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    Campo Pelado
    Pedro Jorge da Cunha
    2022/12/13
    E2
    «Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

    * Chefe de Redação

    O gene competitivo é uma criatura do Mal. Adula monstros, desperta fantasmas, não admite personagens impolutas. Ganhar, no maior dos palcos, implica um pacto com demónios e uma área aberta ao conflito. Chamemos-lhe purgatório das almas.

    Deixei de acreditar há muito no triunfo dos bons rapazes. A vida já me deu provas mais do que suficientes para encerrar esse capítulo dos contos de fadas. Inofensivos, utópicos, condenados à derrota.

    Penso na Argentina, nos mauzões da Argentina. Dez capangas rodeiam o Senhor Messi, protegem-no, carregam-no no andor dos intocáveis. Se o sagrado esquerdino for capaz de ser Messi em três ou quatro momentos por jogo, o troféu mundial voltará ao país de Maradona.

    O Mundial é um campo de concentração para a tensão. Prende-a, asfixia-a, torna os jogos impossíveis de suportar a um coração apático. É essa atração pelo perigo que suporta as equipas mais atrevidas, mais duronas, que não temem o erro.

    A adrenalina em doses excessivas, os olhos raiados de sangue. Dir-me-ão que o excesso de velocidade provoca acidentes e eu só posso acenar em concordância. Por isso vemos, de quando em vez, a careca de Zidane a bater no peito de Materazzi ou o cotovelo de Tassotti a ensanguentar o nariz de Luis Enrique. É o risco de braço dado com o descontrolo.

    E Portugal? Falta isto à Seleção Nacional. Esse ADN que a coloca a salivar por sangue, que a obriga a perseguir o adversário pelas estepes do futebol mundial. Percebeu-se isso frente a Marrocos, a incapacidade de ferir no sítio certo.

    Cristiano Ronaldo foi a besta maquinal capaz de esconder essa limitação da equipa durante mais de uma década. Mas essa besta humanizou-se e pena ao lado dos outros. Um dado mais para assinalar a preparação do novo capítulo da Seleção.

    Se Fernando Santos fechar este ciclo, coloco três desejos em cima da mesa. Não falo ainda em nomes, mas em formas de olhar o jogo e a representação nacional.

    IDEIAS: o selecionador aproximou-se da vox populi e deu às nossas gentes um estilo mais atraente, com mais posse de bola, mas esqueceu-se que essa foi imagem raras vezes vista nos últimos oito anos. Consequência: no contexto de maior pressão, Portugal não soube por onde entrar, por onde cruzar, que caminhos escolher. A seleção tem de ser um espaço ortodoxo, de ideias fixas, seja quem for o próximo selecionador. Andar ao sabor dos apetites populares é que não.

    CRISTIANO: não sei se a queda abrupta de rendimento se deve somente à pré-época inexistente, aos problemas pessoais e ao ciclo da vida. São três hipóteses que ajudam a explicar o CR -7 que Portugal teve no Catar. Fim de vida na seleção? Não necessariamente. Se Cristiano fizer um esforço para perceber que os dias de super-herói fazem parte do passado, talvez possa ser útil e ajudar quem aí vem. Não é absurdo pensar nele no Euro24, mas essa é uma decisão que só ele poderá tomar. Se quiser continuar a ter um tratamento de exceção, o melhor é agradecer e dizer adeus.

    COMUNICAÇÃO: a lengalenga montada no final do Portugal-Coreia foi feia. Fez-nos de estúpidos (media, adeptos, observadores) e a coisa rebentou nas mãos do próprio Ronaldo. O espaço da seleção deve ser mais aberto, o selecionador deve ter a capacidade de explicar as escolhas que faz, o secretismo anacrónico que segrega os clubes aqui parece ser ainda mais absurdo.

    PS: sem Portugal, desejo que o futebol respeite o génio de Lionel Messi e que a Argentina possa voltar a ser campeã do mundo. 36 anos depois dos milagres a céu aberto perpetrados por Diego Armando Maradona em território azteca.



    Comentários

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    motivo:
    Excelente.
    2022-12-14 13h58m por EspecialistaDaBola
    Virão aqui os indignados que despejam ódio no artigo e no seu elogio a Messi, como se fossem familiares do Cristiano Ronaldo e cada golo do Messi seja uma facada no seu orgulho nacional. Orgulho nacional que não é o PIB, não é o rendimento per capita, não é a dívida, não é a qualidade da democracia, mas tão somente o Cristiano Ronaldo.
    Mas creio que o autor do artigo já estava ciente disso quando escreveu que "torce" agora pela Seleção Argentina e, por isso, tanto se lhe dá, como se lhe deu.
    Excelente artigo.

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