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Jorge Costa: O Bicho

Texto por Gaspar Castro
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O que é a mística? Nem o próprio Jorge Costa o sabe explicar na perfeição, mas para o mundo azul-e-branco poucos a encarnam como ele. Honroso sucessor do eterno capitão João Pinto, foi também ele um campeão digno de mito, dono do número 2 e da braçadeira no único penta que Portugal já viu e nas conquistas europeias do FC Porto de José Mourinho.

@Getty / ullstein bild

Internacional português em 50 ocasiões, com presenças no Euro 2000 e no Mundial 2002, passou 13 temporadas no plantel principal do FC Porto, com 24 troféus conquistados pela equipa e 21 deles com participação do próprio. Campeão na maioria dos anos em que lá esteve (oito vezes), ergueu como capitão a Taça UEFA, Liga dos Campeões (partilhando a honra com Vítor Baía) e Taça Intercontinental. Conheceu a Constituição, o campo nº 2 das Antas, o Estádio das Antas, o Dragão, tornou-se símbolo do clube.

Não sendo um predestinado como outros com quem partilhou a defesa (Ricardo Carvalho, por exemplo), Jorge Costa era a epítome da garra, da força física e mental. Era o homem que se lesionava e continuava a jogar, que era operado aos joelhos e recuperava em tempo recorde na ânsia de voltar a jogar de dragão ao peito, e em campo a máxima representação do «se passa a bola, não passa o homem». 

As lesões que conseguiu superar foram os grandes obstáculos numa carreira que ainda teve inúmeros episódios caricatos e complicados, como a desavença com Octávio Machado que o votou ao ostracismo e o levou até ao Charlton ou a agressão de George Weah no túnel de acesso aos balneários do Estádio das Antas

Entre o Campo da Ervilha e a Constituição

O futebol sempre foi a vida de Jorge Paulo Costa Almeida. Portuense, nascido no início dos anos 70 e com uma infância que se fez com a bola debaixo do braço pelas ruas da Invicta, começou a lever a brincadeira um pouco mais a sério quando aos 14 anos foi treinar ao FC Foz, onde se assumiu como um central que era ponta-de-lança quando eram preciso golos e vestia... o número 10. Bastou um ano no Campo da Ervilha para ter direito a outros voos: o Foz fez três jogos contra equipas do FC Porto, que no fim da temporada chamou por ele, como chamaram Boavista e Leixões. O pai deixou-o escolher, o pequeno Jorge não teve dúvidas: tinha de ser o FC Porto, acabado de se tornar campeão europeu com Artur Jorge.

@Getty / Henning Bangen

A Constituição passou a ser casa, Costa Soares (icónico treinador da formação portista) passou a ser mentor. Nos juvenis, era alvo das brincadeiras do técnico quando chegava aos treinos com penteado à rockabilly, alvo de repreensões quando não chegava ao treino quando era suposto, ainda a tomar consciência da exigência de ser jogador do FC Porto. Apesar de tudo isso, a estatura acima da média que sempre teve deu-lhe direito a lugar nas defesas das equipas de formação e o trajeto foi de ascensão constante até ao título nacional nos sub-19, com Augusto Inácio no comando. 

Era chegada a próxima fase para um central promissor recém-chegado à maioridade. A equipa principal? A seu tempo, primeiro era altura de ir conhecer outras paragens.

Empréstimos e o primeiro caso

Emprestar os jovens talentos era quase regra naquele FC Porto, que queria vê-los na primeira equipa já com argumentos para lutar pela titularidade. Por isso, os primeiros dois anos como sénior dos quadros do FC Porto fizeram-se noutros clubes. Para a estreia no primeiro escalão bastou viajar até Penafiel, onde viveu um ano nem sempre fácil mas muito produtivo, envolvido na dura luta pela manutenção. Dono do lugar logo nas primeiras jornadas, treinado por Joaquim Teixeira, perdeu-o quando Vítor Manuel assumiu o comando, mas acabou por recuperar o posto mais tarde. No fim dessa primeira época como sénior, 23 jogos, três golos e a manutenção garantida para os penafidelenses.

@Getty / Andreas Rentz

Ao segundo ano, depois do título mundial de sub-20, a viagem foi mais longa: Jorge Costa foi até à Madeira, onde ao serviço do Marítimo teve uma temporada que teve tanto de afirmação como de... polémica. E a razão da polémica foi um golo apenas, ou antes um auto-golo que contribuiu para a vitória do clube-mãe: mais do que burburinho houve tumulto, de tal forma que nasceu aí a regra de que jogadores emprestados não poderiam defrontar o clube de origem, por iniciativa de Pinto da Costa

Apesar do peculiar episódio, a época às ordens de Paulo Autuori foi convincente e valeu-lhe o regresso a valer à equipa principal do FC Porto. Estava cumprido um sonho.

