Esta podia ser a história do Black Pearl de Jack Sparrow ou, se preferir, de outro bad boy - este de Hollywood - Johnny Depp. Mas não, aqui vamos falar, entre muitas outras coisas, do salto a la Flying Dutchman no maior palco do mundo que eternizou, ou ajudou a emancipar, um icónico atacante holandês, motivo de muitas delícias de gunners, red devils e dos fervorosos adeptos da Laranja Mecânica.
Robin Van Persie nasceu a seis de agosto de 1983, em Roterdão, no seio de uma família artística. A mãe, José Ras, era pintora e designer, já o seu pai, Bob, exercia a profissão de escultor. Apesar de, em criança, Robin e as suas irmãs mais velhas, Kiki e Lilly terem a infelicidade de lidar com o divórcio dos seus progenitores, o presságio de um filho dotado para a arte veio mesmo a confirmar-se.
Desde cedo com jeito para a bola, deu os primeiros passos no Excelsior com apenas cinco anos, e, até à data, é o maior produto da formação do clube holandês, estatuto que lhe vale uma tribuna em sua honra num dos complexos do emblema, tal era a qualidade do prodígio artístico da família Van Persie.
O feitio era uma característica impossível de passar despercebida e foi algo que teve importância na sua carreira. Segundo confessou Sir Alex Ferguson, o jovem holandês estava referenciado antes de iniciar a travessia fora da Holanda, contudo, a personalidade imatura de um miúdo de 16 anos reduziu as intenções de o levar para Old Trafford. Van Persie viria a assinar pelo Arsenal, mas não sem antes dar asas ao seu sonho no Feyenoord.
Do Excelsior para o Feyenoord em 1999. Após completar a fase final da sua formação no colosso holandês, Van Persie estreava-se pela equipa principal a três de fevereiro de 2002, numa época onde, embora tenha sido pouco utilizado, realizou 63 minutos na conquista da Taça UEFA, frente ao Borussia Dortmund.
E porque a tal analogia inicial baseada numa lenda reproduzida em termos cinematográficos faz sentido, que tal viajar para a pele de Arnold Schwarzenegger e para a história de um exterminador implacável que, futebolisticamente falando, se traduzia num felino exímio no remate, versátil e com um faro de golo notável? Um matador em evolução, porém, assolado pelas malditas lesões...
Seguiram-se duas épocas onde figurou e marcou com maior regularidade. Por esta altura, o potencial de um jovem que acabava de se tornar maior de idade era inquestionável e a ideia de que tinha características, no mínimo, excecionais, exaltavam um talento há muito seguido por vários colossos europeus. Chegou o verão de 2004 e o menino que desde sempre traçou um objetivo realizava-o aos 20 anos, assinando pelo clube dos seus sonhos.
Se há algo reconhecido em Van Persie é a polivalência na frente de ataque e os primeiros episódios da estadia em Highbury trouxeram ao de cima essa capacidade, isto antes de toda a equipa emigrar para o moderno Emirates Stadium. A coexistência regular com Henry fez com que pegasse de estaca nas costas da estrela dos gunners, entrando logo a vencer a Supertaça e a Taça de Inglaterra, curiosamente, contra o Manchester United.
Contudo, apesar das exibições consistentes, demorou a conquistar os exigentes adeptos londrinos, situação que com o tempo foi alcançando. Em 2005, viu o seu nome manchado num alegado caso de violação. Esteve preso durante 15 dias, mas um ano mais tarde foi considerado inocente. Apesar de temer o pior, não existiram consequências profundas a nível pessoal. Van Persie manteve-se focado no futebol e foi criando o seu legado. Apesar da grande nota artística com que o Arsenal de Wenger atuava, os títulos escasseavam...
Matador holandês é um termo adequado para um jogador que, apesar de tudo, não somava números absolutamente extraordinários, mas que, para além de um pé esquerdo incrível, era dotado de uma capacidade de remate fora do normal, assim como a mobilidade e a frieza na cara do golo que o caracterizavam. Era, no fundo, um verdadeiro perigo à solta e existia liberdade para isso. Com um estatuto mais do que arrecadado - a temporada 2011/12 foi o expoente máximo -, Robin Van Persie estava no auge e a seleção bem pôde confirmá-lo.
