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    Zenit

    Texto por João Pedro Silveira
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    O futebol chegou à Rússia, como em outras partes do mundo, pelas mãos - passe a contradição - dos ingleses. O primeiro registo de uma partida de futebol em solo russo, aponta a Ilha Vasilievsky em São Petersburgo como o palco desse primeiro encontro, entre uma equipa formada por ingleses, batizada de «Ostrov» e uma equipa composta só por jogadores russos, denominada de «Petrograd».
     
    Do resultado do jogo não há memória, mas nos anos seguintes o futebol ganhou raízes na capital dos czares e pela cidade foram surgindo pequenos grupos de jovens apostados em jogar futebol que foram formando as suas equipas. Por norma, estas equipas estavam ligadas aos ingleses ou às grandes indústrias e ao porto. Tal como em Inglaterra, onde o jogo nascera, também na Rússia coube à classe operária o papel pioneiro de abraçar o novo jogo, tornando-o seu.
     
    O epicentro do furacão
     
    A cidade e o país viviam períodos conturbados. Desde o fim do século XIX que o Império atravessava uma crise que parecia não ter fim. Derrotado pelo Japão na humilhante Guerra Russo-Japonesa, o governo do Czar começava a ser abertamente criticado, inclusive por aqueles que antes o haviam apoiado.

    O Zenit é um dos clubes com mais adeptos na Rússia. O Petrovsky em São Petersburgo há décadas que é o seu «santuário».
    A Revolução de 1905, com o famoso «Domingo Sangrento», em que entre 200 a 1000 homens e mulheres desarmados e liderados por um padre, com ligações à Okhrana (1) pereceram em frente do Palácio de Inverno enquanto pediam ao czar Nicolau II por melhores condições de vida, depois da guarda abrir fogo.
     
    A contestação espalhou-se, chegando inclusive à marinha real, com a famosa revolta no Couraçado Potemkin. Acossado por diversos lados, o autocrático Czar abriu temporariamente mão do seu poder e aceitou a criação da Duma, aliviando também a repressão policial da temida Okhrana conseguindo assim que a crise acalmasse. 
     
    Mas passado nove anos  a Rússia entrou na Primeira Guerra Mundial, lutando ao lado da França e da Grã-Bretanha, contra a Alemanha e os seus aliados, tentando recuperar a grandeza militar perdida na campanha oriental de 1904-05.
     
    Entretanto, São Petersburgo mudou de nome para Petrogrado, para russificar o nome, que até aí soava muito germanico. Os desastres militares na frente russa, as baixas, a fome generalizada conduziram a nova revolução em Fevereiro de 1917, o Czar Nicolau II abdicou e nasceu a República.
     
    Até Outubro, Petrogrado foi palco de manifestações, motins, contestação. A nova República acabou por ser derrubada pelos Bolcheviques liderados por Vladimir Ilyitch Uliánov, mais conhecido por Lenine. Seguiu-se a Paz com os alemães e a Guerra Civil entre «vermelhos» e «branco» donde emergiram vitoriosos os bolcheviques que proclamaram o primeiro estado socialista do mundo: a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
     
    A dança dos nomes
     
    A 26 de janeiro de 1924, quatro dias depois da morte de Lenine, a cidade mudava de nome para Leninegrado, para honrar o líder da revolução de 1917.
     
    Em 1925 nascia o Stalinets, um dos antepassados do clube.
    Num país em constante mutação, numa cidade que era o epicentro das revoltas e contra-revoluções, o Zenit também viveu uma história atribulada. 
    As suas origens remontam ao começo do século e aos diversos clubes que surgiam na cidade, mas que rapidamente davam lugar a outros. 
     
    Murzinka, um clube fundado em 1914, o ano em que a Guerra começou, é o mais velho predecessor do Zenit de que se encontra registo. O clube atuava no Estádio Obukhovsky, pertença da grande fábrica com o mesmo nome, entre 1914 e 1924, ano em que em honra da vitoriosa revolução, o Murzinka passou a ser conhecido por Bolshevik, nome porque ficou também a ser conhecida a Obukhovsky e o seu estádio, que tinham sobrevivido à Primeira Guerra Mundial às revoluções e à Guerra Civil de 1918-22.
     