Primeiros anos a reclamar um lugar

Vivia-se 1992, o brasileiro Carlos Alberto Silva era o treinador nas Antas e Jorge Costa foi logo campeão nacional, numa temporada em que esteve em 15 jogos. A primeira participação fez-se logo na primeira jornada, um jogo realizado em Coimbra e contra o Estoril, e a estreia do Bicho não podia ter sido mais marcante: foi dele o golo da vitória, num jogo em que foi titular devido às ausências de Aloísio e Fernando Couto, este o grande responsável pela alcunha que acompanha Jorge Costa até aos dias de hoje, justificável pela presença imponente que tinha na defesa.

@Getty / Matthew Ashton - EMPICS

Ao segundo jogo, Aloísio e Fernando Couto voltam ao onze, Zé Carlos cai para o banco, Jorge Costa fora da ficha de jogo. O golo não valia posto, ainda havia direitos por conquistar, e o jovem central não era mais do que alternativa a centrais com outra experiência. Ainda assim, novembro trouxe-lhe o direito à estreia na seleção nacional, num amigável contra a Bulgária, e Jorge Costa ainda fez mais dois jogos pelas quinas nessa temporada, na qualificação para o Mundial. Só que ao segundo fez a primeira rotura de ligamentos e a temporada terminou mais cedo, em abril.

Jorge Costa era rijo, a própria definição de rijo, e contra todas e quaisquer expectativas conseguiu estar recuperado ainda na primeira metade da época seguinte, primeiro com Tomislav Ivic a treinador e depois com Bobby Robson, que trouxe melhorias ainda insuficientes para que o FC Porto fosse campeão (foi segundo, atrás do Benfica de João Vieira Pinto). Ainda sem estatuto de titular, numa equipa com os mesmos Aloísio, Fernando Couto e Zé Carlos, o jovem Jorge Costa (entre os 21 e os 22 anos) começava a mostrar uma outra faceta que sempre o acompanhou: a de um jogador sem pudores na hora de falar em público e que reclamava lugar para os mais jovens oriundos da formação do FC Porto. Acabou essa segunda época com 22 jogos.

1994/95 chegou, e já com Bobby Robson a tempo inteiro começou a épica caminhada rumo ao pentacampeonato que Portugal não mais voltou a ver até aos dias de hoje. Já não havia Fernando Couto, transferido para o Parma, mas Jorge Costa tinha ainda Aloísio e Zé Carlos logo acima na hierarquia, e somou 20 jogos (16 a titular) nesse ano que lhe deu o segundo título nacional. A época seguinte (ainda com Robson, com quem formou uma boa relação) trouxe o terceiro, mas trouxe também uma lesão grave no joelho que o deixou fora do Euro1996, que deveria ter sido o primeiro grande torneio internacional.

O caso Weah e o penta

Chegou António Oliveira em 1996/97, munido de uma filosofia ofensiva que traria mais dois títulos nacionais (o tri e o tetra), e Jorge Costa teve direito à afirmação definitiva no onze portista. Sem Zé Carlos, agarrou o lugar de Aloísio e pela primeira vez ficou acima dos 30 jogos (fez 39) numa temporada em que marcou ao Benfica nos marcantes 5x0 contra o Benfica na Supertaça (viria a marcar mais três às águias ao longo da carreira) e em que só não fez mais jogos devido a uma estrela rossonera de nome George Weah.

qFoi uma cobardia. Se é no campo, perdeu a cabeça; assim, é uma ação premeditada
Jorge Costa ao Porto Canal, sobre a agressão de Weah

Após um encontro com o Milan no Estádio das Antas que terminou empatado, o jogador liberiano fez uma espera a Jorge Costa em pleno túnel de acesso aos balneários e partiu para a agressão, partindo o nariz ao central portista. Em causa estariam alegadas acusações racistas, que Jorge Costa sempre refutou, e uma pisadela mais comprovável por parte de um central que muitas vezes caminhou sobre a linha do que era e não legal dentro de uma partida de futebol. Quanto à tal agressão no túnel, Jorge Costa classificou-a como «premeditada» e isso veio mesmo a valer detenção para Weah pela PSP do Porto e processo nos tribunais, que se arrastou anos fora.

Weah foi suspenso por seis jogos, tantos quantos aqueles que Jorge Costa falhou por lesão, tendo mesmo de passar pela sala de operações. Apesar de tudo isso, daria mais tarde para festejar o título e a passagem para a época seguinte deu-lhe ainda uma dupla honra: o número 2 e a braçadeira de capitão, após a saída de um inesquecível João Pinto. Sucedia ao eterno capitão um capitão que também se tornaria eterno.

Já como líder em campo, Jorge Costa continuou a somar títulos até ao pentacampeonato, que chegou pela mão de Fernando Santos, e estreou-se numa grande prova pela seleção no Euro2000, ao lado de Fernando Couto e a viajar até às meias-finais. Só que nesta altura o FC Porto passava por momentos menos felizes e Jorge Costa viria a viver um adeus controverso às Antas.

