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Raul Meireles: «Chuta, Meireles»

Texto por Hugo Filipe Martins
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Para Jesualdo Ferreira, o melhor médio de transição. Para muitos portistas, um ídolo fora da caixa, com estilo e identidade próprias. Raul Meireles, famoso por «chutar», foi um futebolista que deu os primeiros passos no Boavista, mas que se apaixonou por um FC Porto entusiasmante e pelo qual se sagrou tetracampeão. O estilo característico – penteados extravagantes e tatuagens por todo o corpo – tornaram Meireles num ícone futebolístico e de moda, mas o estilo ia muito para lá do penteado ou do que tinha desenhado no corpo.

Dono de um remate de meia distância ao nível dos melhores em Portugal na altura (quiçá na Europa), Meireles fez uma carreira a pulso, com mudanças de posição e de hierarquia. A paixão pelo futebol apareceu por culpa do pai, massagista no Boavista, onde esteve dos 5 aos 21 anos, mas a história de Meireles vai muito para lá do Estádio do Bessa. Passa pelo Dragão, pela seleção nacional, com a qual realizou quatro fases finais de competições importantes, por Inglaterra, onde atingiu o ponto mais alto da carreira, e pela Turquia, onde se viria a despedir dos relvados de forma bem silenciosa.

Futebol para ocupar o tempo passou a ser ocupação

Com cinco anos, Raul Meireles não era propriamente um apaixonado pelo futebol, mas vivia dentro do meio. Natural da cidade do Porto, o pai de Meireles era massagista no Boavista e procurou juntar o útil ao agradável para ocupar os tempos livres do filho. Nessa altura, Meireles começou a treinar duas vezes por semana, sem imaginar o que viria a acontecer na sua vida a partir desse momento. Sem saber onde jogar, foi colocado a extremo direito porque era o jogador mais rápido da equipa, mas o passar dos anos foi mudando a sua posição e a forma de ver o jogo.

Sem esperar grandes feitos no futebol, Meireles foi tirar um curso profissional de eletricidade e automóvel e até esteve a estagiar numa oficina próxima do Norte Shopping, mas já não havia forma de largar o futebol. Num Boavista muito forte na formação, Meireles começou a destacar-se… a líbero. Foi nessa posição que aprendeu a jogar futebol, mas o momento que mudou a perspetiva para o desporto foi o Europeu de sub-16.

Foi 76 vezes internacional português @Global Imagens / Tony Dias

Habituado a jogar contra equipas do Norte do país, a chegada à seleção foi um choque positivo para Raul Meireles. Numa equipa recheada de jogadores do Sporting, o jovem de 15 anos viu, finalmente, o que era o futebol: «Eles eram mesmo profissionais», referiu numa entrevista ao Porto Canal, elogiando a postura de jogadores como Custódio, Hugo Viana e Quaresma. Portugal acabaria por vencer o Europeu frente à República Checa e quando Raul Meireles regressou ao Boavista já tinha percebido que o futebol ia ser a sua vida.

A viver uma «paixão de infância» já como médio foi, como muitos jovens do Boavista, emprestado ao Desportivo das Aves, uma época depois de a Pantera ter sido campeã nacional. Na Segunda Liga, Meireles ganhou minutos e competição para, duas épocas depois, regressar à casa-mãe onde esteve apenas mais uma época. Em 2003/04, foi o quarto mais utilizado por Jaime Pacheco e Erwin Sánchez e chamou a atenção de Benfica, Sporting e… FC Porto. Apaixonado pelo Dragão de Mourinho, Meireles não hesitou: «Quando chegou o nome do FC Porto, não pensei em mais nenhum clube. Foi o Porto».

Da turbulência ao tetracampeonato

O tempo e o que viveu no Bessa fizeram com que Raul Meireles ganhasse um carinho especial pelo Boavista, mas o que viria a experienciar no FC Porto fez com que se apaixonasse para o resto da vida. Na hora de escolher, não há dúvidas: «[O Boavista] foi quase tudo o que vivi na minha vida. Era Boavisteiro, mas a paixão que sinto pelo FC Porto é maior do que a paixão que sinto pelo Boavista. O que vivi pelo FC Porto não vivi em lado nenhum: sou portista!».

Os seis anos que viveu no Dragão ajudam a explicar os sentimentos de Meireles. Chegou numa altura conturbada aos azuis e brancos, numa época com três treinadores, um deles despedido em plena pré-época. Del Neri, Couceiro e Víctor Fernández não conseguiram tirar o melhor rendimento do reforço portista, que tinha concorrência apertada a meio-campo. Os dragões acabariam a Liga em terceiro lugar e Meireles sentiu o lugar em risco com a chegada de Co Adriaanse.

