A decisão da Supertaça apenas confirmou o que se sabia: o FC Porto não encanta mas tem princípios consolidados e de eficácia comprovada, enquanto no Benfica o coletivo não emerge e as individualidades naufragam. O jogo não foi inspirador mas o vencedor não se discute. E provou-se, assim e mais uma vez, que a evolução continuada de uma equipa é sempre o mais relevante, mesmo naqueles jogos em que a tirada gasta é de “não haver favoritos”. E o FC Porto não ganhou por ter sido mais sólido e competitivo neste jogo em concreto, ganhou porque é, por regra, mais sólido e competitivo, desde que venceu a oscilação de início de época. Tal como o Benfica não perdeu por revelar fragilidades em Aveiro, mas porque as tem manifestado de modo idêntico e repetido desde Setembro, fosse com Boavista, Rangers, Vitória ou Gil Vicente. Perante o FC Porto e numa decisão de jogo único, apenas era mais difícil disfarçar.
Hoje, os jogadores azuis e brancos percebem bem a alternância entre jogar com dois ou só um avançado declarado, aquilo que a equipa procura quando Otávio sai mais do corredor ou arranca da zona central, a preferência que varia entre um jogo mais direto ou circulação à largura, os movimentos de apoio e rutura dos seus homens mais avançados. Pode dizer-se que o jogar portista apresenta mais previsibilidade que variabilidade, que é mais cativo que criativo, mas os jogadores, até os mais diferenciados, como Corona, Otávio ou Luis Diaz, já têm entranhado o que à chegada terão estranhado. Além de que a equipa tem fragilidades defensivas, com uma linha diversas vezes mal coordenada e laterais que estão longe da qualidade histórica no clube. Acontece que nenhum adversário, sobretudo em Portugal, tem facilidade em aproximar-se da área portista. Sérgio Conceição terá quase uma obsessão com a segurança que lhe limita as ambições ofensivas, mas também é isso que lhe garante a solidez que é imagem de marca deste Porto. Ter a bola com a preocupação do momento da perda pode inibir comportamentos de risco que acrescentam beleza ao jogo, mas mantém a equipa estável, com mais unidades a postos para a recuperação seguinte. Não é o jogar mais sedutor mas é competente quanto baste para que a equipa lute por todos os títulos internos e já some vários. Além de que o treinador do Porto sempre disse ao que vinha: “prefiro ganhar por 1-0 do que por 4-3” ou “se querem espetáculo vão ao Coliseu”.
Já Jorge Jesus, introdutor da “nota artística” no léxico do jogo, é visto como treinador ofensivo, em que a estética é valorizada e louvada. Atingir a arte é mais inspirador, mas para se chegar a ela há que dominar a técnica (que no futebol é muito a tática). Ninguém brilha como malabarista num palco sem começar por manter três laranjas no ar ao mesmo tempo. Este Benfica está longe de ser inspirador por não conseguir ainda sequer ser coletivamente competente. Falou-se muito, nos últimos meses, da fragilidade defensiva, com a tradicional e quase sempre injusta responsabilização individual de alguns dos melhores jogadores que tem, como Otamendi, Grimaldo ou Weigl. É sempre mais fácil encontrar explicações no erro individual do que entender o que lhe está subjacente. Essencialmente, este Benfica é mais frágil a defender porque tem menos qualidade a atacar, acumulando perdas de bola que roçam o absurdo, seja em construção ou já no meio campo ofensivo. E isso acontece por duas razões fundamentais: limitações de qualidade/velocidade de execução em jogadores que têm sido titulares muitas vezes (Gilberto, Nuno Tavares, Gabriel, até Jardel), o que inviabiliza as saídas rápidas (em transição ofensiva) tão características do futebol de Jesus, e falta investimento na capacidade dos jogadores mais ofensivos se associarem, de trocarem a bola entre si (agravada na ausência de Pizzi), o que prejudica homens como Waldschmidt e Pedrinho e transforma os jogos de Rafa, Everton e Darwin em sucessivas correias solitárias votadas ao insucesso.
No futebol, podemos sempre ir buscar o episódico – a infelicidade, a arbitragem – ou o erro individual, e mais ainda a gasta explicação da eficácia, para disfarçar o óbvio, mas o óbvio não se extingue: ganha mais vezes quem tem uma identidade em que a ideia coletiva casa melhor com o perfil dos jogadores que a servem. E é o Porto que leva vantagem nisso, mesmo que siga atrás das águias no campeonato. Podia ter sido diferente o resultado em Aveiro? Claro que sim, bastava que o livre final de Grimaldo tivesse entrado e o Benfica festejasse após os prováveis penaltis que se seguiriam. Mas nem essa possibilidade altera a justiça da vitória do Porto nem os traços identitários evidentes, de um Porto que não ataca mais (e melhor) porque se preocupa muito com o momento defensivo e de um Benfica muito frágil sem bola porque essencialmente ainda não sabe bem o que fazer com ela.