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    Leninegrado: De sobreviventes a heróis

    Texto por João Pedro Silveira
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    Começo adiado
     
    Quando tudo parecia estar preparado para finalmente o projeto do Zenit avançar, a Alemanha nazi invadiu a Polónia, iniciando a Segunda Guerra Mundial. Um ano e meio depois, a Alemanha declarava guerra à União Soviética e o país entrava no mais devastador conflito da sua história.
     
    O avanço nazi foi imparável, chegando às portas de Moscovo no inverno de 1941 e com o exército alemão a lançar cerco a Leninegrado. A vida na cidade tornou-se um verdadeiro pesadelo, um pesadelo que durou quase 900 dias, até Janeiro de 1944, num dos mais longos e destrutivos cercos da História da Humanidade, que provocou a morte de quase cinco milhões de pessoas entre civis, soldados russos e soldados alemães. Quase 90% da população perdeu a vida no cerco.
     
    Leninegrado aguentou estoicamente e a resistência da cidade tornou-se um símbolo da coragem e do heroísmo soviético. Dos escombros da cidade, o Zenit renasceria. A maioria dos jogadores e trabalhadores da fábrica perdeu a vida no conflito. Os dirigentes e a sede do clube tinham sido evacuadas para Kazan, aquando da eminência de Leninegrado cair em mãos alemãs.
     
    Todavia, a maioria dos membros do clube lutaram na cidade, lutando lado a lado de amigos, familiares e colegas. Seria em homenagem ao sangue dos heróis tombados e para honrar os vivos que o Zenit renasceu e ainda em 1944 festejaria o primeiro grande troféu da sua história.
     
    O primeiro sucesso
     
    Com a contra-ofensiva russa a libertar o país da invasão alemã, o país aos poucos tentava voltar à normalidade. As autoridades lançaram a ideia do regresso das competições desportivas e a Taça da URSS de futebol foi disputada a partir do verão, contando inclusive com a presença de equipas da recentemente libertada Ucrânia, como era o caso do Dynamo de Kiev.
     
    As autoridades soviéticas fizeram questão que Leninegrado tivesse uma equipa na competição e o Zenit recebeu o direito de participar e todo o apoio necessário para poder competir. Com aquele grupo improvisado de jogadores, na melhor das hipóteses o Zenit disputaria uma eliminatória ou duas. Todavia, os azuis eliminaram a equipa do Dynamo de Moscovo, antes de eliminarem o Dynamo de Moscovo 2 provocando grande escândalo na capital. Nos quartos-de-final seria a vez de outro Dynamo, o de Baku, do Azerbaijão, antes de nas meias-finais a vítima ser outro dos «grandes» da capital, o Spartak de Moscovo. Contra todas as expetativas, o Zenit ia jogar a final, com um grupo de jovens e ex-combatentes, de gente que ainda há meses era um bando de mal-nutridos.
     
    A grande final foi disputada em Moscovo, no Estádio do Dynamo, a 27 de Agosto. A equipa de Konstantin Lemechev ficou na história, batendo os moscovitas do CSKA por 2x1, graças a golos de Chuchelov (58) e Salnikov (68), dando a volta ao golo inicial do CSKA. O capitão Kurenkov, um herói de guerra condecorado, nem acreditava que meses antes comera papel de parede e bebera água das poças da chuva para sobreviver e agora segurava entre as mãos a Taça da URSS. Talvez nunca na história do futebol tenha havido um campeão tão improvável...
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
     
    When I heard about the "Giant Killers" series, I felt that I could contribute a new angle to this delicious topic. So, I thought this was an upset story that not many realized.
     
    This football match wasn't just about the game being played, but about the city they were playing for. In it's darkest hours, a band of survivors traveled to Moscow in attempt to accomplish an unthinkable feat.
     
    Let's turn back the pages a few times.
     
    It's the winter of 1943-1944 and the city of Leningrad had been under seige by Nazi Germany for over two years. After turning on his former promises, Adolf Hitler declares that "St. Petersburg must be erased from the face of the Earth".
     
    The city was encircled by the Nazis, but not taken. The hardened citizens and soldiers were going to do anything it took to repel the invaders.
     
    However, in the process, the home of the Tsars had been decimated, along with a large portion of its populace. Almost 90 percent of the citizens of Leningrad perished during the 872-day siege.
     