Considerado, juntamente com Bosingwa, um dos dispensáveis do novo treinador holandês, Meireles estava preparado para o pior e quando soube que os jogadores tinham de ficar presos num quarto de hotel até às 20h à espera de notícias (se alguém fosse bater à porta deles significava que estavam dispensados) preparou-se para o pior. Já de malas feitas para deixar o estágio, Meireles esperou, mas o único a bater à porta foi Hugo Almeida, aflito com a situação. Até às 20h, ninguém mais apareceu e de dispensado Raul Meireles passou a titular. Foi nessa condição que começou a época, algo que não durou muito tempo.

Uma lesão ligeira – duas semanas parado – foi suficiente para perder a titularidade no miolo portista para Paulo Assunção. Tal como tinha acontecido na pré-época, o estatuto de Raul Meireles mudou rapidamente e levou-o a pedir a Adriaanse a saída no inverno, a pensar na seleção. O holandês rejeitou e um particular mudou a carreira do portista na altura de cabelo rapado (Adriaanse era exigente a esse nível e Meireles não sentiu confiança imediata para mostrar todo o seu estilo no Dragão). Diante do Dinamo de Moscovo, uma lesão de Lucho abriu espaço para 15 minutos de Meireles: «Um golo, uma assistência e apareci outra vez no mapa. Fiz um jogão». O espaço para Meireles apareceu na mesma época do primeiro campeonato da carreira. O início do tetra.

A chegada de Jesualdo Ferreira não mudou a importância de Raul Meireles na equipa, bem pelo contrário. Depois de ter começado a passagem pelo Dragão como médio defensivo, subiu no terreno, aproximou-se de Lucho González e contou com a proteção de Paulo Assunção para ser «o melhor médio de transição» que Jesualdo Ferreira treinou. Em excelente forma física e técnica – os remates de Meireles começavam a ganhar fama -, o médio começou também a subir na hierarquia do futebol português e depois de mais dois campeonatos conquistados pelos azuis e brancos chegou um dos grandes momentos da carreira: o Euro 2008. A primeira fase final pela seleção para aquele miúdo que, aos 15 anos, tinha, na seleção sub-16, percebido que queria ser futebolista. A carreira estava em plena ascensão e não ficaria por aqui.

Fez 194 jogos pelo FC Porto @João Figueiredo

Num FC Porto com a estrutura bem montada, Raul Meireles passou a ser um dos elementos mais importantes – de 16 a 3, número de Pedro Emanuel -, com a saída de figuras históricas no reino do Dragão – viu Jorge Costa, Pedro Emanuel e Vítor Baía despedirem-se -, o médio passou a ser um dos capitães de equipa, embora nunca tenha tido o prazer de levantar um troféu nessa condição. Em 2008/09 voltou a ser um dos jogadores mais importantes do tetra orquestrado por Jesualdo. 43 jogos, cinco golos (melhor registo no Dragão) e uma mudança de ciclo a aproximar-se. A época seguinte trouxe a mágoa ao balneário azul e branco, que procurava conquistar o pentacampeonato. Meireles não esconde que o caso das agressões no tunel de acesso aos balneários do Estádio da Luz, que levou aos castigos de Hulk e Sapunaru, afetou o plantel, que acabaria essa época em 3.º lugar. Um fim de ciclo que também atingiu o internacional português.

No FC Porto era hábito. Os jogadores davam rendimento desportivo e depois rendimento financeiro. No final dessa época já se sabia que Bosingwa e Raul Meireles iam sair, por isso, quando André Villas Boas chegou ao Dragão já não contava com o médio – o lateral já tinha rumado ao Chelsea. A verdade é que o tempo foi passando e quando chegou a Supertaça Raul Meireles não só fazia parte do plantel como era o capitão de equipa. Não foi titular nesse jogo com o Benfica que os dragões venceram por 2x0, mas acabou por entrar perto do fim para somar o 12.º e último troféu pelos portistas. Uma vez mais, não levantou a Supertaça como capitão porque era Helton que estava nessa condição na ficha de jogo. Poucos dias depois, chegou o momento do adeus.

Meireles, The Sharpshooter

Um valor cada vez mais consolidado do futebol português, Raul Meireles transfere-se para o Liverpool (na altura foi o segundo português a chegar a Anfield Road, depois de Abel Xavier) depois de participar com a seleção no Mundial da África do Sul, por 13 milhões de euros. Os Reds não eram propriamente a equipa mais estável do futebol inglês, apesar de toda a sua história, mas a aposta em Meireles foi clara, não fosse o internacional português a contratação mais cara da era Roy Hodgson em Liverpool.

