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    Itália 1934
    História

    O Mundial de Mussolini

    Texto por João Pedro Silveira
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    «A ideia de que em Itália, a política e o desporto deviam estar separados, é motivo de risota.»  (1)
     

    Benito Mussolini não terá sido o primeiro líder político a aproveitar uma grande competição desportiva para retirar vantagens políticas e está muito longe de ser o último.

    Volvidos somente dois anos do «mundial de Mussolini», o líder alemão Adolph Hitler «ofereceu» ao mundo as «melhores Olimpíadas» da História, exibindo em Berlim uma competição que em termos organizativos pode considerar-se sem mácula a precursora das futuras organizações de eventos desportivos globais.
     
    Mas em Itália, o mundo presenciou pela primeira vez in loco, uma competição que foi organizada ao pormenor para glorificar a qualidade organizativa do país anfitrião, e que no fim se esperava vencedor.

    Os visitantes do mundial de Itália, em 1934, não se pouparam nos elogios à limpeza das cidades italianas, à segurança e ajudaram a espalhar pela Europa, a ideia de que «Mussolini fizera os comboios andar à tabela», o que para os turistas que visitavam o Bel Paese, era prova de que o ditador tornara a caótica Itália num exemplo de organização e modernidade.

    As raízes do fascismo italiano

    As raízes do fascismo italiano remontam à segunda metade do século XIX, e em particular a dois movimentos políticos que nasceram no país: risorgimento (2) e o irredentismo italiano (3).

    Baseada no irredentismo, a ideologia fascista italiana defendia a ideia de recuperar e expandir o território nacional, Giovanni Gentile, mentor da «Doutrina do Fascismo» acreditava que não obstante essa vontade imperial, um estado fascista podia e devia liderar outras nações - direta ou indiretamente - sem a necessidade de conquistar um único quilometro quadrado. A Itália, pela sua gloriosa história, pela tradição cultural e arte de milénios, era o líder natural para guiar a humanidade, um «farol milenar» para iluminar o mundo.

    Seria a d´Annunzio que Mussolini iria buscar muito da estética e «dramaturgia» do fascismo italiano.
    Seria Gabriele d´Annunzio - personagem excêntrico, poeta e dramaturgo, decadentista, herói de guerra, nacionalista, irredentista - que liderou um projeto que ficou conhecido como a Impresa de Fiume. 

    Em 1919, D´Annunzio comandou pessoalmente uma incursão armada de nacionalistas italianos que avançou sobre Fiume - hoje em dia Rijeka na Croácia - onde estabeleceu a Reggenza Italiana del Carnaro, mais tarde conhecida como Estado Livre de Fiume.

    Um estado independente onde outorgou uma Constituição - que Mussolini adaptaria a Itália - que sintetizava anarquismo com proto-fascismo e ainda avulsas ideias democráticas e republicanas, autoproclamando-se Duce

    Não só a Constituição e a terminologia inspirariam Mussolini, pois muito da iconografia e simbologia do Estado Livre de Fiume seriam adotadas pelo Estado Fascista Italiano, que seria estabelecido em 1922, depois da famosa «Marcha sobre Roma» que Mussolini encabeçou à frente dos célebres camisas pretas.

    Itália Fascista

    Além da expansão territorial, o ideal fascista tentava recuperar a grandeza clássica de Itália, olhando para o país como o herdeiro natural do glorioso Império Romano.

    Com a emulação da glória romana em mente, Benito Mussolini lançou um plano de grandes obras públicas e modernização do país.

    Il Duce discursa perante milhares de italianos. Ao fundo o Arco de Constantino em Roma. O regime italiano tentava sempre que possível, associar-se ao glorioso passado romano.
    A organização de um grande evento desportivo era o palco ideal para mostrar ao mundo a renovada glória italiana.

    Il Duce, tal como os Césares da antiguidade, queria impressionar os estrangeiros e aumentar a autoestima dos italianos, nada como organizar um Campeonato do Mundo de futebol com sucesso e ganha-lo, para conseguir atingir os dois objetivos. 