    Em 1925 os trabalhadores Leningradsky Metallichesky Zavod (LMZ) (2), fundavam outro clube que seria um dos antepassados do Zenit, um clube de trabalhadores-jogadores da siderurgia conhecido como o Stalinets (3), que curiosamente levava o nome do grande líder soviético.
     
    Seriam estes dois clubes que se fundiram em vésperas da Segunda Guerra Mundial, mas já em 1936 o Bolshevik se havia tornado Zenit, passando a fazer parte da empresa com esse nome, nome com que o FK Zenit disputou o campeonato soviético.

    O Stalinets chegou à final da Taça da URSS Em 1939, enquanto o Zenit se afundava na II Divisão. Correndo riscos de nova despromoção, o Zenit viu o Stalinets ser integrado no seu seio, numa das habituais fusões por decreto do futebol soviético, passando a contar com os seus jogadores. Por pressão do Comissariado do Povo das Armas e das Munições, que controlava a LMZ, nascia então o Futbolny Klub Zenit Leningrad que o clube passou a ser gerido pela GOMZ, a Fábrica de Óptica Mecânica, que mais tarde se tornaria na famosa Leningradskoye Optiko Mechanichesckoye Obyedinenie, mundialmente conhecida como LOMO.
     
    Começo adiado
     
    Quando tudo parecia estar preparado para finalmente o projeto do Zenit avançar, a Alemanha nazi invadiu a Polónia, iniciando a Segunda Guerra Mundial. Um ano e meio depois, a Alemanha declarava guerra à União Soviética e o país entrava no mais devastador conflito da sua história.
     
    O cerco de Leninegrado é um dos mais trágicos capítulos da Segunda Guerra Mundial.
    O avanço nazi foi imparável, chegando às portas de Moscovo no inverno de 1941 e com o exército alemão a lançar cerco a Leninegrado. A vida na cidade tornou-se um verdadeiro pesadelo, um pesadelo que durou quase 900 dias, até Janeiro de 1944, num dos mais longos e destrutivos cercos da História da Humanidade, que provocou a morte de quase cinco milhões de pessoas entre civis, soldados russos e soldados alemães. Quase 90% da população perdeu a vida no cerco.
     
    Leninegrado aguentou estoicamente e a resistência da cidade tornou-a num símbolo da coragem e do heroísmo soviético. Dos escombros da cidade, o Zenit renasceria. A maioria dos jogadores e trabalhadores da fábrica perdeu a vida no conflito. Os dirigentes e a sede do clube tinham sido evacuadas para Kazan, aquando da eminência de Leninegrado cair em mãos alemãs.

    Todavia, a maioria dos membros do clube lutaram na cidade, lutando lado a lado de amigos, familiares e colegas. Seria em homenagem ao sangue dos heróis tombados e para honrar os vivos que o Zenit renasceu e ainda em 1944 festejaria o primeiro grande troféu da sua história.
     
    O primeiro sucesso
     
    Com a contra-ofensiva russa a libertar o país da invasão alemã, o país aos poucos tentava voltar à normalidade. As autoridades lançaram a ideia do regresso das competições desportivas e a Taça da URSS de futebol foi disputada a partir do verão, contando inclusive com a presença de equipas da recentemente libertada Ucrânia, como era o caso do Dynamo de Kiev.
     
    1944: contra todas as expectativas, o Zenit conquistou a Taça da União Soviética em 1944.
    As autoridades soviéticas fizeram questão que Leninegrado tivesse uma equipa na competição e o Zenit recebeu o direito de participar e todo o apoio necessário para poder competir. Com aquele grupo improvisado de jogadores, na melhor das hipóteses o Zenit disputaria uma eliminatória ou duas. Todavia, os azuis eliminaram a equipa do Dynamo de Moscovo, antes de eliminarem o Dynamo de Moscovo 2 provocando grande escândalo na capital. Nos quartos-de-final seria a vez de outro Dynamo, o de Baku, do Azerbaijão, antes de nas meias-finais a vítima ser outro dos «grandes» da capital, o Spartak de Moscovo. Contra todas as expetativas, o Zenit ia jogar a final, com um grupo de jovens e ex-combatentes, de gente que ainda há meses era um bando de mal-nutridos.
     