Adjetivar Van Persie nunca será uma tarefa fácil. Para os mais objetivos, o percurso ao serviço da seleção holandesa pode facilitar essa missão. Comecemos pelo fim e pela maneira mais lógica de explicar porque é que esta alcunha lhe assenta como uma luva.
50 golos em 102 jogos: marca que lhe permitiu superar nomes como Kluivert ou Van Basten. O bad boy esteve nos Mundiais 2006, 2010 e 2014 e nos Europeus 2008 e 2012.
E porque o mote para falar deste jogador foi o esplêndido golo frente à Espanha, no Mundial do Brasil (2014), a essência do craque que juntava uma dose de irreverência com o talento num pé esquerdo destemido fazia-se sentir também na Laranja Mecânica, nomeadamente no Mundial 2010 (África do Sul), onde esteve perto da glória (finalista vencido). Em mais nenhuma ocasião esta geração holandesa esteve perto de vencer nas restantes provas em que RVP participou.
O registo, esse, evoluiu à medida que um verdadeiro matador se foi formando e isso coincidiu com o final da década. Depois de golos de grande nota artística - não fosse Robin filho de um artista - o auge, a regularidade e o melhor período da carreira estavam à porta e com ele o título da Premier League... Após uma mudança controversa.
As lesões eram uma realidade para o holandês e talvez uma justificação para a demora em afirmar-se como goleador. Além disso, a própria versatilidade teve a sua quota parte de importância, não permitindo que se fixasse na posição número nove, pelo menos regularmente. A mudança de paradigma deu-se na viragem da primeira década do novo milénio.
Numa altura em que surgiu também em grande no histórico Mundial 2010, RVP assumiu, sem grandes variações, a posição central do ataque da equipa gunner, beneficiando de um jogo ainda mais propício ao seu talento. Apesar de já ser uma confirmação, o canhoto explodia com a regularidade no corredor central. A vocação para ferir as equipas contrárias despontava.
Quem não se recorda de um dos maiores golpes da era Sir Alex Ferguson e de uma transferência, avaliada em 30 milhões de euros, que fez correr muita tinta? Acabado de perder o campeonato devido ao golo tardio de Agüero que consagrou o eterno rival como campeão, o Manchester United contratou Van Persie e voltou a revalidar o título, tendo o holandês, com 30 golos em 48 jogos, sido parte essencial da caminhada.
Mas em Londres existia a opinião generalizada que o ídolo de muitos se tinha tornado num vilão. Feridos pela saída do seu capitão, originada por uma falta de entendimento entre o clube e o jogador relativamente ao seu contrato, os adeptos do Arsenal jamais perdoariam o holandês. A falta de títulos foi também uma das razões apontadas e a versão madura do miúdo que sonhava em jogar no emblema de Londres conquistava por fim um troféu que tanto ansiava num dos maiores rivais.
O fim de linha estava à vista no Manchester United. Com uma décaMudou-se para o Manchester United de forma polémicada de futebol inglês, Van Persie era um avançado conceituado, conhecido pela sua frieza, qualidade de remate e técnica apurada. O legado, muito ou pouco conturbado, era um dado adquirido, não fossem as oito épocas pelo Arsenal e a passagem decisiva no último suspiro da era Alex Ferguson. O matador que era muito mais do que isso abandonava as terras de Sua Majestade.
Terminada a carreira por Inglaterra, em 2015, Van Persie enveredou por uma estadia no Fenerbahçe onde se demonstrou a bom nível. O último capítulo desta bela história sucedeu-se com o tão aguardado regresso ao Feyenoord, conquistando dois títulos pela equipa da sua cidade antes de se aposentar, na época passada, sobre uma calorosa ovação do Feijenoord (De Kuip) Arena.
Depois de pendurar as botas, Robin Van Persie, para além de dedicar grande parte do seu tempo à sua família, virou empresário, comentador desportivo num canal holandês e permanece também ligado à estrutura do Feyenoord com uma função curiosa, trabalhando, um dia por semana, com os avançados do clube...