    Among the honored dead were a number of Zenit Leningrad players. Of the 20-man amateur squad made up of mostly of factory workers, half were killed in combat and many of the others were severely wounded.
     
    January 27, 1944 finally came. Possibly the greatest day in the history of Saint Petersburg.
     
    The city itself was nearly eradicated, but the Soviet Cup was going to be held again in April. And Zenit Leningrad barely had anyone to put on the field.
     
    Manager Konstantin Lemeshov did his best to assemble a squad, but many had not done much more than kick a ball around casually.
     
    After a couple months of training, the team set off for Moscow, expecting to get blown out. But they were going to make a showing for the city.
     
    Captained by war veteran Ivan Kurenkov, the patchwork squad carried the same skill level as a high school team.
     
    With nothing to lose, Lemeshov's boys faced Dynamo Moscow in the first round. Although Zenit would walk away with the win, the only goal came from an own goal by Dynamo. Lucky.
     
    Next round was a professional side, Spartak Moscow. The crowd was out in full force at Pishcheviki Stadium, to will on the locals.
     
    Spartak stormed out to a 2-0 halftime lead and the game looked to be about in the books. Nikolai Starostin scored both times for Spartak, who had dominated play from the beginning.
     
    But within the 10 minutes after halftime, Zenit had tied the game back up thanks a goal and assist by Kurenkov. With five minutes to go, Zenit's Alexey Pshenichny poked home the game-winning goal to advance Zenit to the USSR Cup match.
     
    Lemeshov and the home town supporters already considered the victory as a success. Even the generally optimistic Kurenkov didn't like their chances against powerhouse CDKA Moscow in the championship.
     
    The "Red Army" was just too good on paper.
     
    Once again, Zenit got behind heading into half, this time down 1-0. The legendary Lieutenant Vsevolod Bobrov scored for CDKA.
     
    CDKA came awful close to scoring again after halftime with a couple misses. With time ticking off the clock, Boris Chuchelov netted the equalizer in the 80th minute of play. Zenit was driven by pure ecstasy at that point, as they continued to push for a possible cup-winning goal.
     
    And they got it.
     
    Nine minutes later, defenseman Sergey Salnikov punched in the winner. A most unlikely source, Salnikov had nearly lost his entire family in the siege. Zenit had defeated the Moscow juggernaut in a ridiculous series of events in the capital city.
     
    Zenit Leningrad logo
     
    For the city of Leningrad, they had a reason to smile for the first time in years, as Salnikov held the USSR Cup high over his head.
     
    For Capt. Kurenkov and the rest of the squad, a half a year had not even passed since they were attempting to survive the siege by eating wallpaper and drinking mud water.
     
    Now they were taking in the sun, basking in the glory of the Cup.
    Esta é a crónica de um dos mais improváveis feitos da história do futebol. Um clube que não jogava uma partida há anos, proveniente de uma cidade arrasada, com uma equipa formada à pressa e que juntava sobreviventes do conflito, era convidado pelas autoridades desportivas do país a participar numa prova para honrar a vitória militar sobre as forças nazis.

    A cidade era Leninegrado, hoje São Petersburgo. O clube era o Zenit e a competição a Taça da União Soviética. O resultado? Uma vitória para a lenda...
     
    «São Petersburgo deve ser erradicada da face da Terra!»
     
    Quando, a 1 de setembro de 1939, a Alemanha nazi invadiu a Polónia, iniciando a Segunda Guerra Mundial, a situação desportiva do Zenit encontrava-se em profunda reestruturação, com o clube a ver integrado no seu seio o Stalinets, outro emblema da cidade que recentemente vencera a Taça da Rússia.

    Um ano e meio depois do conflito ter começado, a Alemanha declarou guerra à União Soviética e o país entrou no mais devastador conflito da sua história. Leninegrado era, juntamente com Moscovo e as regiões produtoras de petróleo do Cáucaso, um dos três alvos primordiais da ofensiva germânica que tinha por nome de código «Operação Barbarossa».
     
    O avanço nazi foi imparável e chegou às portas de Moscovo no inverno de 1941, tendo o exército alemão a lançado o cerco a Leninegrado desde setembro.

    A vida na cidade tornou-se um verdadeiro pesadelo. Um pesadelo que durou quase 900 dias - até janeiro de 1944 -, num dos mais longos e destrutivos cercos da história da humanidade que provocou a morte de quase cinco milhões de pessoas entre civis, soldados russos e soldados alemães. Quase 90 por cento da população morreu durante a invasão.
     