    Oriundi

    Tal como Hitler faria dois anos depois, Mussolini quis mostrar ao mundo a superioridade dos seus atletas. A Squadra Azzurra foi preparada para vencer a competição, recorrendo-se a uma inusitada política de naturalizações, sem precedentes na história do desporto.

    Burocratas italianos percorreram os cartórios de cidades como São Paulo, ##Santos, Montevideu ou Buenos Aires, para encontrarem descendentes de italianos - conhecidos em Itália como Oriundi - que pudessem ser chamados a servir na seleção.

    Cinco deles fariam parte da equipa que disputou o mundial: os argentinos Luis Monti (finalista vencido em 1930), Raimundo Orsi, Attilio Demaría e Enrique Guaita, e ainda o brasileiro Anfilogino Guarisi. A defesa da sua utilização foi sumarizada pelo treinador Vittorio Pozzo“se eles podem morrer por Itália, eles podem jogar por Itália.” - Orsi compensaria a fé de Pozzo nos Oriundi e seria um dos autores dois golos que deram o título mundial aos transalpinos.

    O desporto como propaganda do regime

    A utilidade do desporto num regime que vive do apoio das massas é reconhecida desde os tempos de Mussolini. A retórica do regime clamava pela vitória e o atleta italiano era endeusado como os heróis da antiguidade.

    Atividades desportivas realizadas no milenar Circo Máximo em Roma e sob a supervisão de altas figuras do regime.
    No dia seguinte à conquista do mundial, Il Popolo D´Italia, um jornal muito próximo do regime, lembrava a importância da «disciplina, da ordem e da coragem» exibida pelos azzurri no campo de jogo. Não era à toa que imprensa ligava os valores do fascismo, às razões que conduziam a Itália ao topo do mundo.

    Italian Fascism (Italian: Fascismo Italiano), also known simply as Fascism (Italian: Fascismo), is the original fascist ideology, as developed in Italy. The ideology is associated with the National Fascist Party, which under Benito Mussolini ruled the Kingdom of Italy from 1922 until 1943, the Sammarinese Fascist Party that ruled San Marino form 1923 until 1943, the Republican Fascist Party that ruled the Italian Social Republic from 1943 to 1945, the post-war Italian Social Movement and subsequent Italian neo-fascist movements.
    Italian Fascism was rooted in Italian nationalism and the desire to restore and expand Italian territories, which Italian Fascists deemed necessary for a nation to assert its superiority and strength and to avoid succumbing to decay.[1] Italian Fascists claimed that modern Italy is the heir to ancient Rome and its legacy, and historically supported the creation of an Italian Empire to provide spazio vitale ("vital space") for colonization by Italian settlers and to establish control over the Mediterranean Sea.[2]
    Italian Fascism promoted a corporatist economic system whereby employer and employee syndicates are linked together in associations to collectively represent the nation's economic producers and work alongside the state to set national economic policy.[3] It promoted corporatism as an alternative to capitalism and Marxism, which it regarded as "obsolete doctrines".[citation needed] Italian Fascists intended such an economic system to resolve class conflict through collaboration between the classes.[4]
    Italian Fascism opposed liberalism, but rather than seeking a reactionary restoration of the pre-French Revolutionary world, which it considered to have been flawed, it had a forward-looking direction.[5] It was opposed to socialism because of the latter's typical opposition to nationalism,[6] but was also opposed to the reactionary conservatism developed by Joseph de Maistre.[7] It believed the success of Italian nationalism required respect for tradition and a clear sense of a shared past among the Italian people alongside a commitment to a modernized Italy.[8]
    A vitória transalpina, a que se sucederia a vitória no torneio olímpico de futebol em Berlim e o mundial de 1938, foram apresentados pelo regime como símbolo da supremacia racial italiana, e um resultado do superior sistema educativo do país.

    Em última instância tudo se devia aos princípios governativos do estado fascista, que tornam possível recuperar a Itália da letargia e decadência em que se encontrara durante séculos, lançando o país de volta à glória de tempos idos.
     