    A grande final foi disputada em Moscovo, no Estádio do Dynamo, a 27 de Agosto. A equipa de Konstantin Lemechev ficou na história, batendo os moscovitas do CSKA por 2x1, graças a golos de Chuchelov (58) e Salnikov (68), dando a volta ao golo inicial do CSKA. O capitão Kurenkov, um herói de guerra condecorado, nem acreditava que meses antes comera papel de parede e bebera água das poças da chuva para sobreviver e agora segurava entre as mãos a Taça da URSS. Talvez nunca na história do futebol tenha havido um campeão tão improvável...
     
    Época negativa 
     
    Apesar do sucesso, o Zenit entrou num período conturbado. Os resultados pioravam e em 1948 a dissolução do clube esteve em cima da mesa. Contudo, os apaixonados do jogo e os adeptos do clube ajudaram a manter vivo o mais representativo emblema da cidade. 
     
    1984: O Zenit torna-se campeão da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas pela primeira (e única) vez na história.
    Em 1958 Georgy Zharkov chegou ao clube, proveniente de Moscovo, para tranformar a sua filosofia de formação de jogadores, criando as bases para o futuro. 
     
    Salvos pela história
     
    Em 1967 o Zenit terminou no último lugar da Liga Soviética, condenado à despromoção, o que parecia uma triste ironia, quando a cidade de Leninegrado era o centro das atenções de toda a União Soviética, e o do mundo socialista também, como palco das comemorações do 50.º aniversário da Revolução de Outubro, ou Bolchevique.
     
    Como beneplácito pela cidade ter sido capital da «gloriosa revolução», Leninegrado pôde ver o seu clube mais representativo manter-se entre a elite soviética, por decreto e como tributo aos históricos dias de Outubro de 1917.
     
    Os resultados começaram a melhorar na década de 70, periodo em que Evgeny Goryansky passou a dirigir o clube, mas os bons resultados acabaram por levar o treinador de São Petersburgo para a selecção nacional. 
     
    Andrey Arshavin grande estrela do clube no novo milénio e um dos orgulhos da academia do Zenit.
    German Zonin foi o eleito para suceder-lhe, introduzindo novos métodos, recorrendo ao serviço de cientistas, inovando na área da investigação ciêntifica no futebol, muitos anos antes de que a maioria dos grandes clubes mundiais.
     
    Contudo, os resultados não corresponderam ao esperado e o melhor que Zonin conseguiu foi levar o clube a um quinto lugar. 
     
    Finalmente a glória
     
    Yury Morozov sucedeu a Zonin com uma aposta decidida nas camadas jovens. Ao contrário da opinião dos céticos, os jovens do Zenit rapidamente deram fruto. Em 1980 o clube terminou em terceiro lugar, qualificando-se para as competições europeias pela primeira vez na sua história.
     
    Quatro anos volvidos o clube voltou à final da Taça, perdida para o Dynamo de Moscovo, mas em Novembro do mesmo ano, uma vitória de 4x1 sobre o Metalist Kharkiv assegurou o título de campeão soviético. 
     
    Durante o resto da década de 80, o Zenit não voltou a igualar os feitos de 1984, permanecendo na sombra dos clubes de Moscovo e da Ucrânia. 
     
    Na Sombra
     
    Com o fim da União Soviética em 1991, Leninegrado voltou a denominar-se São Petersburgo, nome que o Zenit voltou orgulhosamente a utilizar. 

    Despromovido em 1992, regressaria ao primeiro escalão em 1996, onde aos poucos se tornou numa referência e num dos clubes mais importantes do país, aproveitando os frutos das suas escolas, de onde se destacava entre outros o nome de Andrey Arshavin. 
     
    A era Gazprom
     
    Vencedor da Taça da Rússia em 1999, o Zenit conquistou a terceira posição na Liga em 2001. Em 2002 voltou à final da Taça e no ano seguinte, conquistou a Taça da Liga, terminando em segundo lugar na Liga. O sucesso adivinhava-se próximo e em 2007, São Petersburgo festejou nova vitória do Zenit num Campeonato Nacional.

    O português Danny em ação contra o Manchester United na final da Supertaça Europeia.
    Em Dezembro de 2005, a Gazprom, uma das principais empresas do país, passara a ser a acionista maioritária do clube e o Zenit tornara-se no mais recente membro do "clubes dos ricos" do futebol europeu.
     
