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      Bota que chuta
      Luís Peres
      2017/08/18
      E0
      “O futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso”. A frase é do lendário Bill Shankly, mas permitam-me a mim - menos lendário mas bem mais bonito – discordar veementemente. A vida sem escárnio é uma chatice brutal, e já nem falo da morte. Este espaço trilha esse caminho intermédio entre a vida e a morte. Aqui cabe o “Panenka” directo ao aconchegante colinho do keeper, o bigode farfalhudo a ocupar a lateral esquerda ou o ponta-de-lança mortífero que leva meia-dúzia de épocas para marcar três golos. Este é o cantinho deles.

      E assim arranca a Primeira Liga, com a primeira jornada que afinal se estende até à segunda jornada, mas que não faz parte da mesma jornada. Por sua vez, a segunda jornada mistura-se com a primeira, apesar de ser teoricamente independente desta.

      Confuso? Pensemos nesta(s) jornada(s) inaugural (inaugurais) como uma monocelha. A monocelha, na teoria, é composta por dois organismos independentes (a saber, duas sobrancelhas) que inesperadamente se unem por via de pelinhos marotos que funcionam como ponte entre ambas. Como um agente secreto do amor, pronto para juntar universos outrora separados por mares nunca dantes navegados. Longa vida à monocelha!

      Mas o que se passou afinal nesta Jornada Monocelha?

      Muitas caras novas, umas tantas caras velhas de regresso, demasiado Marega, pouco bom senso, algum futebol e um Feirense subitamente a equipar à AC Milan.

      Comecemos então pela Feira. Não porque o Feirense tenha surpreendido pela positiva ou mesmo pela negativa, mas porque as feiras costumam ser ao Domingo e o Domingo é o primeiro dia da semana. Respeitinho.

      Na verdade, os Fogaceiros até começaram de forma bastante neutra, pintando a monocelha de tons helvéticos com um par de tépidos empates.

      Na baliza, um reforço especial : o brasileiro Caio Secco, que é uma espécie de pior pesadelo de um parque aquático, onde toda a gente efectivamente cai molhada. No meio-campo, uma contratação que não teve oportunidade de desiludir: uma semana após o seu ingresso na equipa, o egípcio Warda confundiu a expressão “carregador de piano” por “carregador de baldes de cimento” e terá alegadamente subido aos andaimes da vida para arrotar um par de piropos às esposas dos companheiros de equipa, ganhando desta forma um bilhete de regresso a Alexandria.

      Já agora, como raio será um piropo Egípcio? Será que mete a Esfinge e meia dúzia de gatos pelo meio? Certamente a rever.

      Por falar em Esfinge, o Quim (!) esteve no banco do Aves nesta jornada Monocelha. Ele também esteve envolvido na construção da estátua de Gizé em 2500 A.C. O capataz foi o Pedro Roma.

      Contudo, os Avenses não foram os únicos a retornar ao escalão maior. Não falo necessariamente do acompanhante algarvio, porém antes daquilo que regressou à Primeira Liga às cavalitas do clube de Portimão : a nossa identidade cultural. Durante décadas, o Bigode fora o representante-mor da portugalidade futeboleira, mas o vazio recente tornava-se insuportável.

      Até dia 7 de Agosto do Ano da Graça de Dois Mil e Dezassete.

      Ao longe, o trote ritmado de um decidido corcel rasga o nevoeiro e torna-se, lentamente, perceptível. A multidão expectante toma atenção. Apercebe-se que algo de importante está prestes a suceder.

      O cavalgar ganha força, corpo, dimensão. Por entre a bruma espessa forma-se paulatinamente um contorno familiar. O corcel surge imperial, altivo. O seu cavaleiro, carrancudo, fita a multidão boquiaberta enquanto ajeita a sua impressionante pilosidade supra-labial e exclama : “O meu nome é Vítor Oliveira e vim devolver o Bigode à Primeira Liga!”.

      Obrigado Vítor!

      Contudo, há mais treinadores novos na competição. Miguel Cardoso, do Rio Ave, faz este ano a sua estreia. Este facto é relevante porque:

      1. Ele assemelha-se a uma versão jovem e bronzeada do Prof. Neca.

      2. Já cá faltava uma versão nova do Prof. Neca (a antiga também não estava mal, mas...)

      3. Tal como o supracitado Professor, o Miguel Cardoso dá ares de vilão de um filme do 007. Mas enquanto o Neca é aquele génio do mal que reside num laboratório subterrâneo e desenvolve paletes de vírus mortíferos enquanto ri nervosamente ao walkie-talkie, o Miguel Cardoso é mais o típico gajo que rouba a identidade a um conde italiano e reside numa sumptuosa mansão ao largo do lago de Como. Eventualmente acabará por atrair o 007 à sua mansão (provavelmente através de uma trama envolvendo modelos russas) e tentará chantageá-lo ou mesmo assassiná-lo. Obviamente, irá falhar e cair em desgraça. Leram aqui primeiro.

      O que e que o Rio Ave tem a ver com isto? Pouco ou nada, suponho. Só sei que após uma Jornada Monocelha em cheio, os vilacondenses encontram-se em primeiro lugar ex-aequo com os três grandes (todos 100% vitoriosos).

      Por falar em “ex-aequo” – não me envergonho de confessar que aprendi essa expressão com o Eládio Clímaco nos saudosos Jogos sem Fronteiras.

      Outras coisas que aprendi com o Eládio Clímaco?

      Que San Marino é um País, que o Denis gosta de apitar, e que Moussa Marega acaba sempre Agosto como o melhor marcador do campeonato.



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