* Chefe de Redação
O café estava barulhento, a fumegar cafeína de cimbalinos e galões. O empregado, de imaculada camisa branca, fazia as vezes de psicólogo e confessor.
«Ò amigo, pelo menos ganhámos a taça.»
Os queixumes não mudavam de tom, não abrandavam. É a clave de sol portuense, sempre numa oitava acima, um protesto singular em dia de pós-festa e ressaca, tratada por muitos à base de carioca de limão.
«Não fomos campeões, camarada, quero lá saber da taça.»
De torrada a lambuzar os lábios e um pastel de nata a piscar o olho, o cliente explicava ao garçon, um homem bastante mais jovem, o que lhe custou crescer sem ver o seu FC Porto a ganhar campeonatos. E que tudo mudou na primavera de 1978.
Na perspetiva do freguês, a meu ver acertada, uma temporada sem campeonato nacional nunca será uma temporada positiva no Dragão.
«A não ser que ganhemos uma prova europeia.»
Madruguei segunda-feira neste quadro social, representativo do pensamento portista, apesar do pequeno número de intervenientes. A forma de viver o país e o futebol, mais do que os números, ajudam a explicar a reflexão da clientela infeliz.
A balança tem, num dos pratos, três dos quatro troféus nacionais em 22/23. Tudo certo.
A supertaça (ganha ao Tondela, da II Liga), a Taça da Liga e a Taça de Portugal. No outro lado, está o segundo lugar no campeonato (insuficiente) e a eliminação nos oitavos de final da Liga dos Campeões, numa época europeia que foi do péssimo – derrota em Madrid e goleada em casa perante o Club Brugge – até ao bastante razoável.
Na maioria dos clubes, o balanço só podia ser positivo. No clube português mais vencedor dos últimos 40 anos, a nota não pode passar do suficiente. Daí os Três Tristes Títulos, devidamente amparados pelos desabafos escutados no café da minha rua.
O FC Porto conquistou cinco dos últimos seis troféus nacionais, sempre com Sérgio Conceição. O treinador teve esse mérito gigante de resgatar a equipa de um poço escuro, e sem luz de presença à vista.
Mais para trás, vale a pena lembrar que desde a fundação da Liga de Clubes (32 campeonatos), os azuis e brancos totalizam o dobro dos campeonatos do Benfica (18 vs nove) e confirmaram o crescimento anunciado no tal ano de 1978.
Ora, ao sentir o pulso da cidade e ao analisar a forma justa como o Benfica levou o campeonato – muito por culpa da tal irregularidade e más aparições do FC Porto, essencialmente na primeira volta -, é impossível maquilhar a época 2022/23 com as vitórias nas taças nacionais.
Para um clube da dimensão e ADN do FC Porto, é insuficiente. Seja no café no bairro ou nos escritórios da SAD, a análise tem de ser esta.
PS 1: a saída de Matheus Uribe, a custo zero, agudiza os problemas de um meio-campo que já estava órfão do talento de Vitinha e Fábio Vieira. Estou curioso para ver de que forma o o clube atacará o mercado de transferências para esta posição.
PS 2: o lado esquerdo da defesa tem problemas evidentes e a expulsão absurda de Wendell é só o derradeiro argumento para esta opinião. Na direita, os problemas físicos recorrentes de João Mário convidam a cautelas e cuidados extraordinários.