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    Visão de jogo
    Pedro Silva
    2017/12/29
    E0
    Espaço de análise da actualidade desportiva, onde o comportamento, a emoção e a razão têm lugar privilegiado. Uma visão diferente sobre o jogo, para que o jogo seja diferente.

    A convite do Departamento de Formação do Clube Desportivo Trofense, estive na passada 4ª feira no V Colóquio de Futebol desta instituição desportiva. Foi, de resto, um regresso a uma casa onde fui feliz e onde colaboro pontualmente, com todo o gosto, por se tratar de um clube extremamente bem organizado, com modelos de treino, de jogo, de equipa e de atleta bem definidos, e que se preocupa verdadeiramente com a formação que presta aos seus jovens. Por tudo isto e muito mais, obteve com todo o mérito a Certificação da Federação Portuguesa de Futebol como Entidade Formadora. Um exemplo elucidativo de que é possível trabalhar bem fora dos clubes grandes.

    O Treino Invisível no Futebol” era o mote para o encontro e o painel de intervenientes era diversificado: dois médicos, Drs. André e Luís Carvalho, uma nutricionista, Dr.ª Raquel Silva, e eu próprio, para abordar a Psicologia Desportiva. A sala cheia, com jovens atletas, treinadores, dirigentes e pais, revelava o interesse pelo tema e a expectativa gerada no clube.

    O tema era amplo e o tempo era curto pelo que a capacidade de síntese era um imperativo nas intervenções. Além disto, com intervenientes de diferentes áreas de intervenção, importava a complementaridade nas abordagens, simplificando a linguagem para que os atletas pudessem levar respostas concretas e aplicáveis ao seu quotidiano.

    O que é, afinal, o treino invisível?... qual a sua importância?... e, sendo invisível, onde o podemos encontrar?... eram questões centrais que importava esclarecer. Diferentes intervenientes, diferentes conhecimentos para respostas agregadoras, um desafio aliciante porqueo conhecimento do conhecimento ensina-nos que apenas conhecemos uma pequena película da realidade.” – Edgar Morin.

    Na sequência do Colóquio, partilho algumas das conclusões importantes a retirar das várias intervenções e das questões colocadas pelo moderador:

    - Compreender como funciona o treino invisível significa a incorporação de uma abordagem sistémica, integradora de várias ciências, capaz de identificar que o “invisível” significa, essencialmente, que o treino seguinte começa não quando se entra em campo no dia seguinte mas sim imediatamente após o treino de hoje… e assim sucessivamente. Logo, para compreender todo o treino seguinte é preciso compreender que esse será precedido de tudo o que acontecer no tempo que separa ambos os treinos, da recuperação à alimentação, passando pelo sono e pelas relações sociais do atleta, entre muitos outos factores.

    - O sono tem um papel decisivo na recuperação das cargas de treino e de lesões musculares, como contraturas e micro-roturas, desde que se consigam atingir as fases de sono mais profundas, levando o organismo a conseguir regenerar melhor os seus tecidos musculares… Como diz o provérbio Judaico: “O bom sono é o melhor médico.” Além disto, a privação de sono ou se este ocorre apenas em fases pouco profundas, leva a uma menor eficiência cognitiva, aumento do tempo de reação, menor capacidade de memória, alterações de humor e irritabilidade, entre outras consequências. Ou seja, um factor invisível, de fora do campo, que acontece enquanto o atleta descansa, capaz de influenciar o seu desempenho e a forma como recupera do esforço e de algumas lesões.

    - Somos o que comemos, por isso também a alimentação deve ser adaptada ao longo dos micro-ciclos, estação do ano e até em função da posição de cada atleta no campo e do tipo de esforço predominante. Além da hidratação, há nutrientes importantes como a Proteína ou os Hidratos de Carbono que devem ser privilegiados em função do momento pré, durante ou pós-competitivo, conferindo energia de rápida ou lenta absorção para a competição, ou por outro lado, facilitando a reposição do que foi consumido durante aquele pico de esforço. Importante ainda é reter que o facto de os minutos finais dos jogos serem muitas vezes reveladores de fadiga acumulada e possíveis insuficiências nutricionais, podendo também isto ser reforçado através da alimentação específica e bem calculada em função do peso, idade e metabolismo de cada atleta.

    - Por fim, a nível psicológico, emocional e comportamental, importa compreender o contexto desportivo em que cada jovem atleta cresce e se desenvolve, numa conjugação dos meios familiar, escolar e desportivo, fomentando a aprendizagem, a paixão, a partilha e o bem-estar, em detrimento da pressão, das elevadas expectativas e do resultadismo consumado na maioria das vezes numa aposta única que é o objetivo de conseguir ser jogador profissional, que é muitas vezes o sonho dos jovens, mas por vezes é apenas o sonho dos pais. “Nós somos nós e a nossa circunstância” - Ortega y Gasset. Criar contextos é também treino invisível, porque treinar é preparar e é isto que também prepara o jovem cidadão antes do jovem jogador. Todos em redor do atleta, dos treinadores aos pais, passando pelos dirigentes e outros elementos de staff, TODOS são responsáveis pela criação do melhor contexto possível, por isso, é importante conhecer e assumir essa responsabilidade.  

    Posto isto, pode-se concluir que o treino invisível é o todo, isto é, deve ser entendido numa perspetiva mais abrangente do que simplesmente o tempo de prática deliberada dedicado a desenvolver competências táticas, técnicas, físicas ou psicológicas. É também tudo o que interfere, direta e indiretamente, positiva ou negativamente, na preparação do atleta, no seu estado físico, mental, emocional, etc., podendo ocorrer no período pré ou pós-treino e pré ou pós-jogo.

    O treino invisível é o que todos os dias se faz fora do campo, que se reflete na pessoa e que por isso se reflete no treino através da pessoa que treina. No fundo, o treino invisível é o conjunto dos hábitos de cada atleta e o resultado dos estímulos presentes no seu contexto… então, as questões centrais sobre as quais é importante refletir são sobre que hábitos são esses, a nível de alimentação, descanso, estilo de vida, etc., e em que contextos estão inseridos esses atletas.

    A mudança de ano é muitas vezes sinónimo de novos desejos, de reformular objetivos e de mudanças de… hábitos e de contextos. Esperemos que tudo isso aconteça no melhor dos sentidos e que 2018 seja um ano feliz e acima das expectativas.

    Até para o ano!



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