    Em 1944, a anterior orgulhosa capital dos czares era um mar de escombros
    Se a ideia inicial era a de tomar a cidade que fora berço da Revolução de Outubro e transformá-la na capital de uma nova província - com alteração do nome -, rapidamente Adolf Hitler mudou de ideias, considerando que uma cidade daquela dimensão e com tanta população seria inútil para o Reich.

    «São Petersburgo deve ser erradicada da face da Terra!» terá dito o Führer, o que ajuda a explicar a dimensão da destruição de que a cidade foi alvo.

    A cidade com o nome do grande líder da Revolução tinha de desaparecer...
     
    O lamento virou sinfonia
     
    O sofrimento da cidade emocionou o mundo, mas em nenhuma parte terá provocado mais comoção do que na própria União Soviética. O grande compositor Dmitri Shostakovich foi um dos muitos que se sentiu tocado pela tragédia que assolava a sua cidade.
     
    Recusou-se a fugir de Leninegrado quando começou a evacuação de parte da população e inscreveu-se no corpo de bombeiros, onde trabalhou e correu, todos os dias, risco de vida...

    Todos foram chamados a ajudar na defesa da cidade. Na imagem, um batalhão feminino
    À noite, à luz de uma vela ou de um pequeno candeeiro de petróleo, escreveu a sua famosa Sinfonia n.º 7 em dó maior (Opus 60), inicialmente dedicada à vida e obra de Lenine, que, com o decorrer do cerco, se transformou na sinfonia da Cidade de Leninegrado dedicada à heróica resistência ao cerco das forças alemãs. 
     
    Shostakovich terminou a obra em dezembro de 1941, no auge do cerco, e rapidamente esta se tornou num símbolo da resistência, tendo sido apresentada na União Soviética e no Ocidente. É, ainda hoje, considerada uma das mais belas homenagens às vidas dos 25 milhões de soviéticos que perderam a vida durante a Segunda Guerra Mundial.
     
    A obra estreou na cidade a 9 de agosto de 1942, uma data simbólica, pois era o dia em que Hitler planeara celebrar a Queda de Leninegrado com um lauto banquete no Hotel Astoria. 

    O comando militar de Leninegrado ordenou que as posições de artilharia alemãs fossem previamente bombardeadas para ficarem silenciadas na noite da estreia. Foram colocados estrategicamente altifalantes pela cidade para que a Sinfonia fosse ouvida pelo maior número de pessoas com o objetivo de moralizar os resistentes.
     
    Os alemães não foram esquecidos e os altifalantes foram apontados às tropas nazis numa ousada manobra de guerra psicológica. 
     
    O renascer do Zenit
     
    Bombardeada diariamente - dia e noite -, a cidade de Leninegrado aguentou estoicamente e a máquina de propaganda de Estaline tornou-a em sinónimo de coragem e heroísmo do povo soviético. A resistência do berço da Revolução era inspiração para toda a nação.

    Soldado compra bilhete para estreia da Sinfonia n.º 7 de Shostakovich
    Assim que libertada a cidade, e de forma gradual, a vida regressou à grande metrópole banhada pelo Neva. Foi dos escombros dessa cidade massacrada que nasceu o Zenit.

    A maioria dos jogadores e trabalhadores da fábrica perdeu a vida no conflito. Os dirigentes e a sede do clube tinham sido evacuados para Kazan aquando da eminência de Leninegrado cair em mãos alemãs. O clube perdera as suas raízes, mas, mesmo longe, mantinha a ligação umbilical à cidade onde nascera.
     
    Todavia, a maioria dos membros do clube lutara na cidade, defendendo-a nas barricadas lado a lado com amigos, familiares e colegas. Foi, por isso, em homenagem ao sangue dos heróis tombados e para honrar os vivos que o Zenit renasceu e ainda em 1944 festejaria o primeiro grande troféu da sua história.
     
    O primeiro sucesso
     
    A 27 de janeiro, a cidade foi libertada. A grande cidade da Revolução de 1917 não caiu nas mãos dos odiados nazis. Um espírito de vitória corria as grandes estepes russas... 
     