O estranho episódio da braçadeira

Estávamos em 2001, o FC Porto tinha perdido um campeonato para o Sporting, outro para o Boavista, viviam-se tempos de tensão para os lados da Invicta. O até então capitão viria a ser protagonista de um episódio em que a tensão atingiu níveis incomportáveis e levaria até à polémica saída. 

@Getty / Matthew Ashton - EMPICS

A 22 de setembro jogava-se nas Antas um encontro entre FC Porto e Vitória FC, e já perto do intervalo continuava tudo empatado a zeros, os dragões não mostravam a qualidade exigida. Octávio Machado tirou Jorge Costa de campo, ainda aos 40 minutos, e o central ficou «revoltado com a substituição», relataria o próprio. A braçadeira foi parar ao chão, diz o central que não num ato de revolta contra a instituição mas apenas porque a queria atirar para Capucho.

Seja como for, Octávio Machado não gostou nada do que viu. Obrigou o central a pedir desculpa pela reação, Jorge Costa não acedeu e no jogo seguinte (na Escócia contra o Celtic) já não teve braçadeira. Para ele, acabou tudo aí, para Octávio Machado também não parecia que a saída do mítico capitão fizesse grande comichão. Jorge Andrade e Ricardo Carvalho assumiam-se no centro da defesa, Jorge Costa não só perdia a braçadeira mas também tempo de jogo, o Mundial2002 estava à espreita... e ele queria jogar. O Charlton chamou por ele, com uma oferta de empréstimo, e Jorge Costa disse sim à mudança para Inglaterra.

@Getty / Phil Walter - EMPICS

A chamada de Mourinho e a glória europeia

Jorge Costa esteve apenas meia época no clube que era de Premier League, passou a ser conhecido por lá como Tanque e entrou numa linha defensiva a que os adeptos do clube chamaram, carinhosamente, Young Fish Costa Fortune (os apelidos dos quatro defesas). O Charlton tinha opção de compra, estava disposto a acioná-la, mas Jorge Costa recebeu no verão uma chamada que o convenceu a fazer a viagem de volta às Antas. Não haveria nessa altura muitas pessoas capazes de o convencer, mas José Mourinho convenceu-o. Queria-o como líder, tanto em campo como no balneário, Jorge Costa voltou para trabalhar com o homem que lhe daria os títulos europeus.

Formou-se então, primeiro nas Antas e depois no Dragão, a inesquecível parceria entre Jorge Costa e Ricardo Carvalho. O primeiro dava a garra e a força, o segundo a destreza e a rapidez. Logo ao primeiro ano, o triplete de que tanto já se falou, com os festejos de campeonato, Taça de Portugal e Taça UEFA, com Jorge Costa a erguer tudo isso como capitão (a cara que fez ao chegar ao deparar-se com umas Antas em festa após a conquista de Sevilha ficará sempre na memória coletiva). No ano seguinte, uma conquista ainda mais esperada, a Liga dos Campeões, Jorge Costa a partilhar com Vítor Baía a honra de erguer a orelhuda.

@Getty / MIGUEL RIOPA

Muitos saíram do plantel depois de tocarem o céu, como o próprio José Mourinho, mas Jorge Costa (já trintão) ficou para a época de roda-vida de treinadores (conquistou a Taça Intercontinental, jogando os 120 minutos contra o Once Caldas) e para a época de Co Adriaanse, que o votaria a outro ostracismo, aqui não por razões disciplinares mas por entender que tinha soluções melhores para a defesa. O holandês abriu-lhe a porta de saída logo no início da época, Jorge Costa segurou-se no plantel até ao inverno mas não jogou e acabou por dizer o último adeus ao Estádio do Dragão e viajar até à Bélgica para a última experiência.

O final em Liège e a nova carreira

Jorge Costa era louco por futebol, não queria não o jogar, não se queria despedir dos relvados numa época em que não jogava, respondeu ao chamamento do Standard Liège e foi reencontrar Sérgio Conceição, com quem partilhou balneário numa campanha que terminou com o segundo lugar do campeonato belga. Tinha contrato por mais um ano, mas decidiu que era essa a altura do adeus aos relvados.

@Getty / MICHEL KRAKOWSKI

Os seguintes anos, que se prolongam até aos dias de hoje, foram de uma nova realidade: a de treinador. A comandar desde os bancos, Jorge Costa já passou por Braga, Olhanense(campeão da II Liga), Académica ou Paços de Ferreira aqui dentro de portas, mas lá por fora já teve também um percurso globetrotter: Roménia, Chipre, Gabão, Tunísia, França e Índia já receberam o antigo capitão, que vai colecionando experiências mundo fora.

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Jorge Costa (POR)
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Comentários (1)
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motivo:
Lider jorge costa
2020-04-04 18h08m por luix87
Nao era 1 dos melhores do plantel campeao europeu
Mas o que trazia a equipa era muito importante

Digo mais
O ajax ano passado nao chegou a final por nao ter 1 grande lider dentro do campo como jorge costa na equipa