Imagine-se, caro leitor, com 17 anos, ainda um mero júnior de primeiro ano, a ser chamado à equipa principal de um dos maiores clubes do país, a ser lançado pelo treinador e a marcar na estreia, logo no primeiro toque na bola? Simão Sabrosa viveu tudo isso, com 17 anos e meio, em pleno Vidal Pinheiro, pela mão de Octávio Machado. Escusado será dizer que foi amor à primeira vista com os adeptos (0x3).
Não foi, ainda assim, uma total surpresa a sua aparição. Talvez se pudesse pensar que seria precoce, mas, no fim da primavera de 1996, já dele se falava quando foi, provavelmente, o jogador mais importante na conquista do Europeu, na Áustria, por parte da seleção portuguesa de sub-16, sob o comando de Agostinho Oliveira. Portanto, era um nome forte da formação do Sporting, na linha de Peixe, Dani e Figo, pronto a brilhar.
Simão Pedro Fonseca Sabrosa nasceu em Constantim, Vila Real, no Halloween de 1979. Longe de luxos e da ribalta, era na rua que se começava a ligar à bola. A escola Diogo Cão levou-o para a capital de distrito e por lá ficou até chamar a atenção do Sporting, que o levou para a distante Lisboa.
O pai era carpinteiro e a mãe doméstica. Sem possibilidade de acompanhar o pequeno Simão, que saía de casa ainda sem os 13 anos feitos, era à distância que comunicava com a família.
«Tínhamos direito a fazer quatro telefonemas por semana, mas eu já conhecia a telefonista do Sporting e conseguia dar-lhe a volta e telefonava todos os dias. Chorei muitas vezes ao telefone e muitas vezes estive para desistir e voltar para casa. Quando falava com a minha mãe dizia-lhe, a chorar: "Quero ir-me embora." E ela: "Filho, se não te sentes bem, vamos tratar disso." Mas no dia a seguir as coisas entravam na rotina de voltar a estudar e a jogar e passavam. As dificuldades obrigaram-me a crescer», contou, numa entrevista posterior à Sábado.
Resistiu à tentação de desistir, com ajuda de Aurélio Pereira, e o tempo deu-lhe razão. Carregado com o rótulo de promessa, foi-se intrometendo num Sporting que se eternizava na procura por um título que escapava desde 1982 e que já não tinha o fulgor financeiro de anos anteriores. Por isso, a sua introdução na equipa principal, entre 1997 e 1999, foi feita num período turbulento, com maus resultados e dois quartos lugares após aquela estreia no final de 1996/97, em que os leões ficaram no segundo lugar. Na época seguinte, pôde estrear-se na Champions, só que a primeira fase de grupos não foi superada.
Na última, em 1998/99, cimentou-se no onze e acabou o campeonato com 10 golos em 30 jogos. Se o desempenho coletivo voltou a ser mau, o individual chamou a atenção das maiores equipas, até porque as presenças regulares, com influência notória, nas várias seleções eram um acrescento de garantia de qualidade. Aliás, chegou à seleção poucos dias depois de fazer 19 anos e, na estreia... também marcou, no 2x0 a Israel, um jogo onde entrou para o lugar de Luís Figo.
O salto deu-se de forma inevitável e o destino foi Barcelona. Apesar das tentativas de renovação por parte dos leões, os argumentos dos culés eram outros, quer em termos financeiros (foi ganhar três vezes mais), quer em termos desportivos. Com 2,8 milhões de contos (14 milhões de euros), o Sporting fazia a maior venda da história do futebol português (o que permitia o reforço de uma equipa que se sagraria campeã) e o jogador deixava em Alvalade «uma família» que tinha construído em sete anos. As palavras eram de amor ao Sporting e o clube ficava com um direito de preferência sobre o extremo.
Tinha assinado por oito épocas (!), mas saiu ao fim de duas e até foi hipótese para o Sporting logo após a primeira, quando os leões, ao se sagrarem campeões nacionais, o tentaram por empréstimo. Não aconteceu em 2000, tentou novamente o Sporting em 2001, só que aí com a forte concorrência do Benfica, que, com Manuel Vilarinho recentemente vencedor das eleições, tentava reerguer-se das cinzas e de um humilhante sexto lugar, ainda hoje a pior classificação da história do clube encarnado. Simão seria a 12.ª contratação para Toni, já com a pré-época em andamento.
Os leões tentavam a cedência e acreditavam na vontade do jogador em regressar, só que o Benfica chegava aos 12 milhões de euros pretendidos pelo Barcelona, onde havia necessidade de encaixe para dar novas contratações a Rexach, que abdicava do português. Deu-se, naquele período, um impasse, pois o Barcelona teve de informar o Sporting da proposta dos encarnados, por causa do tal direito de preferência, e estes tentavam estudar forma de igualar a proposta, o que não aconteceu em tempo útli - mais tarde, os leões colocariam Simão em tribunal, reclamando três milhões de euros de indemnização, um processo que o jogador viria a ganhar em... 2013.