    Com uma injeção de 100 milhões de dólares, os dirigentes do clube adquiriram mais reforços e o Zenit passou a ter novas ambições na Europa, conseguindo tornar-se o segundo clube russo (4) a vencer uma competição europeia, batendo o Glasgow Rangers por 2x0 na final. Antes, nas meias, o Zenit despachara o Bayern de Munique com um agregado de 5x1 que deixara a Europa boquiaberta. 

    Ambição
     
    Em Agosto o Zenit bateria o Manchester United por 2x1, conquistando a Supertaça europeia, com o português Danny a apontar o golo decisivo logo no jogo da estreia, o primeiro de muitos, que o tornaram num dos grandes símbolos da história do clube. 
     
    Campeões em 2010 e em 2011/12, o Zenit tornou-se um dos grandes compradores do futebol europeu, com contratações sonantes e dispendiosas como Hulk, Witsel, Semak, Shirokov, Bruno Alves, que agitavam o mercado e mostravam a força do «capital» da Gazprom na formação de uma grande equipa.
     
    2014 marca o fim do «reinado» do italiano Spalletti no banco do Petrovsky, sendo substituído pelo português Villas-Boas que não seria capaz de conquistar o título no que faltava jogar da Liga. 
     
    Perdido o título, Villas-Boas conseguiu os reforços desejados, preparando uma nova equipa para conquistar a Liga e brilhar nas Champions, e para em breve lotar a novíssima arena que será a nova casa do clube.
     
    Com o português ao leme, o Zenit endireitou-se e voltou a entrar no caminho das conquistas. Depois de ter caído nos quartos-de final da Liga Europa em 2014/15, o campeonato (2014/15) , a Supertaça (2015) e a Taça da Rússia (2015/16) foram ganhos com o cunho do jovem técnico luso, que deixou marca profunda no clube. 
     
    Lucescu, Mancini... E a solução estava em casa
     
    Na fase pós-Villas-Boas, o Petrovsky entrou em declínio desportivo. Mircea Lucescu, conceituado treinador romeno que dispensa apresentações, foi apresentado e a verdade é que à exceção de uma Supertaça em 2016, a era do experiente treinador ficou marcada pelo fracasso. As polémicas dentro e fora de campo acabaram por deixar uma má imagem. Uma completa desilusão a todos os níveis, tendo em conta as expetativas iniciais.
     
    Em 2017/18, Mancini assumiu e nem um ano se manteve no comando. Pese as contratações, o Zenit falhou em todas as competições, sendo que, na Liga, não passou do quinto posto.
     
    A Squadra Azzurra bateu à porta do técnico e a direção russa decidiu apostar num velho conhecido. Sergey Semak deixou o leme do Ufa para liderar, em 2018/19, uma casa que havia sido sua durante largos anos. A aposta, tida inicialmente como arriscada, viria a justificar o investimento mais tarde com a conquista do quinto título de campeão da história do clube, terminando, assim, com as épocas de glória dos rivais de Moscovo.
     
    O trabalho de Sergei Semak continuou a dar frutos a nível interno no Zenit, que se sagrou novamente campeão russo em 2019/20 - com 15 pontos de vantagem para o 2º classificado, o Lokomotiv -, juntando ainda a Taça da Rússia, onde venceu o Khimki por 0x1 na final. Nessa temporada, a nível interno, o Zenit falhou apenas a conquista da Supertaça, mas acabou por «remediar» isso mesmo em 2020/21, onde bateu o Lokomotiv (2x1) na Supertaça russa. Apesar de ter caído na taça cedo, a formação de São Petersburgo não deixou escapar o tricampeonato, a primeira vez que logrou em alcançar tal feito na sua história.
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    (1) - Polícia secreta do Czar.
    (2) - Siderurgia de Leninegrado.
    (3) - O nome nada tinha a ver com Estaline, o líder da URSS depois da morte de Lenine. Estaline, em russo «Stalin», era a alcunha por que era conhecido Josef Vissarionovitch Stalin, que tivera como nome de batismo Iossif Vissarionovitch Djugashvili. «Stalin» vinha do russo «Stal», que significa «Aço», assim como «Stalinets» vinha da mesma raíz. Daí a confusão entre «Stalinets» e Estalinistas, «aqueles que trabalham o metal». 
    (4) - O CSKA de Moscovo fora o primeiro ao bater o Sporting por 1x3 na final de Lisboa em 2005.
    Iossif Vissarionovitch Djugashvili

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