiga de imaginar o sucesso que teria nessa temporada, tanto individual como coletivo. Golo no primeiro jogo da época, ao Belenenses. Dois golos ao Polónia Varsóvia na Taça UEFA. Por duas vezes ainda antes do fim do ano civil, três jogos seguidos a marcar. Era dele um dos lugares do ataque, entendia-se às mil maravilhas com Derlei, acabaria a época com 19 golos, o título nacional, a Taça de Portugal... e a Taça UEFA, que lhe trouxe um misto de sensações: tinha marcado golos essenciais no caminho até Sevilha, incluindo nos memoráveis 4x1 à Lazio, mas foi expulso na segunda mão dessa meia-final e não esteve no jogo com o Celtic. Teve de ver de fora esses 120 minutos de emoções fortes, foi marcando mais golos no final da época a Santa Clara, Braga e Sporting

Pode não ter estado nesse jogo de Sevilha que tinha lançado o FC Porto para as bocas da Europa, mas o número 41 dos dragões era uma jovem estrela em ascensão e o Velho Continente sabia-o. Pinto da Costa recebeu uma chamada do Tottenham com oferta de nove milhões de euros e permitiu a saída rumo ao melhor campeonato do mundo.

@Getty / Tom Hevezi - PA Images

Euro2004 e o primeiro regresso

@Getty / Ben Radford
Hélder Postiga supôs que o FC Porto não teria outra época de igual sucesso. Era legítimo pensá-lo, mas 2003/04 foi o que foi, com a conquista da Liga dos Campeões e Postiga além-fronteiras. Viajou para Londres com o rótulo de estrela, deparou-se com uma realidade para a qual não estava preparado. A adaptação à capital inglesa e à Premier League, onde teve a alcunha de Postman, trouxe dificuldades enormes e Postiga esteve por lá apenas durante um ano que lhe valeu dois golos, incapaz que foi de fazer cócegas a Robbie Keane.

Ainda assim, no fim da época teve direito a lugar na convocatória para o Euro2004, o primeiro grande torneio internacional que jogou. Só fez um jogo... mas que jogo! Portugal perdia contra a Inglaterra nos quartos-de-final na Luz, desde muito cedo, Postiga saltava do banco para o lugar de Figo aos 75’... e cabeçada lá para dentro aos 83’. Forçou assim o prolongamento, no qual houve mais um golo para cada equipa, e nos penáltis fez o brilharete de que falámos acima. Não jogou mais nesse Europeu perdido contra a Grécia no final.

@Getty / John Walton - EMPICS
Enquanto isso, o FC Porto vivia um momento de reestruturação do plantel. Os dragões tinham sido campeões europeus, Mourinho e grande parte das estrelas tinham saído, era preciso reforçar a bom reforçar o plantel. E assim, além de contratar as estrelas brasileiras Diego e Luís Fabiano, Pinto da Costa quis ter Hélder Postiga de volta, recuperando uma referência da cantera numa transferência que levou Pedro Mendes para Londres.

Postiga regressou a casa, viu a oportunidade de voltar a ter os pés no chão, mas encontrou no Dragão um plantel bem diferente do anterior, numa temporada em que o lugar de treinador pertenceu a Del Neri, Victor Fernández e José Couceiro. O espanhol deu-lhe o lugar na Supertaça perdida contra o Valência, não lho deu na Intercontinental conquistada contra o Once Caldas. Postiga tardou a reencontrar-se com os golos e só os marcou lá para o final da temporada.

Em 2005 encontrou Co Adriaanse e a relação com o treinador holandês foi estranha. Teve direito ao número 10, o número de craque, destacou-se na pré-temporada, jogou os primeiros jogos da época (não marcou), foi jogar à seleção e lesionou-se... e não jogou mais, sendo até relegado para a equipa B. A relação com Adriaanse tinha começado bem, passava a azedar, e Postiga teve de descobrir uma alternativa para jogar futebol. Foi o Saint-Étienne, que chamou por ele para um período de empréstimo.

Mundial2006, novo regresso e mudança para Alvalade

O começo em França foi de rompante, Postiga pegou de estaca na equipa e marcou logo ao segundo jogo na Ligue 1, contra o Metz, marcando mais tarde outro contra o Le Mans. Bastou para ir ao Mundial2006, onde foi sombra de Pauleta e jogou em três partidas. Uma delas, contra a Inglaterra, com outro desempate por grandes penalidades... e Postiga a converter de novo, desta vez sem Panenka.

