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    Campo Pelado
    Pedro Jorge da Cunha
    2022/03/16
    E2
    «Campo Pelado» é o espaço de opinião do jornalista Pedro Jorge da Cunha. Uma homenagem ao futebol mais puro, mais natural, onde o prazer da camaradagem é a única voz de comando. «Campo Pelado».

    * Chefe de Redação

    A prenda de Natal de Nélson Veríssimo foi um cabaz cheio de problemas. Uma equipa destroçada e dividida, pressionada pelos maus resultados, o mau ambiente institucional, contratações milionárias falhadas e a superioridade evidente dos rivais diretos.

    Veríssimo tinha tudo para correr mal no banco principal do Benfica. Três meses depois, e embora não se possa falar propriamente em brilhantismo, já é tempo de lhe entregar a primeira medalha: a da sobrevivência.

    O jogo de Amesterdão é, de resto, um resumo perfeito dessa arte tantas vezes maltratada até incompreendida. A capacidade de alguém se agarrar à vida, mesmo que em evidente sofrimento, é uma das lições que nos deveria fazer refletir em silêncio.

    No Náufrago, de Robert Zemeckis, essa tábua de salvação chamava-se Wilson e era uma bola de voleibol. Na certeza da solidão, Wilson passou a ser o melhor (e único) amigo da personagem de Tom Hanks, confidente, cúmplice, talvez amante.

    O Wilson de Nélson Veríssimo chama-se Liga dos Campeões. Sem Taça da Liga, divorciado da Taça de Portugal e demasiado longe do FC Porto no campeonato, a parceira de todas as horas passou a ser a UEFA e a sua prova maior.

    Ora, para segurá-la com todas as forças, mister Veríssimo mandou às malvas o preconceito e a corrente dominante no mundo da análise futebolística: ter bola e não saber o que dela fazer? Não senhor, para isso já basta a trágica separação entre Hanks e Wilson.

    De forma mais simples, o treinador quis fazer o famoso «controlo da profundidade» defensiva – que mais não é do que anular o espaço nas costas do quarteto da defesa – da forma mais simples e, diz o resultado, eficiciente: recuou os dez homens, jogou num sólido bloco baixo e convidou o Ajax para o assalto que se veio a revelar um logro.

    Veríssimo já se equivocou uma mão cheia de vezes nos últimos meses. No Bessa, aliás, diria que grande parte da explicação para a quebra da equipa se explica com as más substituições feitas na segunda parte. Em Amesterdão não foi assim.

    O treinador percebeu que do outro lado havia mais qualidade, mais futebol com bola, certamente mais imaginação. E abdicou de tudo isso para ser, no final, mais feliz. Resultou.

    O Benfica bebeu a dose de cinismo ajuizada e juntou-lhe um shot de elixir da eterna juventude. Quando parecia entregue a uma decadência sem sentido, ergueu-se com a autoridade de quem já foi um monstro sagrado e cabeceou a única bola possível para a baliza neerlandesa – as saudades que tenho de escrever holandesa.

    Há várias fórmulas para ganhar jogos de futebol. O mais relevante, parece-me, é saber aplicar essas formas de viver aos capítulos certos.

    O Benfica de Amesterdão seria sempre insuficiente para ganhar campeonatos. Para ganhar o jogo, estamos conversados, foi mais do que competente.

    Afinal, talvez haja um sopro de vida em Nélson Veríssimo.  



    Comentários

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    motivo:
    TI
    Nossa
    2022-03-16 23h21m por tink
    Como é possível elevar este treinador a quase rei? Espero que os dirigentes do Benfica pensem igual e renovem contrato. Era uma boa notícia para os demais competidores.
    . . .
    2022-03-16 18h39m por Arctic-Sporting
    Como é fácil passar de besta a bestial no futebol.

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