    Não só o futebol, como o ténis, o ciclismo, os desportos motorizados, ou qualquer outro desporto onde a Itália conseguisse um resultado destacado, era utilizado como uma bandeira.

    Em especial, as vitórias conseguidas sobre os rivais franceses, espanhóis ou ingleses, eram apresentadas ao povo como uma demonstração inequívoca de superioridade italiana. Qualquer equipa ou atleta que batesse um adversário francês ou inglês, tinha garantida uma recepção no Palazzo Venezia, podendo subir à varanda que dava para a Praça Venezia, na companhia do próprio Duce, para receber o merecido banho de multidão. 

    Obra e resultado
     
    A mão do regime foi fundamental no «empurrão» que o futebol italiano sofreu nos anos trinta. A reorganização desportiva chegou ao ponto de fundir clubes rivais só para se formarem equipas mais competitivas, um pouco por todo o país. 
     
    Pozzo carregado em ombros pelos jogadores depois de conquistar o Mundial.
    As grandes obras públicas, uma imagem de marca do fascismo, não esqueceram o desporto, e o futebol em particular. Novos estádios surgiram de uma ponta à outra da «bota» como cogumelos: Turim, Bolonha, Bari, Florença, Livorno, L´Aquila, Roma...
     
    A construção dos estádios servia um duplo propósito, ao garantir trabalho à indústria nacional, ao mesmo tempo que ajudava ao desenvolvimento do futebol, não esquecendo ainda, que um conjunto de estádios recem inaugurados, era a razão perfeita para a FIFA atribuir à Itália a realização do II Campeonato do Mundo.  
     
    Uma campanha atribulada
     
    A influência de Mussolini no desfecho do mundial de 1934 manchou para sempre a bela campanha dos campeões. Se a equipa de Pozzo não tivesse reconquistado o título em 1938, é bem provável que hoje em dia a Squadra Azzurra dos anos 30 não visse reconhecida toda a sua classe. A classe de Ferraris, Monti, Meazza, Ferrari e Schiavio, não merecia a mácula, dos jogos de bastidores do Palazzo Venezia.
     
    Depois de uma arbitragem polémica nos quartos-de-final contra a Espanha, que provocou celeuma, Mussolini obrigou a Federação Italiana a desviar o jogo de Roma para Milão - cidade que era o berço do movimento fascista italiano – ao que a FIFA prontamente acedeu. O próprio Jules Rimet, então Presidente da FIFA, era olhado como um admirador do regime fascista de Mussolini.
     
    Os dois capitães e o sueco Eklind, momentos antes de começar a final em Roma.
    Os austríacos ainda contestaram a decisão, mas foram obrigados a ir jogar a Milão, sendo incapazes de travar o jogo italiano, mas acima de tudo, foram vencidos por uma arbitragem escandalosa, do sueco Eklind, que como prémio ganhou o direito de arbitrar a final de Roma, onde a Itália e a Checoslováquia se iriam defrontar.
     
    Na véspera do jogo, o árbitro - um admirador confesso do Duce - aceitou o convite para ir jantar ao Palazzo Venezia com o ditador. Rezam as crónicas da partida que «estava escrito» que a Itália de Benito Mussolini teria de vencer. O jogo foi difícil e o «nó» checoslovaco só se desatou no prolongamento. 
     
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    (1) John Foot, Calcio: A History of Italian Football (London: First Estate, 2006), 355.
    (2) Il Risorgimento (em português: Ressurgimento) é o movimento italiano, que ao longo do século XIX (1815 e 1870) tentou unificar o país, que era uma coleção de microestados independentes ou regiões submetidas a potências estrangeiras.
    (3) O termo irredentismo indica a aspiração de um povo a completar a própria unidade territorial nacional, anexando terras sujeitas ao domínio estrangeiro ("terras irredentas") com base em teorias de uma identidade étnica ou de uma precedente posse histórica, verdadeira ou suposta.

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