Era um adolescente quando o Sporting foi campeão em 2000 e 2002. Recordo-me bem da enorme festa que se fez no país e de das duas vezes ter feito questão de telefonar ao meu querido avô sportinguista a dar-lhe os parabéns e dizer-lhe que estava muito feliz por ele. E sem saber, iniciei aí uma tradição familiar: desde então, sempre que o Benfica era campeão, assim que o árbitro tocava o apito final, eu olhava para o meu telemóvel e o primeiro telefonema que recebia era sempre do meu avô, a dar-me os parabéns e a dizer que estava muito feliz por mim. Esse meu avô faleceu há dois anos com a bonita idade de 93 anos e é difícil explicar por palavras como eu gostava de lhe poder ter telefonado esta 3ª feira após o Sporting ter sido campeão. A dar-lhe os parabéns e a dizer que estava muito feliz por ele.
Quando era adolescente o presidente do Benfica era João Vale e Azevedo. E não tenho problemas em admitir que me entusiasmei com a personagem e que nos primeiros meses fui um crente na sua presidência. Até que esse mesmo avô me sentou uma vez à mesa e esteve uma hora a conversar comigo. Lembro-me bem das suas palavras: "Um neto meu não pode gostar de uma figura como Vale e Azevedo". Explicou-me como este tipo de pessoas prometem mundos e fundos, fazendo uso de um populismo barato sem qualquer tipo de responsabilidade e coerência e para desconfiar sempre de quem fala mais do que faz. E avisou-me que a coisa ia correr mal para o meu clube. No fundo, abriu-me os olhos e deu-me uma lição de vida, para que eu nunca mais acreditasse em nenhum "Vale e Azevedo" desta vida. Seja no futebol, na política ou no meu dia-a-dia.
Lembrei-me disto a propósito da comissão de inquérito que Luís Filipe Vieira participou na Assembleia da República. Ali estava uma das tais figuras que me fez olhar de forma suspeita desde o início e até hoje nunca consegui acreditar nele. Não sou capaz de colocar as mãos no fogo quanto à sua honestidade e só essa dúvida faz-me não conseguir aceitar que seja Presidente do meu clube. Para além do que fica nas entrelinhas da mistura que já faz entre os seus negócios e o clube (desde a contratação de Ola John à famigerada OPA) viu-se alguém constantemente a usar o Benfica como escudo de defesa. Também com Luís Filipe Vieira o meu avô sempre me disse que a coisa ia acabar mal para o meu clube. Temo que venha um dia a ter razão...
Apesar de Sportinguista dos sete costados, contava-me que fez questão de em 1949 ir ver o fatídico jogo entre o Benfica e o Torino, que como se sabe viria a vitimar a malograda equipa italiana no regresso ao seu país. Esteve lá porque tinha muita curiosidade em ver ao vivo a equipa fenómeno do futebol europeu, mas também porque queria prestar homenagem a Francisco Ferreira, capitão do Benfica, que se despedia dos relvados. Era notável o seu clubismo, mas também o seu desportivismo. E essa lição leva-me a dizer: parabéns Sporting. Foi um campeão justo (apesar do vergonhoso caso Palhinha) e só posso desejar que não seja invicto, perdendo na Luz para que não iguale os feitos do Benfica de 1973 e 1978.
Sempre que o visitava acabávamos invariavelmente a falar de futebol e nos últimos anos perguntei-lhe o que achava disto do Sporting insistir que tinha 22 campeonatos (agora 23) e a sua resposta era sempre pronta: viu todos os campeonatos e só cinco clubes em Portugal foram campeões: Benfica, Porto, Sporting, Belenenses e Boavista. Chegou ao ponto de em 2019, a poucos meses de falecer, ter telefonado para a Assembleia da República no dia em que este revisionismo histórico foi a debate (por conta de uma petição) a querer falar com alguém de direito para dizer que estavam todos equivocados se achavam que o Sporting tinha 22 campeonatos. Que tinha muito orgulho nas conquistas do seu clube e não aceitava que se misturasse alhos com bogalhos. É de facto altura da FPF terminar o seu silêncio cobarde e parar esta tentativa ridícula do Sporting em saltar quatro campeonatos para a frente na contagem.
Este sábado o Benfica joga contra o Sporting e como sempre, o país vai parar para ver o jogo. Avôs Sportinguistas de um lado e netos Benfiquistas do outro estarão a torcer pelos seus clubes, desejosos de uma vitória retumbante em campo e um abraço e um beijinho no final. Espero muito que o Benfica vença o derby e fique lançado para também conquistar a Taça de Portugal. Para que quando o árbitro apitar para o final e o Glorioso tiver derrotado o Braga eu olhe para o telemóvel e pense "era agora que telefonava o meu avô. A dar-me os parabéns e a dizer que estava muito feliz por mim".
Em memória de João Inglês.
1926-2019