    Com a contra-ofensiva soviética a libertar o país da invasão alemã, o país, aos poucos, tentava voltar à normalidade. As autoridades lançaram a ideia do regresso das competições desportivas e a Taça da URSS de futebol foi disputada a partir do verão, contando, inclusive, com a presença de equipas da recentemente libertada Ucrânia, como era o caso do Dynamo de Kiev.
     
    As autoridades soviéticas fizeram questão que Leninegrado tivesse uma equipa na competição e o Zenit recebeu o direito de participar e todo o apoio necessário para que pudesse competir. Com aquele grupo improvisado de jogadores, e na melhor das hipóteses, o Zenit disputaria uma eliminatória ou duas. A sua presença seria meramente simbólica, assim pensavam os dirigentes...
     
    Passeio à capital
     
    Konstantin Lemeshov, o treinador, reuniu um grupo de jogadores disponíveis, onde muitos deles só tinham chutado uma bola na rua em jogos com amigos. Durante três meses, este grupo treinou nas horas vagas e, por fim, entrou num comboio rumo a Moscovo, onde uma pesada derrota os aguardava.
     
    Jogadores do Zenit (calções escuros) e do Dynamo (camisola branca) entram em campo para a primeira eliminatória da Taça Soviética
    Pela frente estava o todo-poderoso Dynamo Moscovo, equipa mais forte do país que, um ano mais tarde, assim que terminada a guerra, fez uma histórica tour no Reino Unido que deixou os ingleses boquiabertos com a magia dos artistas russos.
     
    Na capital, os jogadores do Zenit passeavam-se maravilhados. Alguns nunca tinham saído da sua cidade e esta viagem a Moscovo era como uma viagem de escola com direito a visitas a museus e monumentos... O jogo era um pretexto. 
     
    A bola rola
     
    Sem nada a perder, o Zenit fechou-se lá atrás, aguentando os ataques do Dynamo. Contra todas as expectativas, um autogolo de um moscovita chegou para o Zenit vencer e continuar em frente. 
     
    Eliminada a primeira equipa do Dynamo, o Zenit teve de enfrentar a segunda equipa do Dynamo Moscovo. A vitória suada só confirmou as limitações dos de Leninegrado. Nos quartos-de-final, novamente em Moscovo, o Zenit encontrou outro Dynamo, desta feita de Baku, capital do Azerbaijão. A vitória valeu a qualificação para a meia-final.

    Depois da dupla dose de Dynamos, a sorte ditou que seria outro grande da capital aparecer pelo caminho: o Spartak. O palco era o Pishcheviki, mais tarde conhecido como Tomsky. Os da casa estavam avisados com o que acontecera ao Dynamo e entraram a todo o gás, sendo que ao intervalo venciam por 2x0.

    Mas, no regresso do intervalo, o Zenit empatou o jogo a dois com Kurenkov em grande estilo. O Spartak acusou o nervosismo e nunca mais soube atacar sem medo, ficando preso de movimentos. A cinco minutos do fim, Alexey Pshenichny, completou a reviravolta. Mais uma vez, David derrubava Golias.

    A glória

    Ao contrário da história bíblica, na edição da Taça da URSS de 1944 havia muitos Golias para derrubar e o Zenit não contava propriamente com um arsenal de fundas...

    Regressados a Leninegrado, os heróis do Zenit apresentam posam com o troféu
    Chegara a tão ambicionada final contra mais um adversário moscovita. Desta feita, o clube do exército, o CDKA, atual CSKA, uma das equipas mais fortes do futebol soviético. 

    Contra todas as expectativas, o Zenit enfrentava a final com um grupo de jovens e ex-combatentes, de gente que há uma questão de meses era um bando de mal-nutridos, ao passo que do outro lado estava uma equipa que só não era profissional em nome pelas idiossincrasias da visão socialista do desporto. 

    A grande final foi disputada em Moscovo, no Estádio do Dynamo, a 27 de agosto. A equipa de Konstantin Lemechev entrou para história ao bater os moscovitas do CSKA por 2x1 graças a golos de Chuchelov (58) e Salnikov (68) que deram a volta ao golo inicial do adversário.

    O capitão Kurenkov, um herói de guerra condecorado, nem acreditava que meses antes havia comido papel de parede e bebido água das poças da chuva para sobreviver e que segurava entre as suas mãos a Taça da URSS.

    Talvez nunca na história do futebol houve um campeão tão improvável...

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    motivo:
    Zenit
    2020-04-15 22h39m por manueldesousa
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