@Getty / ullstein bild

Foi depois o segundo e último regresso ao Dragão, onde encontrou Jesualdo Ferreira nessa época de 2006/07 e entrou no ataque de um 4x3x3 com Lisandro e Quaresma. A primeira volta foi de grande fulgor, com dez golos, mas lá para fevereiro estava a perder gás e o brasileiro Adriano aproveitou para lhe ganhar o lugar. Foi campeão. Continuou a ser apenas alternativa na época seguinte, e a meio decidiu outra vez despedir-se de novo da Invicta. Desta vez a alternativa foi a Grécia, onde o Panathinaikos o recebeu a título temporário.

Na equipa grega apontou dois golos em 16 jogos, teve direito a ir ao Euro2008 e marcou um golo à Alemanha na derrota nos quartos-de-final. O Panathinaikos até estava disposto a ficar com ele, mas surgiu uma outra alternativa que agradou mais ao avançado: o Sporting, que já o tinha namorado antes e que lhe dava a oportunidade de lutar por troféus em Portugal. O FC Porto era ainda detentor do passe mas aceitou negociar com os leões e com 2,5 milhões de euros por 50% do passe deu-se a mudança. Se fosse uns anos antes era um negócio impensável, mas em poucos anos muita coisa muda e Postiga já não tinha o mesmo estatuto no Dragão.

@Getty / FRANCISCO LEONG

O avançado foi então para Alvalade para tentar ser também lá campeão nacional, algo que não conseguiria. A nível individual, não conseguiu também ter o mesmo sucesso que chegou a viver no Dragão e só à terceira temporada nos leões passou da marca dos dez golos. Na primeira, com Paulo Bento, marcou logo nos primeiros jogos o golo da vitória ao Braga, mas ficou-se pelos cinco golos em toda a época. A seguinte foi bem pior: quarto lugar da Liga, apenas um golo marcado em toda a temporada. Postiga precisava de se reencontrar com os golos, sob pena de ver a carreira ir por água abaixo ainda ali pelos 28 anos... desde logo, ficou fora do Mundial2010.

Poderá ter sido essa ausência do Mundial a dar novo ímpeto a Postiga, porque o avançado marcou duas vezes contra Espanha num amigável que deu em goleada (4x0) e reencontrou-se com os golos nessa época 2010/11, entre os comandos de Paulo Sérgio e José Couceiro. Depois chegou Domingos Paciência e até começou por ser titular, mas a inadaptação ao 4x3x3 do novo treinador resultaria numa venda ainda nos primeiros tempos da época. O vínculo com o Sporting já estava perto do fim, Postiga já estava longe de estar feliz em Alvalade, os adeptos também não estavam contentes com as prestações e deu-se uma viagem para o país vizinho. Por um milhão de euros, o Sporting deixou-o viajar até ao Real Zaragoza.

Os anos de viajante

Espanha deu-lhe bons momentos e chegou a mostrar o melhor Hélder Postiga. Em duas época no Zaragoza marcou 23 golos, com momentos de particular brilho como um pontapé de bicicleta contra a Real Sociedad. Pelo meio, foi representar Portugal no Euro2012 e ser referência de ataque com Ronaldo e Nani nas alas, marcou um golo à Dinamarca ainda na fase de grupos.

Postiga já não era nenhum menino, mas os números em Saragoça e o estatuto em Portugal bastaram para chamar a atenção de um Valência que queria afastar tempos de crise. Encontrando um contexto difícil no clube che, somou quatro golos em 23 jogos antes de ser mais uma vez emprestado, desta vez pelo Valência à Lazio. O clube romano até tinha ficado com opção de compra, mas teve o azar de receber um Postiga quase sempre indisponível devido a lesão. Ainda assim, o avançado foi ao Mundial2014... fez só 16 minutos com os EUA e voltou a lesionar-se.

Postiga andava em maré de azares, em curva descendente, mas não era ainda tempo de largar o futebol... acabou a carreira a saltitar. Foi à Corunha fazer 16 jogos e dois golos pelo Deportivo, fez uma longa viagem até à Índia para jogar no Atlético de Kolkata. Pouco depois estava de volta a Portugal para uma curta passagem no Rio Ave da sua terra-natal, onde ainda foi a tempo de marcar cinco golos, antes de novo regresso a Calcutá para o último ano antes de pendurar as chuteiras. E assim terminou uma carreira inconstante mas com momentos inesquecíveis para Postiga e para os portugueses.

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Comentários (1)
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Postigol
2020-04-06 23h40m por mikeljuve
Não era o melhor avançado do mundo é verdade, mas na seleção foi muito bom
Nas primeiras épocas no Porto e mesmo a última no Zaragoza mostraram que poderia ter sido muito mais do que foi