A nível coletivo, a primeira experiência de Raul Meireles no estrangeiro esteve longe de correr bem. O médio dava nas vistas, não só pelo cada vez maior número de tatuagens mas também pelo penteado que utilizava, mas o Liverpool estava em clara fase negativa. Apesar da timidez, Meireles começou a ganhar empatia com os adeptos do Liverpool, agradados com as exibições do português, especialmente na fase final da temporada. O sexto lugar do histórico clube inglês foi pouco condizente com a época de Meireles, eleito melhor jogador do ano pelos adeptos da Premier League (o primeiro recém-chegado a receber esse prémio).

Se as opiniões dos adeptos ingleses eram claramente favoráveis a Meireles, o bombardeiro cada vez mais famoso em terra de Sua Majestade, o mesmo não se pode dizer da opinião dos responsáveis do Liverpool. Num processo de saída semelhante ao de Fernando Torres, também Raul Meireles foi «aconselhado» a enviar um pedido de transferência. No último dia do mercado, o Chelsea, treinado por André Villas-Boas, aproveitou e ganhou um reforço importantíssimo para o meio-campo numa época memorável.

Sem grandes motivos para sair de Anfield Road (ninguém percebeu o que motivou a direção do Liverpool a solicitar a saída de Raul Meireles), o internacional chegou a um plantel de qualidade, onde reencontrou Bosingwa e Fernando Torres, mas com problemas a nível interno. André Villas-Boas viria a ser despedido pouco tempo depois da chegada do português, mas ainda havia muito para escrever.

O 10.º mais utilizado em 2011/12, Raul Meireles inscreveu o seu nome na história do clube londrino. Se na Premier League o Chelsea não foi além do sexto lugar, o trajeto europeu foi bem distinto. Conduzido pelo pragmático Roberto di Matteo, o Chelsea fez uma caminhada impressionante na Liga dos Campeões, eliminando o Benfica pelo meio com um golo de Raul Meireles, muito assobiado na primeira mão no Estádio da Luz, a sentenciar a eliminatória. A caminhada só terminou em Munique, casa do adversário dessa noite, o Bayern Munique. Um dia agridoce para o internacional português, que não pode participar nessa final por acumulação de amarelos, após ter visto um na segunda mão das meias-finais com o Barcelona.

Ganhou a Liga dos Campeões pelo Chelsea @Catarina Morais

Com 29 anos, uma Taça Intercontinental, quatro campeonatos, quatro Supertaças, três taças de Portugal, uma FA Cup e uma Liga dos Campeões, Meireles voltou a mudar de ares depois de saber que não ia ser uma peça fundamental para Di Matteo num ano decisivo – Europeu 2012 -, por isso a aventura inglesa terminaria aí. Seguiu-se a Turquia e o Fenerbahçe, com o qual chegou às meias-finais da Liga Europa no primeiro ano, conseguindo fazer o suficiente para ir à fase final do Euro, em 2012, e do Mundial, em 2014, ano em que realizou apenas 24 jogos – pior registo desde 2003/04.

Consciente de que o tempo no futebol estava a chegar ao fim, Meireles tinha duas coisas na cabeça: estar presente no Europeu de 2016 e acabar a carreira quando terminasse o contrato com o Fenerbahçe. A época menos conseguida na Turquia fez com que contasse pouco para Fernando Santos, que não levaria o médio à competição que Portugal viria a conquistar, e de repente… Meireles desapareceu. Meses depois de ficar um jogador livre ainda ouvia perguntas como «onde jogas agora?». A resposta era sempre «já não jogo». Apesar do estilo irreverente e bombástico dentro do campo, Raul Meireles sempre mostrou ser uma pessoa tímida e que gostava de andar afastada dos holofotes. Conseguiu que assim fosse quando se despediu dos relvados, mas enquanto os pisou poucos foram os que ficaram indiferentes ao estilo punk de Meireles, o atirador. «Chuta, Meireles!».

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Raul Meireles (POR)
Raul Meireles (POR)
Comentários (1)
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motivo:
Raul Meireles - ZZ
2020-03-27 13h14m por AvesSempre
O Raul sempre foi um jogador dedicado, e nos ultimos anos podia ter jogado ao mais alto nível, pelo menos tinha qualidade para isso e de repente retirou-se, e até hoje ainda não há nenhuma explicação plausível, mas no entanto são decisões de vida que só a ele lhe compete.

O ZZ podia ter dado mais ênfase à sua fase no Aves, pois foram vitais na afirmação do Raul, basicamente num espaço de 1 ano passa da 2ª liga para a 1ª liga. Mas naquela altura em que cá esteve já se via que o Raul tinha qualidade a mais