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    Bota que chuta
    Luís Peres
    2017/02/21
    E0
    “O futebol não é uma questão de vida ou de morte. É muito mais importante que isso”. A frase é do lendário Bill Shankly, mas permitam-me a mim - menos lendário mas bem mais bonito – discordar veementemente. A vida sem escárnio é uma chatice brutal, e já nem falo da morte. Este espaço trilha esse caminho intermédio entre a vida e a morte. Aqui cabe o “Panenka” directo ao aconchegante colinho do keeper, o bigode farfalhudo a ocupar a lateral esquerda ou o ponta-de-lança mortífero que leva meia-dúzia de épocas para marcar três golos. Este é o cantinho deles.

    Caros leitores: se por aqui se encontram, depreendo que sejam apreciadores do universo do esférico português. Ou então vieram à pesca de “ads” no site que vos permitam usufruir de descontos na festa do fumeiro no hipermercado da vossa região. Perfeitamente aceitável. Em todo o caso, mesmo que estejam neste momento à procura de pagar menos cinco por cento por um salpicão, permitam-me o desabafo: que maravilhoso mundo é este, o da bola lusa. Não há lugar para bocejos ou fastio.

    Comecemos por homenagear de forma singela dois mitos vivos do objeto redondo, que atingiram recentemente marcas de respeito:
    o ancião Luisão chegou recentemente aos 500 jogos de águia sobre roda de bicicleta ao peito. Número invejável deste histórico do clube, que até esteve para nem ingressar no Benfica, dado ter sido contactado por Hollywood para ser duplo de Brad Pitt no filme Tróia, rodado em 2003. Nas palavras do próprio :
    “Gente, os cara lá nos States ligaram para eu no momento em que ia assinar pelo Benfica. Tinha caneta na mão, contrato do SLB na frente e um cara gringo no celular elogiando minha beleza natural e parecenças com Seu Pitt. Pô, eu fiquei fera. Essa decisão podia mudar minha vida. Felizmente decidi continuar minha carreira de futebolista quando soube que teria de aparecer de bundinha pelada no filme. Nossa, que frescura é essa?! Larguei o celular, assinei o contrato e peguei o avião para Lisboa.”
    Do outro lado da estrada celebra-se igualmente uma marca de respeito: o capitão leonino, Rui Patrício (2006 – 2017), atingiu os 400 desafios na baliza do seu clube, por onde também passaram mitos do futebol mundial como Paulo Costinha (1993 a 1997) ou Oceano (Supertaça 1995).
    Infelizmente, o sucesso individual não tem sido acompanhado de glória coletiva. O nosso aturado trabalho de investigação revela que um pano da louça, um saco de giz, o Cavaco Silva, uma folha de manjericão, o Badaró, uma sebenta usada e até mesmo um recetáculo de plástico com água de tremoço festejaram o mesmo número de campeonatos nacionais que Rui Patrício.

    Continuando na senda de objetos inanimados, permitam-me um curto parágrafo para falar da mais recente estrela do jet set futeboleiro: um microfone. O novo “media darling” nacional foi alvo de uma semana recheada de atenção, carinho e diversão. Correu tudo tão bem que, contas feitas, chegou até para ter uma intervenção semelhante à de Héctor Herrera no FC Porto x Tondela. O mexicano tirou do sombrero uma exibição ao nível que os adeptos portistas há muito aguardavam: zero passes falhados, zero hesitações na hora de endossar o cautchú, zero perdas de bola, zero “moves” de breakdance. Homessa!
    Diz-se injustamente por aí que o internacional azteca joga damas enquanto os restantes vinte e um futebolistas em campo jogam xadrez – ignomínia! Na minha ótica, o futebol de Héctor assemelha-se mais a alguém a tentar jogar dominó com peças de xadrez.

    Termino humildemente esta diatribe semanal lamentando-me da ausência de Ary Papel em campo pela sua equipa, o Moreirense. Pura e simplesmente por razões egoístas, está claro. Está na altura de o campeonato nacional contar com um jogador chamado Ary Papel nas suas fileiras. Este país merece um Ary Papel a entrar nos seus lares via televisão.
    Mais Ary Papel, por favor. Agradecido.

    #nãosejasináciobotaoarypapelemcampo 



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