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    O Melhor dos Jogos
    Carlos Daniel
    2023/01/06
    E4
    Este espaço, do jornalista Carlos Daniel, pretende ser de abordagem e reflexão sobre o futebol no que o jogo tem de melhor. Quinzenalmente, uma equipa será objeto de análise, com notas concretas que acrescentam atualidade.

    Bernardo Silva é quase tão lúcido a falar como com a bola nos pés. E o quase resulta apenas de ser incomparável com a bola, na capacidade de decifrar enigmas, esconder fragilidades e improvisar soluções. Aquele que é provavelmente o melhor futebolista português da atualidade falou do jogo, do jogo ele mesmo, numa entrevista ao Record, com uma qualidade no discurso – e coragem, já agora – rara em jogadores que atingem a sua dimensão. Muitos só falaram bem com os pés, abordando sempre os temas referentes ao jogo de modo básico ou como matéria restrita ao mundo insondável do balneário. Acrescentando-nos pouco. Bernardo não fugiu a nenhum tema quente – como a situação de Ronaldo ou a relação com o Benfica e a presidência de Rui Costa – e sobretudo deu mais uma lição de entendimento do jogo. E já nem era preciso.

    Gostei particularmente de distinção feita entre as características próprias e as de Bruno Fernandes. Quando tantos percecionam – ainda recentemente, no Mundial - quase um problema de compatibilidade entre ambos, Bernardo traçou a diferença fundamental em duas penadas e com uma humildade que desconcerta: ele joga melhor mais atrás e Bruno mais à frente, ele vê-se como organizador e a Bruno como definidor (de último passe ou finalização). E mesmo reconhecendo que é maior o protagonismo de que joga adiante no campo, pelo número acrescido de assistências e golos, como sucede com Bruno Fernandes mas também como De Bruyne no City, não o fez reclamando esses lugares, mas reconhecendo que pode ser mais útil noutras funções, menos amigas das estatísticas.

    Se houve crítica individual injusta após o Mundial foi a que colocou – e vários o fizeram – Bernardo Silva como uma desilusão ou um dos portugueses aquém do rendimento esperado. Sem embargo da exuberância maior de Bruno Fernandes e João Félix, ninguém foi tão regular, mais uma vez ninguém fez o que era certo durante mais tempo que Bernardo Silva. Numa equipa por vezes desarrumada, assumiu-se sempre como o funcionário diligente, sempre que o jogo se partia, foi a cola indispensável entre os diversos momentos. Portugal não encantou, só brilhou pontualmente, mas foi dominante em todos os jogos e em muito o deve ao cérebro da camisola 10.

    A propósito do número da camisola, Bernardo foi também, efetivamente, o único 10 em campo. Por muito que se veja a função em vias de extinção, se alguma coisa a distinguirá sempre é a capacidade de organizar e definir ritmos, de servir mais que finalizar, de pausar em vez de acelerar como prioridade. Bernardo é uma coisa, Bruno outra, ambas naturalmente admiráveis. E Otávio, já agora, outra ainda, espécie de canivete suíço luxo, tão forte capaz após a recuperação como depois da perda de bola (vulgo transições), mas não um daqueles a quem se entrega a bola para “pensar o jogo”. E João Félix então é mesmo de outro espaço, é um avançado, móvel mas sempre um avançado e nunca um médio como os demais, tão versátil que pode ser 9 ou 9,5 e até extremo como disfarce, mas nunca 10. Se Portugal algum problema teve, não foi o de ter muitos jogadores em campo com características idênticas, foi antes ter vários jogadores diferentes a tentar fazer coisas parecidas. Não foram os jogadores que condicionaram a equipa, antes a intencional organização desorganizada que lhes terá baralhado as funções além do recomendável. Colocar os melhores em campo nunca deveria ser um problema.



    Comentários

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    motivo:
    Esta crónica tem o perfume de frete
    2023-01-13 12h33m por Lazyfox
    Que Bernardo tem qualidade (muito) acima da média - especialmente no City - é inegável. Contudo, no mundial, roçou sempre a banalidade e mediocridade. Se, como diz, é um jogador que gosta de pegar a bola detrás, então será mesmo ele um dos culpados pelas fracas exibições portuguesas, tal a passividade com que sempre encarou o jogo.

    Um jogador nessa posição deve ser "mandão", querer a bola para escolher a melhor opção para os colegas. Como por exemplo, um Vitinha o faz ...ler comentário completo »
    Bernardo
    2023-01-07 14h06m por edhelvar
    Vou ser mais um a dizer que não, o Bernardo não fez um bom mundial. Se querem ver quem tinha a inteligência no campo de Portugal, olhar para o Otávio, Bruno e Félix. Os 3 do City foram uma "desilusão" neste mundial, e ponho entre aspas porque para quem está atento já sabe que claramente eles no City não são os mesmos que na Seleção há bastante tempo.
    Bernardo
    2023-01-06 17h10m por robertosportinguista
    Também não vi esse Bernardo que o cronista viu, achei, pelo contrário, um jogador que fugia do jogo, se escondia à frente dos zagueiros lusos, enquanto Bruno chamava o jogo e Felix, surpreendentemente, conseguia os melhores resultados. O Bruno foi muito mais efetivo que o Bernardo. Portugal sentiu muito a falta de um Renato Sanches para dialogar com o Bruno no MC e um Nuno Mendes do lado esquerdo. Duas decepções nessa copa com a camisa lusa: Bernardo Silva e João Cancelo.
    Hmmm
    2023-01-06 16h46m por Barbosa-8
    Sei que vejo o futebol de forma mais básica que o estimado cronista, mas não consegui mesmo ver o Bernardo como um dos melhores da selecção. Tanto Bruno, como Otávio, como finalmente o Félix têm/tiveram capacidade e confiança para "pegar no jogo". Não creio que falte dimensão física ao Bernardo, mas falta claramente atitude e capacidade de liderança para se tornar num jogador superlativo, esconde-se invariavelmente do jogo e isso é algo que não consigo ultrapassar na sua avaliação. Falta...ler comentário completo »

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