Apresentado na Luz, para êxtase dos adeptos benfiquistas, Simão passou a ser persona non grata para os sportinguistas. Na primeira época, veria precisamente o Sporting ser campeão, o que lhe valeu uma série de críticas, nomeadamente por ter dito publicamente que queria que o Benfica fosse a Alvalade «estragar a festa» na jornada 32, que podia ser de festa do título, mas não foi (1x1) - curiosamente, seria o Benfica, na jornada seguinte, a ganhar 2x1 ao então campeão em título Boavista, assegurando matematicamente a festa ao vizinho rival.
Ora, depois de Barcelona, a lesão. Pela segunda vez, um momento amargurado para Simão. Pela seleção, em março de 2002, era titular no último particular antes da convocatória para o Mundial asiático, mas uma grave lesão contra a Finlândia tirou-lhe o resto da temporada e a presença praticamente certa no Coreia/Japão. Para além disso, tirou ao Benfica aquele que já era o seu melhor jogador, quando a equipa tinha mais quatro pontos que o FC Porto na luta pelo terceiro lugar, último de acesso à Taça UEFA da época seguinte (a tal que a equipa de Mourinho conquistaria). Benfica sem Simão, Simão sem resto de época e novamente um quarto lugar.
Praticamente recuperado para a nova época, Simão mostrou que a lesão no joelho não afetara o seu rendimento: Simão sagrou-se melhor marcador do campeonato com 18 golos, em igualdade com Fary, e ajudou a equipa a ficar no segundo lugar, num período em que também voltou à seleção. No verão seguinte, um peculiar episódio que fez correr muita tinta.
O extremo era o capitão de equipa, só que o sistema de eleição mudou e, na segunda época desde o regresso ao clube onde se lançou, Hélder ganhou a eleição no balneário, destronando o colega, que não esteve com meias medidas e discutiu com o central com câmeras a filmar:
Chegou-se a noticiar mesmo que Simão teria pedido a Luís Filipe Vieira para sair, mas o assunto conseguiu ser sanado internamente. As águias falharam o acesso à Liga dos Campeões e, a meio da época, perderam em campo Miki Fehér - Simão, então capitão em campo, foi um dos mais abatidos pelo momento.
O seu primeiro título da carreira chegou finalmente e podia não ter sido o único naquele verão, só que a Supertaça escapou para os portistas e, antes disso, o Euro 2004 fugiu para os gregos - com Scolari, começou a titular, mas perdeu o estatuto ao terceiro jogo, para um tal de... Cristiano Ronaldo.
Essa campanha até se pode dizer que tenha começado no verão. Naquele 2005, Simão voltava a ser capa de jornais (já no anterior tinha sido tentado pelo Chelsea de Mourinho) e a mudança para o Liverpool esteve por um triz.
O grupo tinha Lille e Villarreal, além de Manchester United. Sem deslumbrar, o Benfica manteve-se na luta e, no jogo decisivo, ganhou de forma impensável ao United por 2x1, com uma equipa desfalcada e sem o seu capitão, que tinha marcado em Old Trafford antes, mas que, em Braga, se tinha lesionado por dois meses, falhando esse duelo. Com esse triunfo, os encarnados passaram aos oitavos de final, onde tinham pela frente o campeão europeu da altura, o Liverpool. À improvável vitória na Luz por 1x0 seguiu-se um épico triunfo por 0x2 em Anfield, num jogo onde Simão fez um grande golo e recebeu os aplausos dos adeptos adversários, enfim cientes da grande qualidade do português. O Barcelona terminou o sonho encarnado na fase seguinte, naquele que foi o regresso de Simão ao Camp Nou (teve uma soberana oportunidade para fazer o 1x1 que colocaria as águias na frente da eliminatória, mas atirou ao lado).
Em 2007, o Atlético de Madrid juntou 20 milhões de euros e levou-o da Luz. Já era uma espécie de «crónica de uma transferência anunciada» e confirmou-se naquele verão, sem mais títulos na Luz do que aqueles três: campeonato, taça e supertaça, além de muitos golos... e de muitas camisolas com o seu nome que continuaram a passear pelo estádio do Benfica.
Simão rumava a Espanha empenhado em dar uma nova imagem em relação à que tinha deixado em Barcelona. Menos explosivo, mais experiente, menos veloz, mais ponderado, Simão agarrou facilmente o lugar na equipa de Javier Aguirre, com Maxi Rodríguez, Forlán e Kun Agüero numa frente de ataque fortíssima e que conseguiria dois quartos lugares.
«Quero agradecer ao Simão como ele agradeceu aos adeptos e no balneário. É um jogador espectacular e brilhante e foi uma honra treiná-lo. A sua contribuição para o Atlético tem sido brilhante, tanto dentro como fora de campo», elogiou Quique Flores na hora da despedida.
Em 2014, prestes a fazer 35 anos, tudo se encaminhava para o fim, mas haveria um último capítulo, fora da Europa, mais de um ano depois. Simão foi uma das muitas glórias do futebol europeu que emigrou para a Índia, numa altura em que se tentou potenciar a Super League naquele país. Foi ao lado de Miguel García e Silas que se apresentou pela última vez nos relvados.
*Uma frase do nosso colunista Filipe Inglês